Folha de S. Paulo


Antologia remonta obra de Mário de Sá-Carneiro em seus vários gêneros

XADREZ

O xadrez no título do livro de Ana Elisa Ribeiro poderia induzir o leitor a pensar num livro de poesia cerebral, submetida ao cálculo e à estratégia do jogo, recursos que em grande medida também dizem respeito à (boa) poesia.

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A dicção da poeta, no entanto, logo desfaz a impressão e revela um discurso mais próximo da fala cotidiana, das questões do afeto, das jogadas amorosas e sensuais, da poesia que "vem em rasantes", entre o espanto do acaso e as maravilhas do desejo.

Ana Elisa acredita na poesia que "é coisa distraída", na possibilidade sempre arredia da experiência "virar poema", melhor que "virar pura bobagem", e que pode ser a revolta com os papéis do feminino na sociedade, o ciúme deslavado de uma revista masculina, a ira com o Deus repetitivo, ou a fugidia "sensação do abismo".

Quando o sentimento amoroso, tão premente e egoísta, não embota a visão, o poema ainda ensaia o sutil movimento de Penélope contra o tédio, tecendo os "fios da imaginação". (REYNALDO DAMAZIO)

AUTOR Ana Elisa Ribeiro
EDITORA Scriptum
QUANTO R$ 35 (71 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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ESCURO

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Os poemas de Ana Luísa Amaral reunidos no breve e denso volume "Escuro" situam-se entre as "margens do humano" e as da história. Seria preciso usar maiúsculas para os termos história e humano, se não estivessem fora de moda, para realçar a dimensão alcançada no discurso poético por essa poeta nascida em Lisboa (1956), residente em Leça da Palmeira desde os nove anos e hoje professora associada na Faculdade de Letras do Porto.

Trata-se de uma humanidade desentranhada da história, com suas raízes mitológicas, ancestrais, mas agora num tempo "sem a esfinge que deslumbre" e de uma escuridão que fica "por inventar". A voz da poeta busca inventar "a ausência como ninguém mais" e transformar "a língua dos golfinhos" em "linguagem de sal", como se a tormenta dos mares enfim pudessem serenar num futuro utópico.

As metáforas são potentes e nos remetem para o tempo do poema, mescla de inquietações da poeta em interface com o mito, mas sem idílio ou nostalgia. Seria mais apropriado dizer: como um exílio na própria linguagem. (REYNALDO DAMAZIO)

AUTOR Ana Luísa Amaral
EDITORA Iluminuras
QUANTO R$ 37 (80 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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ANTOLOGIA

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Com organização da acadêmica Cleonice Berardinelli, esta antologia busca rastrear todos os gêneros praticados pelo poeta português Mário de Sá-Carneiro, um dos grandes nomes da poesia portuguesa ao lado de seu grande amigo Fernando Pessoa. Ambos fizeram parte da revista "Orpheu", que, apesar da vida curta, logo que saiu, em 1915, escandalizou o meio literário da época, publicando "poesia sem metro, celebrando roldanas e polias, ou revelando as profundezas do subconsciente, sem passar pelo crivo da razão", como escreve Berardinelli.

O livro reúne 53 poemas, textos em prosa do livro "Céu em Fogo", a novela "A Confissão de Lúcio" e 68 cartas de sua correspondência com Pessoa. Com um lirismo que parece se escorar na dispersão da subjetividade, que anseia por se fixar numa angustiosa procura da essência de si mesmo, Sá-Carneiro, que se matou, em Paris, onde vivia, aos 26 anos, criou uma linguagem profundamente original colocando no centro de sua poética a imagem do sujeito inadaptado à vida, à estúpida realidade que o cerca. (HEITOR FERRAZ MELLO)

AUTOR Mário de Sá-Carneiro
ORGANIZAÇÃO Cleonice Berardinelli
EDITORA Edições de Janeiro
QUANTO R$ 56 (512 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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