Folha de S. Paulo


Bruxas são personagens do conto de William Butler Yeats publicado na 'Folhinha'

Não precisa ter medo dos seres sobrenaturais! Eles são os protagonistas do texto do poeta e dramaturgo irlandês William Butler Yeats (1865-1939).

A história foi publicada em 26 de outubro de 1991, na "Folhinha".

AS CHIFRUDAS
p(tagline). Tradução Heloisa Prieto

Numa noite fria e escura, uma mulher rica resolveu ficar acordada trabalhando, até na madrugada, depois que todos de sua casa já tinham ido dormir. De repente, alguém bateu à porta-a, e ela ouviu uma voz que dizia:

- Abra! Abra!

- Quem é? - perguntou.

- Sou a bruxa de um chifre só! - foi a resposta.

A dona da casa imaginou que podia ser um de seus vizinhos precisando de ajuda. Abriu a porta. Apareceu uma mulher com as mãos cheias de lã e um chifre pontudo saindo bem do meio de sua testa.

A bruxa andou calmamente até a lareira, sentou-se numa cadeira e começou a tricotar. Depois, parou um pouco, e perguntou à dona da casa:

- Onde estão as outras: Estão demorando tanto...

Foi então que bateram à porta mais uma vez:

- Abra essa porta! - disse uma voz.

Apavorada, a dona da casa obedeceu e abriu novamente a porta. Era outra mulher esquisita. Tinha dois chifres pontudos saindo do meio de sua testa e nas mãos trazia uma roca de fiar lã.

A bruxa sentou-se do lado da amiga e começou a trabalhar com uma velocidade incrível.

Depois disso, a dona da casa perdeu a conta: era uma bruxa atrás da outra. Cada uma que aparecia, trazia mais chifres na cabeça. Quando a última delas entrou, a dona da casa pode contar e viu que, em sua sala, estavam doze bruxas chifrudas, rindo e conversando sem parar.

Elas cantaram cantigas numa língua estranha e disseram poemas mágicos, encantamentos, que faziam coisas aparecerem do nado.

A dona da casa tentou abrir a boca para falar alguma coisa, mas percebeu que não conseguia se mexer. Estava enfeitiçada.

Nesse momento, a primeira bruxa deu uma ordem:

- Estou com fome. Prepare um bolo.

A segunda continuou:

- Estou com sede, traga água do poço.

A dona da casa caminhou até um poço carregando um balde.

Quando ela se debruçou para apanhar água, ouviu alguém lhe chamar. Virou-se para responder. Era uma noite sem luar e ela não enxergou ninguém. A voz chamou seu nome outra vez e disse:

- Caminhe até o lado de sua casa que aponte para o norte. Grite três vezes a seguinte frase: "A montanha das bruxas está pegando fogo!"

Ela obedeceu.

Quando as chifrudas, na sala, ouviram seus gritos, começaram a guinchar e rodopiar. Pegaram suas vassouras e desapareceram pelo céu.

A dona da casa compreendeu então que havia sido protegida pelo Espírito das Águas. Ele morava no poço. E continuou a lhe falar:

- As bruxas gostaram de sua casa. Devem voltar. Faça o seguinte: lave os pés de um de seus filhos. Coloque a água que tiver usado dentro de uma bacia e deixe-a na entrada da sua casa. Apanhe as fatias do bolo que as bruxas tocaram com as mãos. Dê um pedacinho de bolo para cada pessoa de sua família. Depois, guarde o tecido que elas fiaram e coloque uma trava de madeira atravessando a sua porta para que elas não consigam abri-la.

O dia ainda não tinha raiado, quando as doze bruxas voltaram, morrendo de raiva.

- Abra essa porta, mulher mentirosa! - berraram.

Chegaram até a soleira e viram uma bacia com água.

- Saia daí, água suja! - ordenaram.

- Não posso! - respondeu a água -, derramei na grama, sou de quem me ama.

- Saia daí, trava de madeira! - gritaram para a trava na porta.

- Não posso! - respondeu a trava -, estou trancada, toda atravancada.

- Saia daí, pedaço de bolo! - uivaram - Você foi enfeitiçado, tem que nos obedecer.

- Não posso - respondeu o bolo - estou doce, cremoso e meloso. Sou todo do menino guloso.

As bruxas chiaram e desapareceram no meio de uma nuvem negra. Amaldiçoaram o Espírito das Águas, que tinha sido mais esperto do que elas e, no meio da confusão, deixaram cair um manto que ficou pendurado na ponta da cerca.

A dona da casa guardou o manto e passou o resto da sua vida em paz.

Já se foram 500 anos depois que tudo isso aconteceu e o manto ainda continua guardado num baú secreto, dentro de um quarto escondido na casa de um de seus descendentes.


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