Folha de S. Paulo


'A criança é criada para ser algo', diz diretora de peça; leia entrevista

A cia. Le Plat du Jour, que geralmente faz releituras de contos de fadas, estreou sua nova peça em São Paulo: "Cinderela Lá Lá Lá" , que trata a Gata Borralheira como uma menina corajosa e cheia de sonhos.

Na entrevista a seguir, realizada em ensaio da peça, as diretoras, Carla Candiotto e Alexandra Golik, contam como montaram a comédia. Leia Abaixo.

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Folhinha - Como é a adaptação da história?
Carla Candiotto - São três atrizes contando a história dentro de uma sala de costura. Cinderela tem um ofício, uma profissão de que ela gosta, não é uma menina que espera o príncipe encantado.

Por que ambientaram o enredo no ateliê de costura?
Alexandra Golik - A gente partiu do princípio de que Cinderela tinha de ter algum dom nato que herdou da mãe dela, que era costureira. Agora ela resolveu virar estilista, que é um sonho de criança. Cinderela quer ser a artista que cria, tem essa ambição, não é só uma submissa, também quer ser alguém além de ser somente a Cinderela. Hoje a criança é criada para ser alguma coisa, Cinderela não pensa somente no amor.

Essa é a relação com o tempo de hoje?
Golik - As mulheres fazem tantas coisas —às vezes mais do que os homens, só que não ganham tanto quanto eles.

Como é o príncipe?
Candiotto - Ele gosta de ler, pratica esgrima e estuda na FGV (Fundação Getúlio Vargas). A gente incluiu isso porque a Helena Cerello sempre diz: "Eu fiz GV" [antes de ser atriz, Helena estudou administração de empresas na Fundação]. Cinderela e ele estudam, encontram-se e se apaixonam —e isso é contemporâneo.

Como vocês trataram a emoção da inveja entre as irmãs de Cinderela no espetáculo?
Golik - As nossas irmãs são lindas iguais. São três meninas bonitas que estão fazendo esse espetáculo, e a gente estabeleceu que Cinderela cria, e as irmãs querem estar no topo, querem ser as estrelas de um musical. Como elas têm um desejo muito ambicioso, há sempre um conflito e essa inveja acaba ocorrendo naturalmente. As irmãs fazem a Cinderela desenhar o vestido do baile para elas. A gente também representa o bullying.

Cinderela encontra o amor?
Candiotto - Ela encontra o amor, aquele que dá um friozinho na barriga. Todo mundo tem uma história para contar sobre o primeiro amor. O amor é maior, é abrangente, é o amor pelo que se gosta de fazer, pelo outro ser humano e uma vontade de fazer coisas. É bom falar disso, o mundo está muito intolerante, basta ver vê o que aconteceu com a jornalista Maju, da Rede Globo, sofrendo bullying por ser negra.
Golik - A gente misturou as versões de Charles Perrault e dos irmãos Grimm e introduziu a fada madrinha do Perrault, porque não dava para usar os pássaros dos Grimm. O grande lance são as canções.
Candiotto - E a comédia de palhaços é o Le Plat, a gente não aguenta não fazer comédia.
Golik - Sempre tem palhaços nas nossas peças, mas tem momentos líricos também. As atrizes nos influenciaram para que a fada madrinha entrasse na peça. Nossa fada resolve sonhos desde 1700...

Expliquem como são o figurino e a cenografia.
Candiotto - São 27 figurinos, e as atrizes ainda estão se acostumando à troca de roupas. Tudo mais ou menos se passa na era vitoriana [e o figurino representa isso]. Há ainda bustos de manequins que viram as pessoas no baile
Golik - Há vários croquis espalhados pelo ateliê, e a máquina de costura sofrerá uma transformação, mas não estrague a surpresa contando o que é.

Como é a música de "Cinderela, Lá, Lá, Lá"?
Candiotto - A gente não tinha pretensão de ser um musical, mas fizemos um musical [ao estilo do grupo] Le Plat du Jour. Ensaiamos por três meses. Há 12 canções que funcionam para contar a história, elas não ilustram um momento, cada canção faz avançar a história.

Não é como um musical da Broadway...
Candiotto - Não temos pretensão do padrão Hollywood. Gosto do desprendimento. A peça é uma comédia musical com muito humor.
Golik - Em todas as nossas peças há canções que ora apresentam o personagem, ora ilustram as cenas, mas "Cinderela, Lá, Lá, Lá" conta a história em forma de música.

As músicas são executadas ao vivo?
Candiotto - As atrizes cantam em cima do playback e dos instrumentos da orquestra gravados. Música ao vivo é impossível devido à questão financeira.


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