Folha de S. Paulo


Em 1997, Leda Tenório da Motta explicou quem foi o poeta Francis Ponge; leia o texto

Você sabe quem foi o poeta Francis Ponge? Leia o texto da crítica literária Leda Tenório Motta, que explicou tudo sobre o artista, publicado em 21 de fevereiro de 1997, na "Folhinha".

Ela traduziu três obras de Ponge, que também estão nesta página.

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PONGE - POETA QUE VAI DIRETO ÀS COISAS

Será que as crianças gostam de poesia? Há uns 20 anos o jornal francês "Le Monde" publicou o resultado de uma pesquisa sobre o assunto. Os francesinhos amavam... o poeta Francis Ponge!

Nos anos 20, quando era ainda desconhecido, Francis Ponge já tinha um público infantil. É que, sem ter livro publicado, alguns poemas seus apareciam em jornais e revistas. Foi então que um professor, achando interessante para os seus alunos, teve a ideia de copiá-los e usá-los em ditados. No que foi muito imitado por outros professores.

O poeta morreu em 1988 e gostava de ter começado nas salas de aula, passando no teste da simplicidade.

O mais difícil, insistia ele, era conseguir ser simples, ir direto à coisas. Dos pequenos bichos, uns assustados, outros sábios, como as rãs e as aranhas, a certos objetos, saídos por vezes das profundezas da terra, como as estranhas raízes que são as batatas.

Leda Tenório da Motta é critica literária e traduziu os poemas desta página, de Francis Ponge

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A BATATA

Descansar uma boa batata cozida é um prazer especial. Entre o polegar gordinho e a ponta da faca apoiada nos outros dedos da mão, tomamos - depois de fazer ali um corte - esse papel fino e áspero por um dos lábios e vamos puxando em nossa direção para separá-lo da carne apetitosa do tubérculo.

A operação, nada complicada, deixa, quando conseguimos realizá-la sem ter que começar de novo toda hora, uma satisfação indizível.

O barulhinho que fazem os tecidos se descolando é doce aos ouvidos, e a descoberta da polpa comestível, uma alegria.

Parece, quando se reconhece a perfeição do fruto nu, sua diferença, sua semelhança, sua surpresa - e a facilidade da operação - que algo de justo acaba de ser feito, algo há muito tempo previsto e desejado pela natureza, mas a recompensa por realizar seu desejo é toda nossa.

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A RÃ

Quando a chuva em agulhinhas curtas rebate na relva encharcada, uma anã anfíbia, uma Ofélia desengonçada, do tamanhinho de uma mão, aparece às vezes sob os passos do poeta. Deixemos fugir a nervosa. A de belas pernas. Todo o seu corpo é uma luva de pele impermeável. De pouca carne, seus músculos compridos são de uma elegância nem bicho nem peixe. Mas, para escorregar entre nossos dedos, a qualidade de ser lisa soma-se, no seu caso, à esperteza. Papuda, ela fica sem fôlego. E o coração que bate forte, as pálpebras enrugadas e a boca de susto me dão pena e eu solto a coitadinha.

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A ARANHA

É claro que eu já sabia. Seria tecendo considerações por conta própria? Seria porque, seguindo a linha da ciência, um dia me ensinaram? A aranha solta fio, baba sua teia...e, se suas são tão separadas, tão distintas - o andar tão delicado -, é para poder depois passear pela teia - percorrer em todos os sentidos seu trabalho de baba sem rompe-lo nem se embaralhar - quando qualquer outro bicho desprevenido, quando mais gesticula ou esperneia como um doido na ânsia de fugir, mais fica preso nela.


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