Folha de S. Paulo


Ex-editora ficou à frente da 'Folhinha' por 17 anos; leia depoimento sobre o caderno

A jornalista e escritora Mônica Rodrigues da Costa ficou 17 anos à frente da "Folhinha".

Ela assumiu o caderno em 1987 e só deixou o cargo de editora em 2004. Mas até hoje colabora com a "Folhinha" e escreve sobre livros e espetáculos infantis.

Leia abaixo seu depoimento.

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Folhapress
Primeira capa editada por Mônica Rodrigues da Costa
Primeira capa editada por Mônica Rodrigues da Costa

Eu perdi a conta de quantas edições da "Folhinha" preparei para as crianças. Quando eu imaginava uma pauta (o tema da reportagem), ao lado da equipe inteira do jornal, pensava no que seria, entre todos os assuntos, aquele que mais interessaria o público infantil. Todo mundo de olhos, ouvidos e canetas a postos. Era proibido errar.

Tradição

Antes de eu ser editora da "Folhinha", eu usava como professora, na escola onde dava aula, as notícias bem-humoradas, contadas de uma forma especial, por exemplo "Fique cobra no assunto". Em geral, as reportagens históricas sobre religião, sobre o relógio que as pessoas têm no corpo ou por que as estrelas brilhavam e a gente conseguia distingui-las no céu.

Eu gostava também de ler com meus alunos poemas como os da Tatiana Belinky, ou do Paulo Leminski e do Arnaldo Antunes, dos Titãs, na época. Os últimos dois, ainda pouco conhecidos como poetas, ou ainda não consagrados, já escreviam na "Folhinha".

Desafio

Desafio grande era criar um estilo, algo que fosse sistemático, regular, com o ritmo da vida dos meninos e meninas, amigos e familiares, com quem eu convivia e foram interlocutores da equipe da "Folhinha" por 17 anos e oito meses.

O que fazer? Bell Kranz, antiga editora, estava longe e eu nada podia perguntar a ela, não era fácil se comunicar rapidamente, não havia internet. Ela morava em Londres, ou seja, colaborava periodicamente para o jornal contando as novidades inglesas e europeias. Escreveu muitas vezes para a "Folhinha". Foi dela uma reportagem detalhada sobre o parque La Villette, uma dos primeiros centros de entretenimento de alto nível, cult, que apresentavam a ciência de forma divertida e original para o público infantil.

Nas livrarias, nada encontrei sobre jornalismo para crianças. No meu primeiro dia, abri a tampa da escrivaninha e saltou diante de mim a máquina de escrever. Levantei-me e pedi demissão imediatamente. Expliquei ao editor de "Suplementos", Leão Serva, que seria impossível ser editora da "Folhinha".

Leão perguntou: "Você se lembra da revista 'Caspa'?" "Sim", respondi. Eu era uma das editoras da publicação de literatura no centro acadêmico da faculdade de letras, da USP, onde eu tinha acabado de me formar. Ah, era isso, então, começou a ficar divertido e destemido: invenção, ousadia e informação.

Mas a "Folhinha" era muito mais, na minha visão, compartilhada pelos jornalistas, meus mestres e interlocutores. Lembro-me bem das longas conversas com a Secretaria de Redação - Leão Serva e Carlos Eduardo Lins da Silva, no começo. Em especial, foram inteligentes e proveitosas as conversas com o diretor de Redação, que pensa com intensidade sobre o jornalismo para crianças.

Ciência e ambiente

Eu era ambientalista, na época, considerada "ecochata". Eu amava os mitos e os próprios índios, pois morava no Nordeste e o contato era intenso com as comunidades indígenas, ainda mais com irmãos antropólogos em casa. Convivia com muitos bichos e plantas na fazenda: ganso, pavão, pato, cavalo, pônei, burro, mula, caranguejo, gaiamum, ostra, siri, cachorros, ouriços, polvo, papa-fumo e peixinhos nos recifes da baía para onde o portão dos fundos da minha casa se abria.

O diretor de Redação, Otavio Frias Filho, fez sugestões que iluminaram como um farol de longo alcance no espaço-tempo a escolha das pautas: fazer a cobertura dos assuntos atuais de ciência sair do campo apenas da curiosidade.

Foi uma felicidade receber os telex que chegavam das agências internacionais, selecionar e hierarquizar as notícias, eleger temas das reportagens, sair em disparada para entrevistar os cientistas brasileiros e acompanhar a descoberta de uma espécie, as missões espaciais dos astronautas, as descobertas da genética.

Linguagem

A primeira dificuldade foi conquistar um texto seco, curto, objetivo, explicativo e ágil. Tinha de ser saboroso, mas sem a lenga-lenga dos longos adjetivos e interjeições. Por meses e meses pesquisamos a linguagem das crianças. Parti da leitura que eu havia feito na USP sobre Paulo Freire, nosso grande cientista cognitivista. Saímos em busca de parcerias com a escola para entender como a criança pensava, do que gostava, o que a desafiava.

Principalmente tendo filhos em casa que diziam que a "Folhinha" sempre tinha "cara de antiga". Um menino que queria ler sobre o jogo politicamente incorreto "Mortal Kombat" e ser foto de capa do caderno, vestido com a fantasia de mágica do Gugu.

'Folhinha' com cara de jornal

Criamos um padrão de linguagem verbal jornalística. Diversificamos os assuntos como no jornal adulto e criamos periodicidade para os principais temas tratados na TV, no telex e no dia a dia do menino e da menina que eram os leitores paulistanos da "Folhinha". Esporte, turismo, economia, política e a própria infância viraram notícias para crianças.

Vida de criança

O modo de vida e as brincadeiras de infância viraram tema da folhinha. O caderno ainda criou serviços sistemáticos de cultura, que ajudavam os leitores a escolher os passeios de finais de semana.

Literatura

A outra sugestão de Otavio Frias Filho foi criar uma seção de literatura. Cada jornalista ou escritor convidado tinha a missão de recontar um conto de fadas clássico. Na página seguinte, o caderno trazia uma notícia do autor e época do conto. As histórias foram depois veiculadas em livro, pela Companhia das Letrinhas, com o título "Vice-versa ao contrário".

Crônica

A crônica do cotidiano foi retomada numa coluna chamada "Crônica", escrita por Fernando Bonassi.

Há muito mais a contar em várias áreas de cobertura jornalística e de ampliação do repertório cultural do leitor. Muitos cientistas e poetas foram convidados a escrever para o caderno.

Quadrinhos

Também tem as história em quadrinhos, que ferviam os ânimos nos momentos em que foram lançadas, como "Xarada Xarandu" e a tira de HQ de Ziraldo, como o personagem Zau, a danada da Pequena Menininha, do Antônio Alves Pinto, e o zumbi do Raffa, a Chiquinha, do Miguel Paiva, e a Suriá, do Laerte.


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