Folha de S. Paulo


Carismático e de fala franca, croata passa de algoz a aliado no basquete

Divulgação/CBB
Aleksandar Petrovic é apresentado como novo técnico da seleção brasileira masculina de basquete
Aleksandar Petrovic é apresentado como novo técnico da seleção brasileira masculina de basquete

"Estou sempre à sombra do meu irmão, é normal", disse Aleksandar Petrovic, novo técnico da seleção masculina de basquete à Folha. "Mas fiz das minhas em quadra."

O croata, de 58 anos, já se habituou, mesmo, a ser lembrado como o irmão de uma lenda.

Morto em 1993, aos 28, o ala-armador Drazen Petrovic foi um dos maiores jogadores da história. A caminho do estrelato também nos Estados Unidos, pelo New Jersey Nets, foi a única vítima fatal de um acidente de carro em uma estrada na Alemanha.

Houve um tempo, todavia, em que a relação entre os irmãos era inversa. Cinco anos mais velho, Aleksandar, ou "Aco" (lê-se "Atso"), para seus amigos e familiares, era o ídolo do caçula. Quer dizer, não só dele, mas de toda a garotada que brincava nos arredores da rua Petra Preradovica, na cidade de Sibenik.

"Se o irmão tivesse jogado polo aquático, handebol ou futebol, acho que Drazen teria escolhido aquele esporte também. Era seu modelo para tudo", disse a mãe, Biserka, em depoimento a Todd Spher, autor da biografia "The Mozart of Basketball" (o Mozart do basquete).

Não foi só na adolescência que Aco teve relevância em quadra. Um grande armador, subiu ao pódio em diversos torneios pela Iugoslávia (país comunista balcânico que se dissolveu e do qual a Croácia se declarou independente em 1992). Depois, construiu longa carreira como treinador. Até ser eleito pela CBB (Confederação Brasileira de Basquete) o responsável por guiar a seleção na disputa das eliminatórias para o Mundial de 2019.

De algoz brasileiro nos anos 1980, agora é aliado. Líder carismático, poliglota, afeito a conversas francas, diretas, Petrovic tem um mês para formar sua equipe e estrear contra o Chile, em Osorno, em 24 de novembro.

O SOM DA QUADRA

Divulgação/Memorial Center Drazen Petrovic
A família Petrovic comemora aniversário do caçula, Drazen (centro)
A família Petrovic comemora aniversário do caçula, Drazen (centro)

Biserka e o marido Jovan sonharam com os filhos virando grandes músicos. Inscreveram o jovem Aco em um curso para aprender a tocar clarinete.

Foram descobrir um dia, na hora de pagar a mensalidade, que o filho não havia comparecido a nenhuma aula. No meio do caminho, parava em uma quadra e passava horas jogando.

Os irmãos Petrovic cresceram em um período da Iugoslávia em que o regime não era tão rígido como o da União Soviética.

Os jovens tinham mais liberdade para idealizar seu futuro. Na região de Sibenik, cidade litorânea de pouco mais de 50 mil habitantes, de todo modo, o esporte era visto como a via de ascensão mais promissora.

Aos 17, em 1979, Aleksandar já defendia seleções de base da Iugoslávia e se mudou para Zagreb, recrutado pelo técnico Mirko Novosel, uma das figuras mais influentes do basquete europeu, para defender o Cibona.Drazen se juntaria a ele em 1984.

Pelo Cibona, os irmãos ganharam tudo. Na temporada 1984/1985, ganharam o Campeonato Europeu de clubes. A parceria também se repetiu na seleção iugoslava, pela qual foi medalhista de bronze nos Mundiais de 1982 e 1986 e nas Olimpíadas de Los Angeles-1984.

"Posso dizer que, nesta época, era um dos melhores armadores do continente", disse Petrovic.

Era um jogador forte fisicamente, habilidoso nos arremessos e de pulso firme na condução de seus times. Ao contrário de Drazen, era avesso a riscos com a bola. Por isso, se complementavam muito bem.

