Os versos iniciais do poema "Tabacaria", perpetuados por Álvaro de Campos —um dos 127 heterônimos, todos masculinos, do escritor português Fernando Pessoa (1888-1935)— dizem: "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho todos os sonhos do mundo".
Embora Pessoa brincasse com as palavras, qualificando-as pela alma, jamais sonhou que, 80 anos após sua morte (comemorada neste 30 de novembro), fosse homenageado por meio de uma boceta —caixinha, em português lusitano— que, aberta, dá à luz a três CDs, dois DVDs, o livro "Mensagem" e um caderno de imagens.
| Rama de Oliveira | ||
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| O idealizador do projeto André Luiz Oliveira (à esquerda) e o cantor Carlos do Carmo |
A ideia da caixa não é apenas estética, pois foi em um baú de madeira —hoje, parte do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa— que o poeta guardou seus escritos.
Luxuosa, a caixa é uma demonstração inequívoca de que seu realizador, o cineasta e músico baiano André Luiz Oliveira, sabe expressar com afinco sua profunda admiração e identificação com o poeta lusitano. Foram 30 anos pesquisando e musicando 44 poemas do livro "Mensagem", de Pessoa, e gravando-os com 33 intérpretes. Todos consagrados artistas.
Entre eles, os brasileiros Caetano Veloso, em "D. João, Infante de Portugal" e "Padrão"; Gilberto Gil, em "Prece", entre outras; Milton Nascimento, em "D. Tareja"; Ney Matogrosso, em "Ascensão de Vasco da Gama" e "Os Avisos... (Terceiro)", e Renato Teixeira, em "D. Duarte, o Rei de Portugal". Cantado por Oliveira, "O dos Castelos" é arrebatador.
| Divulgação |
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| Três CDs, dois DVDs, o livro "Mensagem" e um caderno de imagens compõem a caixa-tributo |
Das brasileiras, destacam-se as interpretações de Gal Costa, em "Nevoeiro"; Ná Ozzetti, em "Calma"; Monica Salmaso, em "D. Afonso Henrique", e Cida Moreyra, em "Ocidente".
Entre os artistas portugueses, sinta-se tocado por Dulce Pontes, em "D. João, o Segundo"; António Zambujo, em "Afonso de Albuquerque"; Raquel Tavares, em "Viriato", e Carlos do Carmo, em "O Mostrengo", entre outros.
Único livro de Pessoa publicado em vida, "Mensagem" traz 44 poemas épicos versando sobre reis e rainhas, mitos, castelos, profecias, cavaleiros e navegadores.
Se a poesia é a música da alma, musicá-la seria redundância? Absolutamente, não. Entretanto, a falta de identificação dos músicos na ficha técnica, por faixas gravadas nos CDs —apenas os cantores(as) são revelados—, é irreparável e beira o desrespeito. Afinal, música se faz com músicos. Contudo, isso não macula o excelente conteúdo dos três discos. O primeiro, com 12 faixas, foi lançado em vinil, em 1986; o segundo, com 13 faixas, saiu em 2003; e o último, de 2014, traz 19 faixas.
Os dois DVDs são belos e bem produzidos. Ambos têm a direção de imagens de Oliveira, que conhece o assunto. No DVD II, os arranjos e a regência ficaram por conta de outro mestre, o pianista Leandro Braga.
A última frase escrita por Pessoa, em inglês, quando se encontrava no hospital onde morreu de cirrose hepática, foi: "I know not what tomorrow will bring" (Não sei o que o amanhã trará). Mesmo visionário, o poeta nunca imaginaria que um brasileiro fizesse de "Mensagem" um projeto tão bonito e consistente. Tampouco que seu vasto conteúdo coubesse em uma boceta.
BAÚ MENSAGEM
ARTISTAS: vários
GRAVADORA: Versal Editores
QUANTO: R$ 300
AVALIAÇÃO: ótimo