Folha de S. Paulo


Clássicos recontam história da Rússia por seus personagens e epopeias

Enquanto não chega a ditadura comunista alertada pelas recentes manifestações políticas pelo Brasil, o jeito é se contentar com a literatura russa —pré e pós-Revolução de Outubro. Três lançamentos nos devolvem o olhar à pátria de Lênin, Stálin, dos mujiques bêbados e do simpático automóvel Lada. A começar por "No Campo da Honra", de Isaac Bábel.

Judeu ucraniano, Bábel marcou sua literatura por uma cisão entre a tradição judaica e a identidade russa. Poeta da violência, é o padroeiro dos cultores da linguagem direta e brutal (Rubem Fonseca praticamente o canonizou no romance "Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos"). A literatura de Bábel, realista, minimalista e toda centrada em contos curtos e sentenças velozes, foi também revolucionária ao sacudir as tradições épicas russas. Esta edição traz desde os contos iniciais até os últimos textos do autor de "A Cavalaria Vermelha" (sua obra-prima), permitindo acompanhar sua evolução através de relatos autobiográficos, histórias de guerra e até algumas anedotas pornôs.

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Anton Tchéltchov, Fiódor Dostoiévski, Isaac Babel
Anton Tchéltchov, Fiódor Dostoiévski e Isaac Babel

Outro interessante lançamento da 34 é "Um Pequeno Herói", primeira noveleta escrita por Dostoiévski. É centrada na investigação psicológica sobre o momento exato em que um garoto de 11 anos se torna adolescente —ao apaixonar-se por um belíssima mulher casada e testemunhar seu adultério. A linguagem ainda se ressente de alguns frufrus que o jovem Dostoiévski exibe por influência dos românticos franceses, mas sua sobrenatural capacidade para a compreensão das emoções ambivalentes, bem como do conflito entre razão e idealismo, já está toda lá.

O livro foi inteiramente escrito durante a prisão que Dostoiévski sofreu, em 1849, aos 28 anos, à espera da sentença que o degredaria na Sibéria —e é curioso observar como um texto tão vivaz, ligeiro e colorido foi criado em condições totalmente insalubres (o autor sofria de horríveis hemorroidas, passava fome e frio e mal tinha acesso a um passeio no pátio).

Por fim, mais uma novela escrita por um gigante russo também aos 28 anos: "A Estepe", de Tchékhov. Mais próximo da forma curta de Bábel que da caudalosa narrativa de Dostoiévski, Tchékhov se tornou um dos melhores contistas já surgidos na literatura por seu apreço ao detalhe significativo, sua habilidade na composição de climas e psicologias e a fuga ao épico —preferia finais abertos aos fechados.

O olhar clínico e desiludido em relação à realidade —próprio de um médico popular— também comparece nessa novela, que se resume em acompanhar a jornada de um jovem por um dos territórios mais fascinantes da Rússia e o contato que toma com seus tipos humanos. Mesmo em tom menor, Tchékhov é implacável.

NO CAMPO DA HONRA
AUTOR: Isaac Bábel
TRADUÇÃO: Nivaldo dos Santos
EDITORA: 34
QUANTO: R$ 46 (264 págs.)
AVALIAÇÃO: muito bom

UM PEQUENO HERÓI
AUTOR: Fiódor Dostoiévski
TRADUÇÃO: Fátima Bianchi
EDITORA: 34
QUANTO: R$ 32 (88 págs.)
AVALIAÇÃO: muito bom

A ESTEPE (HISTÓRIA DE UMA VIAGEM)
AUTOR: Anton Tchékhov
TRADUÇÃO: Rubens Figueiredo
EDITORA: Penguin/Companhia
das Letras
QUANTO: R$ 24,90 (144 págs.)
AVALIAÇÃO: muito bom


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