Folha de S. Paulo


Voluntários levam futebol a países isolados em que a Fifa não chega

The Soccermen/Divulgação
Voluntários ensinam futebol para moradores de ilhas da Micronésia, no oceano Pacífico
Voluntários ensinam futebol para moradores de ilhas da Micronésia, no oceano Pacífico

Tokelau é o primeiro território do planeta em que a eletricidade é gerada 100% por energia solar. O arquipélago, que pertence à Nova Zelândia, tem 1.500 habitantes. Será o maior desafio para Paul Watson e seus voluntários.

"Você tem de pegar um voo até Samoa [a partir de Londres, são 52 horas de viagem, com escalas]. Depois, 24 horas de barco com partidas que não têm horários regulares e não há garantia de que você vai conseguir viajar sentado! É um desafio imenso", diz o treinador e ativista à Folha.

Watson é o idealizador da ONG Uncharted Football (Futebol Inexplorado, em inglês), fundada com o objetivo de levar futebol para os países ou territórios em que a Fifa não chega. A iniciativa surgiu da união entre outra ONG de Watson, a Outside de Box (trocadilho com "Fora da Caixa" onde "box" também pode ser traduzido como "área) e a Conifa (Confederação Independente de Associações de Futebol).

A estimativa da organização é que entre três e quatro milhões de pessoas não tenham chance de praticar o esporte de forma organizada. A Fifa tem 211 países filiados, mais do que os 193 da ONU. Mesmo assim, não consegue cobrir todo o planeta.

Em outubro, Lucy Watson, voluntária da Uncharted Football e irmã de Paul, estava na ilha de Niue, a 2.400 quilômetros da Nova Zelândia. Na média, o povo local tem o quinto maior índice de obesidade no mundo.

"As pessoas querem estar envolvidas com futebol e há muito espaço verde disponível. A população é tão pequena [1.612 habitantes] que é fácil espalhar a mensagem de que há alguém querendo organizar equipes para jogar", afirma Lucy.

The Soccermen/Divulgação
Atletas durante treinamento em Pohnpei, na Micronésia
Atletas durante treinamento em Pohnpei, na Micronésia

A maior parte dos países que a Fifa não alcança está na Oceania. O projeto pouco usual nasceu de ideia mais estranha ainda. Entre julho de 2009 e outubro de 2010, Paul Watson morou em Pohnpei, uma das ilhas da Micronésia, para montar uma equipe de futebol. Ele havia sonhado em ser treinador da pior seleção do mundo. Nunca tinha tido qualquer experiência prévia. A experiência rendeu um livro "Up Pohnpei: leading the ultimate football underdog to glory" ("Para cima, Pohnpei: liderando a maior zebra do futebol para a glória", em inglês e sem lançamento no Brasil), um documentário "The Soccermen" (ainda por ser lançado) e o desejo de fazer mais pelo esporte em partes esquecidas pelo que a Fifa denomina de "família do futebol".

"Esses lugares geralmente são ilhas isoladas, com altos índices de obesidade e que precisam de assistência para programas de desenvolvimento do esporte. Eu vi na Micronésia que existe interesse, mas não há ninguém para ajudá-los. É uma realidade cruel porque o país só pode pedir ajuda da Fifa se atinge certo grau de desenvolvimento. Antes disso, nada", completa Watson.

Ele confessa não ser um processo fácil. Chega um estranho, de outra etnia, que não sabe nada sobre os hábitos e a cultura do local e quer introduzir conceitos de treinos de futebol, disciplina, esquema tático, fundamentos... É quando a experiência do treinador em Pohnpei ajuda. O segredo é adaptar o programa à realidade da região.

"Não adianta querer impor sua vontade. Não quis criar uma equipe inglesa com as pessoas de Pohnpei. Pedi que eles celebrassem o que fazia delas cidadãos de Pohnpei dentro do futebol, como a coragem, espírito de equipe e a ausência de medo para cometer erros", afirma.

O projeto conta com o apoio da Conifa, que organiza a sua própria Copa do Mundo com seleções não filiadas à Fifa. A ajuda, porém, é apenas moral, de contatos. Não há injeção de dinheiro. Este é o principal problema. Como financiar viagens longas, para lugares remotos e que a estadia pode durar algumas semanas ou meses?

The Soccermen/Divulgação
Voluntário passa instruções para jogadores
Voluntário passa instruções para jogadores

Watson tem também a ajuda de voluntários e busca patrocinadores. Quem se habilita a auxiliá-lo, precisa ter tanta boa vontade que custeia a estadia com recursos próprios. Ele conversou com pessoas ligadas à Fifa e, embora tenham conhecimento do projeto, não desejam ter qualquer envolvimento.

Em Nieu, a Uncharted Football envolveu professores de escolas primárias e secundárias como uma forma de levar a evolução adiante e tornar a organização de equipes e campeonatos como algo viável.

"No final de novembro, vamos para Nauru. Em janeiro de 2018, tentaremos mandar alguém para a Ilha Wallis. Procuramos por novos treinadores que queiram colaborar como projeto", informa Lucy Watson.

É preciso muito boa vontade. Em Wallis, por exemplo, chove 260 dias por ano. A umidade relativa do ar é de 80%.


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