"Fazia bem duas das tarefas de um bom armador. Faltava um pouco de habilidade no drible, mas naquela época não se pressionava tanto o armador como hoje em dia", afirmou.

Divulgação/Memorial Center Drazen Petrovic
Aleksandar Petrovic (dir.) marca o irmão Drazen em partida do Cibona Zagreb contra o Real Madrid pela temporada 1988/1989
Aco Petrovic (dir.) marca irmão Drazen em duelo Cibona x Real Madrid pela temporada 1988/1989

CONEXÕES BRASILEIRAS

Jogando pela Iugoslávia, Petrovic cruzou a trilha da seleção brasileira em diversas ocasiões.

"Eram partidas muito divertidas. O Brasil sempre jogava aberto. Era o tipo de jogo que combinava com o nosso estilo, já que queríamos ter a bola em mãos", disse.

Petrovic talvez ache "divertidas" essas recordações por ter jogado do lado que invariavelmente saía vencedor.

Em 1984, em preparação para os Jogos de Los Angeles, sua seleção veio ao Brasil para fazer uma série de amistosos. Pelo torneio olímpico, a equipe balcânica venceu por 98 a 85. Anotou 12 pontos.

Dois anos depois, as seleções se enfrentaram pela disputa do bronze do Mundial. Deu Iugoslávia de novo, por 117 a 91. Marcou 15 pontos.

"Como éramos da mesma posição, já o marquei algumas vezes. Era um cara difícil de se enfrentar. Buscava o contato. estava sempre em cima, mas leal", disse Cadum. ex-armador da seleção.

Cadum se recorda também do temperamento explosivo do oponente, que gostava de uma discussão em quadra, mesmo com a Iugoslávia em geral à frente. "Terminava que ele sempre apontava para o placar", disse o atleta campeão pan-americano em 1987.

Divulgação/Memorial Center Drazen Petrovic
Aleksandar Petrovic (dir.) discute com adversário do Estrela Vermelha em final do Campeonato Iugoslavo de 1985. Drazen Petrovic (esq.) observa
Aco Petrovic (dir.) discute com rival do Estrela Vermelha na final iguoslava de 1985. Drazen observa

Petrovic sabe de cor o quinteto titular brasileiro destes tempos: Guerrinha, Marcel, Oscar, Gerson e Israel.

Também fala com carinho de outros duelos com os alas Oscar e Marcel na temporada 1987/1988, na Itália.

"Tenho uma relação muito boa com alguns desses jogadores. Com Oscar, Marcel... Quando penso nesses jogos e adversários, a sensação é boa. São muitas as conexões com o basquete brasileiro", afirmou.

O croata tinha personalidade forte, sempre ditando ordens. Não à toa, quando se aposentou em 1991, virou técnico do Cibona.

DE MALAS PRONTAS

Ozan Kose - 10.set.2017/AFP
Croatia's head coach Aleksandar Petrovic reacts during the FIBA Eurobasket 2017 men's round 16 basketball match between Croatia and Russia at Sinan Erdem Sport Arena in Istanbul on September 10, 2017. / AFP PHOTO / OZAN KOSE
Petrovic dirigiu a Croácia até o Campeonato Europeu deste ano, em setembro

Petrovic chega ao Brasil, então, com 26 anos de profissão. Dirigiu a Croácia em três ocasiões (1995, 1999/2001 e 2016/2017) e também foi técnico da Bósnia e Herzegovina. Por clubes, passou pelas ligas espanhola, italiana, lituana e polonesa.

"Como técnico, você sempre está com as malas prontas", afirmou.

Em suas andanças pela Europa, provou ter grande facilidade para aprender novos idiomas. Fala fluentemente inglês, italiano e espanhol, língua que usou para se comunicar em sua apresentação ao basquete brasileiro.

Promete, brincando –será?–, que até janeiro dominará o português. Será auxiliado, de todo modo, por César Guidetti, do Pinheiros, Bruno Savignani, ex-Brasília, e Felipe "Filé" Santana, do Palmeiras.

