Folha de S. Paulo


'Atletas terão que ser protagonistas', diz ex-secretário sobre eleição no COB

Zo Guimaraes/Folhapress
ORG XMIT: 355101_0.tif RIO,05/10/02 TRAVESSIA DOS FORTES LUIZ LIMA, CAMPEÃO DA TRAVESSIA DOS FORTES FOTO: SATIRO SODRÉ - DIVULGAÇÃO/CBDA
Luiz Lima participou na equipe olímpica de natação nos Jogos de 1996 e 2000

Ex-secretário nacional de alto rendimento do Ministério do Esporte, o carioca Luiz Lima, 39, travou nos bastidores uma queda de braço com Carlos Arthur Nuzman.

Em junho, ele pediu demissão do Ministério do Esporte. Quase quatro meses depois, o ex-nadador que participou de duas edições olímpicas (Atlanta-96 e Sydney-00) é um dos articuladores do movimento para dar aos atletas protagonismo no comando do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Na quarta (11), antes de Nuzman renunciar à Presidência, ele liderou protesto na frente da sede da entidade pedindo "diretas já".

Acusado de corrupção, o cartola de 75 anos foi preso no último dia 5 e entregou o poder. A assembleia-geral do COB criou comissão para reformar o estatuto.

Em entrevista à Folha, Lima diz ser favorável à mudança do colégio eleitoral do COB e pede para o governo cortar o repasse da Lei Piva, principal receita da entidade até o comitê "ter transparência".

Na última eleição, 30 representantes de confederações, um dos atletas e três membros natos do COB votaram. "Vejo um dilema para as confederações: mudam [o colégio eleitoral para ter participação maior dos atletas] ou vão perder a cabeça", disse.

Folha - Qual será o futuro do esporte olímpico no Brasil após a saída do Nuzman?

Luiz Lima - Temos que fazer eleição direta o mais rápido possível. Neste novo colégio eleitoral, os atletas terão que ser protagonistas. O meu sonho é que cada atleta vivo que participou dos Jogos pudesse votar para escolher o presidente e está perto de acontecer. E também vejo dilema para as confederações: ou elas mudam ou vão perder a cabeça. O COB é muito fechado. Para concorrer ao cargo de presidente lá, só falta falarem que a pessoa tem que subir o Everest [Uma chapa só pode ser registrada com a assinatura de pelo menos dez presidentes de confederações]. Acho que só com os atletas votando o COB pode se reformular. Faria apelo ao governo federal para que o COB só volte a receber a verba milionária da Lei Piva [R$ 179 milhões em 2016] se permitir o protagonismo dos atletas.

O governo está sendo omisso nessa crise no esporte?

Meu sonho é ver o COB caminhar com as próprias pernas. Se você tem um vazamento na sua casa, fecha o registro. Se o COB não tem a transparência e não dá protagonismo aos atletas, está na hora de fechar as torneiras. Temos que trazer o dinheiro privado. No mundo todo é assim.

A Comissão de Atletas do COB fez uma carta apoiando a investigação contra Nuzman, mas defendendo o comitê. Os atletas também são culpados?

Quando tudo isso acontece, todos somos culpados. Os atletas foram passivos nestes anos todos. Eu me incluo nessa. Tem a corrupção ativa e a passiva. Quando nos calamos, estamos sendo passivos e aceitando a corrupção. Foram poucos que não se calaram. O brasileiro é brando no combate à corrupção. Quem está fazendo governança no esporte é a Lava Jato. É o [juiz] Marcelo Bretas e a [procuradora] Fabiana Schneider. O Ministério Público Francês, que começou a investigar. Se não fosse pelos atos deles, correríamos o sério risco de continuar com o mesmo sistema.

Qual papel dos atletas agora?

Os atletas agora têm que se posicionar. Eles têm que falar o que pensam. Faço muito a comparação do esporte com a cultura. Os atores são muitos mais engajados porque eles envelhecem fazendo a sua profissão. No esporte não é assim. Os atletas não têm tempo de envelhecer. A decepção é tão grande que eles se afastam. Numa eleição do COB, o peso da Comissão de Atletas é nulo. Na votação, eles têm um voto. Já as confederações têm 30. É como se fizesse uma eleição para presidente do Brasil e apenas as grandes empresas do país votassem, a Nestlé, a Coca-Cola, a Petrobras. Esse modelo não pode existir mais.

Por que o maioria dos atletas se calou?

Isso aconteceu porque o esporte tem um modelo estatal de financiamento no Brasil. O COB sobrevive da Lei Piva e faz uma política de autofinanciamento, de envolvimento. O comitê financia as confederações, que votam através dos seus presidentes, que também são financiados com a continuidade da gestão. Ou seja, você não tem oxigenação. Os próprios atletas são patrocinados, na maioria das vezes, por recursos das empresas estatais, que patrocinam as mesmas confederações. Na verdade, foi uma grande organização que comandou o esporte nos últimos anos. Quando você tem um atleta com financiamento público, que é organizado e comandado pelo dirigente, ele se vê entre a cruz e a espada. O atleta vê que se for combativo, pode perder o patrocínio e ter a sua carreira inviabilizada. Essa é armadilha em que o esporte brasileiro caiu.

Você foi secretário nacional de esporte. Por que não fez essa mudança?

Quando estive lá por um ano, lutei pela promoção de uma política pública esportiva. Isso pode se fazer sem dinheiro. Fui por vontade própria ao Ministério da Educação para mostrar que o esporte é um braço da educação. Não temos hoje nenhuma rubrica na Educação de manutenção esportiva das 63 universidades e 500 escolas federais espalhadas pelo Brasil. Só aí você montaria uma rede nacional de treinamento. Se não enxergarmos que o esporte faz parte da educação, a nossa luta é inglória.

Essas ideias atrapalharam a sua permanência?

Isso foi causando um pouquinho de constrangimento. Estava me antecipando demais. Uma das sugestões que dei na Câmara foi descentralizar os recursos da Lei Piva, que concentrava nas confederações. O COB faz política privada com dinheiro público. Era uma ação simples, que gerou alguns atritos. A partir do momento que não me senti mais à vontade para fazer um trabalho que falava diretamente com o meu cargo, preferi sair.

O Paulo Wanderley pode fazer essa transformação no COB?

Ele pode fazer isso e entrar para a história como o presidente que democratizou a entidade.


Endereço da página:

Links no texto: