Folha de S. Paulo


'Todos querem chutar de 3 no Brasil e assim não se ganha nada', diz Petrovic

Divulgação/FIBA
Aleksandar Petrovic, técnico da seleção brasileira de basquete, em jogo contra a Venezuela
Aleksandar Petrovic, técnico da seleção brasileira de basquete, em jogo contra a Venezuela

O croata Aleksandar Petrovic, 58, assumiu o comando da seleção brasileira masculina de basquete em outubro tendo a favor um currículo acima de qualquer suspeita.

Irmão mais velho de um dos maiores jogadores da história, Drazen Petrovic, construiu carreira sólida em times europeus e na equipe nacional da Iugoslávia, pela qual foi bronze nos Jogos Olímpicos de Los Angeles-1984 e nos Mundiais de 1982 e 1986.

Do alto de sua autoridade, Petrovic planeja mudar o jeito como se joga basquete no Brasil. Embora tenha um contrato de dois anos –renovável por mais um–, acredita ser tempo suficiente para imprimir sua marca à seleção.

O maior incômodo é com a maneira "unidimensional" que o Brasil adotou como estilo. "Todo mundo quer chutar de três pontos. O armador, o pivô, o ala, todo mundo. É preciso ter mais cabeça. Por que insistir nas bolas de três se é possível vencer com bolas de dois?", indagou, em entrevista à Folha no Rio.

O técnico afirmou que nem mesmo os jogadores que atuam na NBA têm lugar cativo.

Nos primeiros compromissos oficiais com a equipe, no mês passado, Petrovic teve vitórias contra Chile e Venezuela pelas eliminatórias da Copa do Mundo da China-2019.

O time, desfalcado de alguns de seus nomes mais regulares (Nenê, Marcelinho Huertas, Leandrinho e Tiago Splitter), apresentou falhas recorrentes na defesa.

Segundo o croata, algo normal, mas que insistirá para desaparecer. "Eu quero assassinos a cada partida, a cada treinamento", decretou.

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Folha - O basquete do Brasil vive difícil momento, dentro e fora da quadra. De que maneira você pensa em ajudá-lo?
Aleksandar Petrovic - O bom é que tenho um período relativamente grande, de quase dois anos, para ver os jogadores, traçar a estratégia e, com tranquilidade, fazer o que é possível. Minha responsabilidade é em quadra. O presidente e os diretores [da confederação brasileira de basquete] têm que pensar no que ocorre fora dela. Minha missão é observar o máximo de atletas para fazer uma mescla entre experientes e jovens. Agora, estou mais seguro de que é possível montar uma equipe capaz de atuar em alto nível em torneios internacionais.

O que te fez vir para o Brasil?
É especial para mim. Quando jogador, na antiga Iugoslávia, eu era muito conectado aos brasileiros, como Oscar e Marcel. Em 1984, caímos no mesmo grupo nos Jogos Olímpicos de Los Angeles e, antes, passamos um mês no Brasil para amistosos. Em 1986, disputamos o bronze no Mundial. Desde aquela época, sempre mantivemos boas relações. O Brasil tem outra cor. Quando terminei meu trabalho com a seleção croata, sabia do interesse do Brasil. Tudo se resolveu rapidamente. Conheço os jogadores e o sistema de jogo, e isso me deixou preparado. Agora, tenho corrido atrás para aprender um pouco mais. Tenho muito claro o que preciso fazer para que o Brasil seja bem-sucedido.

Como técnico da Croácia, você teve o Brasil como rival nos Jogos do Rio. O que a sua nova seleção tem de melhor e pior?
Há coisas boas. Mas algumas características das principais seleções do mundo ainda perturbam o Brasil. Para jogar bem em nível internacional é preciso mudar o esquema de jogo. Jogar com um ala-pivô mais aberto. Além disso, vejo aqui muita intensidade e jogo físico, mas não conforme as regras. Na próxima janela das eliminatórias da Copa do Mundo [fevereiro de 2018], vou testar outros jogadores porque, na janela seguinte [junho e junho de 2018], quero ter o melhor time possível à minha disposição.

Como corrigir esses problemas e ter mais regularidade?
Não quero que a seleção seja intensa só em algumas partidas. Eu quero mudar essa mentalidade. Pouco importa se é a primeira partida ou a final, a mentalidade tem de ser sempre a mesma. Porque, ao continuar assim, cria-se uma mentalidade de assassinos. E eu quero uma equipe de assassinos. É assim que vamos construir uma dinâmica para obter resultados bons. Não podemos dizer "ah, agora é o Chile, vamos relaxar" ou "agora é a Argentina, vamos entrar com tudo". O chip tem de ser trocado para todas as partidas. Eu quero assassinos a cada partida, a cada treinamento. E, até agora, eles estão respondendo muito bem.

