Folha de S. Paulo


Leia o primeiro conto de Tatiana Belinky na 'Folhinha'; escritora morreu no sábado

Considerada uma das principais escritoras de livros infantojuvenis do país, Tatiana Belinky morreu no último sábado (15), em São Paulo, aos 94 anos de idade.

Na "Folhinha", Tatiana estreou escrevendo sobre peças infantis na década de 1980. Depois, passou a publicar seus versos e textos de ficção no caderno.

O primeiro conto da escritora publicado pela "Folhinha" estampou a capa da edição de 3 de julho de 1983. A história falava sobre o caso de amor entre um caramujo e uma lesma.

Leia a íntegra do texto abaixo.

Victor Moriyama/Folhapress
A escritora Tatiana Belinky em sua casa
A escritora Tatiana Belinky em sua casa

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QUEM CASA QUER CASA

Mujim, o caramujo, andava devagar mesmo quando apressado. Os outros bichos viviam caçoando de sua vagareza, mas ele nem ligava:

-- Ando devagar porque carrego minha casa nas costas. Pesa mas vale a pena: não pago aluguel nem imposto nem hotel. Podem caçoar que a vantagem é minha. (Esse Mujim gostava de levar --e de contar-- vantagem).

Um dia, passeando no bosque, Mujim se encontrou com outra vagarosa, Lelé, a lesminha, tão roliça, gorducha e macia que ele não teve dúvida:

-- Oi, Fofinha, quer casar comigo?

-- Sei não, hesitou a lesminha. Eu queria casar com doutor...

-- Não sou doutor, mas sou proprietário --gabou-se Mujim, sempre contando vantagem. Tenho casa própria portátil, como pode ver. Se nos casarmos, você virá morar comigo. Como é, casa comigo?

-- Caso sim, decidiu Lelé. Quem casa quer casa!

-- Então vamos já para o cartório, entusiasmou-se Mujim.

E lá se foram os dois, apressadíssimos, correndo bem devagar. Ele porque a casa pesava muito, e ela... ora, porque era lesma, não é?

No cartório da floresta, a juíza doutora Coruja abriu seu livrão:

-- Sr. Mujim, aceita a srta. Lelé para sua legítima esposa?

-- Aceito, respondeu o caramujo, com a mão no coração.

-- Srta. Lelé, aceita o sr. Mujim para seu legítimo esposo?

-- Aceito, disse a lesminha, baixando os olhos porque ouviu dizer que as noivas baixavam os olhos na hora do casamento.

-- Então declaro vocês dois marido e mulher, encerrou a coruja e fechou o livrão.

E aqui a história deveria terminar, dizendo que os dois entraram na casinha e viveram felizes para sempre.

Mas não foi o que aconteceu.

O que aconteceu foi que, na hora de entrar na casinha, quem disse que a lesminha conseguia passar pela porta? Roliça e gorducha como era, por mais que espremesse, nada de poder entrar. Tudo o que Lelé conseguiu foi apertar o Mujim, que não gostou nem um pouco de ser assim incomodado.

-- Você é muito gorda, Lelé, irritou-se o caramujo. Acho que gasta muito em comida. Precisa fazer regime para emagrecer, sabia?

-- Ah, é?, revoltou-se a lesminha. Primeiro você gostou de mim porque eu sou roliça e gorduchinha e agora, só porque casou comigo, já quer me mudar? Quer que eu não coma, fique magra e seca?

-- É isso aí, empertigou-se o caramujo. Quem quiser morar comigo tem que caber na minha casa do jeito que eu quero.

-- Pois então, enfezou-se a lesminha, procure uma minhoca seca para casar com você e sua preciosa casinha! Tchau mesmo!

E a lesminha (que, como vocês viram era lelé só no nome) virou as costas e correu bem devagarinho até o cartório. E lá, a doutora Coruja, quer era juíza muito sábia, anulou aquele casamento na mesma hora.

E, agora sim, acabou a história. Por enquanto.

TATIANA BELINKY é teatróloga, tradutora e faz críticas de teatro infantil para a Folha e vários jornais. Foi ela quem produziu, com seu marido Júlio Gouvêa, o primeiro "Sítio do Picapau Amarelo" na TV brasileira


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