Folha de S. Paulo


'Escrever para crianças ou adultos é a mesma coisa', diz autor; leia entrevista

Conhecido por seus livros adultos, sobretudo os de contos, o escritor João Carrascoza tem uma extensa produção de livros infantis.

Em entrevista, o autor conversou com a "Folhinha" sobre o novo "Vendedor de Sustos" e literatura para crianças.

Leia abaixo.

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Divulgação
Retrato de João Carrascoza
Retrato de João Carrascoza

Folhinha - Por que fazer livro para crianças?
João Carrascoza - Comecei desde cedo a escrever para crianças. Um dos meus primeiros livros publicados, "As Flores do Lado de Baixo", era infantil. Às vezes você quer se ater a temáticas mais dramáticas, mas há momentos em que quer algo mais livre, mais solto, imaginário. Isso me leva a escrever para crianças. É algo que gosto de fazer e me diverte muito, como se eu entrasse num universo lúdico, divertido, utópico até.

Mas, por outro lado, minha literatura infantil ou infantojuvenil também traz questões como o sofrimento, o aborrecimento, as tristezas. Não é uma literatura de fantasia, alheia à nossa vivência.

Acho que essa vontade vem da publicidade. Fiz minha carreira no universo da propaganda, desde muito jovem, e produzi vários comerciais para chiclete, brinquedo, chocolate e outros produtos para crianças. Sempre tive muito prazer com esse universo.

Vendedor de Sustos
João Carrascoza
livro
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Escrever para crianças é diferente de fazer um livro para adultos?
É a mesma coisa. A literatura para adulto é como se fosse um sonho repleto de complexidades. Já a literatura para crianças é um sonho mais feliz, iluminado, divertido, sem tantas dores. Daqueles que você acorda gargalhando. E há espaço para isso, a vida não é só dor.

Mas o processo é muito parecido. Trabalho com o mesmo empenho, com a mesma atenção com a linguagem. O "Vendedor de Sustos" é um livro de contos para o qual eu me debrucei com o mesmo afinco que para os contos adultos. Foi muito gostoso fazer essas histórias, que me trouxeram a oportunidade de voltar às pequenas coisas da vida.

"Vendedor de Sustos" aposta numa fórmula pouco explorada na literatura para crianças. Por que não existem tantos livro de contos infantis?
É realmente raro, não sei o que acontece. O mais comum é explorar uma história só.

Tenho outro livro de contos, o "Histórias Para Sonhar Acordado", que fiz há muitos anos e vende pra caramba. Mas ele não tem a diretriz do "Vendedor de Sustos", que é tentar levar o leitor para o mundo do susto bom, da poesia da vida, da alegria inesperada.

Juliana Russo/Divulgação
Ilustração do livro
Ilustração do livro "Vendedor de Sustos"

Acredita que a recepção da criança para um livro de contos seja diferente?
Acho que não. Quando lancei o "Histórias Para Sonhar Acordado", a gente visitou escolas —e todos se divertiam bastante. A recepção foi muito legal. Não fiz outros livros porque fazia muito tempo que eu não tinha uma ideia assim para crianças.

Quanto da experiência de infância existe no livro?
Tem bastante do universo do interior, das pequenas cidades, das coisas cotidianas, da poesia do dia a dia. Queria trabalhar com isso porque venho de um mundo rural, de Cravinhos (SP), perto de Ribeirão Preto. Embora eu more em São Paulo há décadas, ainda está enraizada em mim essa ideia da árvore, dos rios, do arco-íris, do céu, dos pássaros. Eu fui cunhado nesse mundo, não dá para escapar.

Mas também foi uma infância de leitura?
Claro. Os livros eram uma forma de viver uma realidade diferente da minha. Acontecia de meus amigos terminarem de jogar bola e me encontrarem na biblioteca com um livro de 500 páginas.

Os personagens não têm nome no livro. É sempre o menino, o tio, o vendedor. Mas, sobretudo, o menino. Nunca uma menina.
Os meninos aparecem muito na minha obra, na de contos adultos também. Os meus personagens representam um jeito de ser que pode ser de ontem, de hoje, provavelmente de amanhã. Só mudei um pouco no livro "Caderno de um Ausente", que mostra a força de uma menina. Elas aparecem na minha obra, mas o menino acaba sendo o catalisador de muitas vivências. A gente escreve sobre o que nos é mais próximo.


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