Entre scouts europeus consultados pela Folha, Petrovic também é conhecido por falar a língua dos jogadores -faz o perfil "boleiro". Ao mesmo tempo, concilia essa personalidade carismática com a fama de ser linha-dura.

Em seus melhores trabalhos, se impôs no vestiário sem pender ao autoritarismo. Algo que aconteceu em sua terceira passagem pela seleção croata.

Seu trabalho para chegar ao último torneio olímpico foi de curto prazo. O veterano técnico foi contratado às pressas para a disputa de um Pré-Olímpico mundial em julho de 2016, em Turim. Lá, eliminaram a Grécia e a seleção da casa para garantir vaga.

Na Rio-2016, Petrovic levou a equipe às quartas, sendo derrotado pela arquirrival Sérvia, eventual medalhista de prata. Na primeira fase, a Croácia liderou a chave B. Bateu, inclusive, o Brasil pela terceira rodada, por 80 a 76.

Na visão dos olheiros, todavia, seu desafio será ganhar jogadores de outra nacionalidade. Na Croácia, sua fama já deixava o trabalho bem encaminhado.

Por ter enfrentado a seleção no ano passado, já tinha uma boa radiografia da atual geração. "Estou preparado", afirmou.

FALANDO FRANCAMENTE

Jim Young/Reuters
2016 Rio Olympics - Basketball - Preliminary - Men's Preliminary Round Group B Brazil v Croatia - Carioca Arena 1 - Rio de Janeiro, Brazil - 11/08/2016. Nene Hilario (BRA) of Brazil shoots past Bojan Bogdanovic (CRO) of Croatia and Miro Bilan (CRO) of Croatia. REUTERS/Jim Young FOR EDITORIAL USE ONLY. NOT FOR SALE FOR MARKETING OR ADVERTISING CAMPAIGNS. ORG XMIT: MJB07
A Croácia derrotou o Brasil por 80 a 76 pela fase de grupos da Rio-2016

Em sua primeira coletiva nesta terça (24), em um teatro em São Paulo, Petrovic, que vai morar em Campinas, surpreendeu a plateia ao elogiar o pivô Rafael Mineiro, de Franca, em vez de se concentrar em nomes mais famosos da seleção.

Na véspera da apresentação, em reunião com a cúpula da CBB na segunda (23), mostrou que já havia feito a lição de casa. Apresentou um documento no qual mapeou jogadores brasileiros no exterior. Foi uma lista de cerca de 40 nomes para monitorar.

Também deixou evidente outra faceta. Como entrevistado, vai direto ao ponto. Bastante à vontade à frente de novos interlocutores, com dirigentes, treinadores e ex-atletas, fez críticas sem rodeios ao trabalho do antecessor, Rubén Magnano.

Primeiro, disse que o desempenho da defesa brasileira nas Olimpíadas foi "preocupante". Marcar os oponentes era um praticamente uma obsessão do argentino.

Na mesma seara, expandiu o tom crítico para questionar, talvez, uma falta de cultura do basquete brasileiro no tratamento da defesa.

Por exemplo: disse que, ao assistir, de casa, na Croácia, a um jogo pelas semifinais do Paulista deste ano, a partida mais parecida um amistoso devido à falta de intensidade.

Outro recurso tático do argentino questionado pelo croata foi o ato de trocar fazer muitas substituições. Acredita que isso pode tirar o ritmo de alguém que esteja bem em quadra.

Por fim, considera que Magnano errou na convocação de pivôs de características semelhantes [Nenê, Augusto Lima, Cristiano Felício e Rafael Hettsheimeir].

Todas essas críticas foram mencionadas, porém, de modo corriqueiro, em meio ao seu discurso. Como se não fossem nada demais.

É bom que jogadores, dirigentes e outros profissionais da área se acostumem. Na hora de falar, Petrovic deixa pouco, ou quase nada, à sombra.


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