Alex e Varejão dizem que você é muito diferente do ex-treinador da seleção, Rubén Magnano. Mais aberto.
Eu não vou comentar qualidades ou defeitos de Magnano. Só não quero podar a qualidade do jogador. Tomemos a Argentina de exemplo. Quem vai dizer ao Ginóbili [astro da seleção argentina] que ele tem que fazer assim ou assado? Há momentos em que é preciso deixar o talento e a qualidade espairecer. Sempre sou favorável a isso.

Você conta com veteranos como Nenê, Leandrinho, Alex e Varejão até 2020?
Como treinador, vou tomar as decisões, sejam elas boas ou más para alguém. Não vou trazer todos os pivôs e alas-pivôs porque eles atuam em campeonatos importantes. Vou escolher o melhor. Isso também vale entre armadores. Quem está na melhor condição vai estar na equipe.

Não há lugar cativo?
De jeito nenhum. O Yago, por exemplo, tem 18 anos. Se ele é o melhor, não estou nem aí. É ele que vai.

Nem para quem atua na NBA?
Não. Observo apenas quem chega melhor à seleção brasileira. Quero eliminar problemas como defender bloqueio, que foi o problema do Brasil nos Jogos do Rio. Quero mais agressividade. Agora quero ver quem capta essa mensagem e se adapta.

Você acredita que o Brasil tem cacife para brigar por medalhas em grande torneios?
Impossível dizer. Nos próximos dois anos quero consertar problemas e encontrar jogadores que se adaptem à filosofia. Vamos ver como eles reagem. Depois de construir uma equipe sólida, com cinco bons titulares, entra-se em uma dinâmica e é possível começar a competir em igualdade com o mundo todo.

Como foi a recepção que teve dos jogadores da seleção?
Antes mesmo de ser apresentado, eu já havia visto partidas do NBB e havia falado com o Anderson Varejão e o Alex por telefone. Expliquei o que queria deles. Hoje, cada um sabe o que eu quero. Eu gosto de falar, criar contato. Busco-os sempre. Sou um técnico aberto e expansivo.

Quais as maiores diferenças que vê entre o basquete jogado na Europa e no Brasil?
No Brasil, falta equilíbrio. Quero equilíbrio. Nos clubes, todo mundo quer chutar de três pontos. O armador, o pivô, o ala, todo mundo. É preciso ter mais cabeça. Por que insistir nas bolas de três se é possível vencer com arremessos de dois? É preciso ler cada partida de acordo com o desenrolar dela. Para ganhar algo em nível internacional, não dá para jogar de uma só maneira. O Brasil é unidimensional. Todo mundo quer jogar de frente para a tabela, ter a bola em suas mãos e chutar de três. Dessa maneira não se ganha nada. A verdade é que ninguém mete 20 bolas de três todos os jogos. Quero trabalhar isso, mas é muito importante falar todos os dias.

Como incutir isso se os atletas passam muito mais tempo no clube que na seleção?
Eu mandei a mensagem a todos os jogadores convocados. Fui muito claro. É preciso mudar o chip. Em Franca, pode-se jogar como quiser. Podem ganhar Campeonato Paulista. Mas aqui é seleção, e eu peço mais. E eu peço que esse mais seja diferente.

RAIO-X

Nascimento
16.fev.1959 (58 anos), em Sibenik (Croácia)

Pódios como jogador
Bronze nos Jogos Olímpicos de Los Angeles-1984; Bronze no Mundial de 1982; Bronze no Mundial de 1986

Carreira como técnico
Em seleções: Croácia (1995, 1999-2001 e 2016-2017); Bósnia (2012-2013); Brasil (atual)

'SEM QUALIDADE, BRASIL IMITA NBA', DIZ WLAMIR MARQUES

Bicampeão mundial (1959 e 1963) e duas vezes medalhista em Jogos Olímpicos, Wlamir Marques, 80, diz concordar em parte com a análise de Petrovic sobre a seleção. Para ele, o excesso de bolas de três é uma tendência em todo o mundo.

"O Brasil joga ao estilo da NBA, mas sem qualidade. É imitação. O chute de três é uma comodidade e demonstra falta de qualidade. Mais difícil é fazer jogadas para pontuar de dois", afirmou o ex-jogador, que se aposentou na década de 1970.

A regra dos três pontos para arremessos de fora do garrafão foi adotada pela Fiba (Federação Internacional de Basquete) em 1984 e pela NBA em 1979.

Marques elenca outros problemas no basquete nacional: falta de potencial físico e trabalho ruim na base.

Oscar Schmidt, 59, defende o chute de três como estratégia. Foi com base nesse arremesso que sua geração ficou célebre ao vencer os EUA na final do Pan de Indianápolis, em 1987.

"O Golden State [campeão da NBA] ganha com bola de três, e joga como a gente em 1987. Se uma equipe tem grandes arremessadores, tem que chutar", comentou. "O que o Petrovic talvez tenha tentado dizer é que não temos grandes arremessadores."

Oscar afirma concordar com o comentário sobre o jogo brasileiro ser unidimensional. "Não há mentalidade de jogar sem a bola", opina.


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