Folha de S. Paulo


24/03/2009 - 09h16

General israelense admite que tática usada em Gaza provocou morte de civis

da Folha Online

Os esforços do Exército israelense para proteger seus soldados de fogo palestino na recente ofensiva militar israelense contra alvos do movimento islâmico radical Hamas, na faixa de Gaza, pode ter contribuído para mortes de civis inocentes. A declaração é do general-de-brigada Tzvika Fogel, que participou da operação militar israelense que deixou ao menos 1.300 palestinos mortos, cerca de 5.000 feridos e destruiu 5.000 casas no território costeiro.

A declaração é mais um dos recentes episódios de denúncia e acusações contra Israel por sua conduta durante a operação militar.

Após enfrentar a condenação mundial devido ao número elevado de mortes no conflito de janeiro --ao menos 900 delas, civis-- Israel agora está sob pressão para justificar sua conduta, depois da série de reportagens do jornal israelense "Haaretz" com relatos de veteranos do conflito sobre assassinato de civis inocentes, vandalismo, além de um bilhete que ordena ataques a equipes médicas e a campanha dos rabinos do Exército para transformar a operação em uma "guerra santa".

Ibraheem Abu Mustafa-23mar.09/Reuters
Meninas palestinas observam estragos causados pela ofensiva na casa em que moram, no sul da faixa de Gaza
Meninas palestinas observam estragos causados pela ofensiva israelense contra o Hamas na casa em que moram, no sul de Gaza

A denúncia veio também em depoimentos de palestinos ao jornal britânico "The Guardian" que diz ter provas concretas sobre os crimes de guerra de Israel, como o uso de crianças palestinas como escudo humano.

O general-de-brigada, que foi mobilizado da reserva para participar da ofensiva de 22 dias, descreveu que era praxe considerar como potencial guerrilheiro do Hamas qualquer um que desobedecesse às ordens dos militares para deixar a zona de combate.

Contudo, afirma Fogel, os soldados israelenses ainda deveriam refletir antes de atirar e ter uma visão "razoável" de que a pessoa diante deles seria uma ameaça. Mas acrescentou: "Se você quer saber se eu acho que ao fazê-lo matamos inocentes, a resposta é inequivocamente sim".

"Seria muito desonesto da minha parte se eu lhe dissesse que isso era impossível", disse ele, à agência de notícias Reuters. "Mas, se houve tais incidentes, eles foram excepcionais. Não era o clima geral nem a política [oficial]."

Valor

Um dos relatos dos soldados israelenses fala justamente do descaso dos soldados israelense com a vida dos civis palestinos e a falta de ética e de moral na condução da ofensiva em um pequeno território de 360km² que abriga 1,5 milhão de pessoas.

"A atmosfera em geral, não sei como descrever. As vidas de palestinos, digamos que são menos importantes que as de nossos soldados", diz um dos trechos da declaração de um chefe de pelotão que atuou em Gaza, ao justificar a morte de uma palestina e seus dois filhos, mortos por um atirador de elite israelense. "Porque, depois de tudo, fez seu trabalho segundo as ordens que lhe foram dadas. [...] Assim, se eles estão preocupados, podem justificar desta forma", completa.

O Centro Palestino para os Direitos Humanos, que diz ter identificado todos os mortos, afirma que o conflito matou 1.417 palestinos, sendo 926 civis, inclusive 313 crianças e 116 mulheres. Muitos civis, de acordo com a entidade, morreram em bombardeios aéreos ou da artilharia israelense.

Os militares não forneceram cifras próprias. Uma entidade palestina vinculada às Forças Armadas alegou que a cifra de civis apresentada pelos palestinos inclui um grande número de jovens em idade de combate.

A lista de prioridades dos soldados israelenses, afirma Fogel, é primeiro levar os soldados seguros de volta para casa. "Segundo, estamos determinados a ganhar. Terceiro, não somos assassinos. Nós não podemos criar uma situação na qual lutaremos sem princípios."

Credibilidade

Richard Kemp, coronel britânico reformado que comandou forças no Iraque e no Afeganistão, disse compreender as táticas de Israel em Gaza, mas afirmou que em longo prazo a credibilidade dos militares depende de levar à Justiça eventuais violadores das leis de guerra.

"O combate é uma situação muito estranha. Mas não acho que se possa dizer que, por causa disso, deve-se aceitar que as regras sejam violada"', disse Kemp, em Londres.

Fogel diz que esta será a reação do Exército. "Se tivermos um testemunho que mostra muito claramente que alguém se comportou de maneira inadequada e não fez a coisa certa, eu não tenho dúvidas de que haverá procedimentos legais", disse.

O chefe das Forças Armadas de Israel, tenente-general Gabi Ashkenazi, também prometeu nesta segunda-feira (23) responsabilizar os soldados por qualquer ação anti-ética.

Em um relatório apresentado nesta segunda-feira no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), o relator especial sobre a situação nos territórios palestinos, Richard Falk, pediu uma "investigação de especialistas" para determinar se, dado o contexto, os israelenses eram capazes de distinguir entre alvos militares e a população civil.

"Se isso não era possível, então a ofensiva foi ilegal por natureza e constitui um crime de guerra da maior amplitude", escreveu no documento.

Com Reuters


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