Folha de S. Paulo


Gianni Infantino acusado de novas violações éticas na Fifa

Alexei Druzhinin/Associated Press
Gianni Infantino, presidente da Fifa, e Vladimir Putin, presidente da Russia

Um professor de Direito da Universidade de Nova York que renunciou ao seu posto no comitê de governança da Fifa em maio apresentou uma queixa ética contra os principais dirigentes da organização. Na queixa, ele acusa o presidente da Fifa, Gianni Infantino, sua principal assessora e outros dirigentes importantes da organização que comanda o futebol mundial de intervir inapropriadamente no trabalho do comitê a que ele pertencia, e de bloquear investigações sobre importantes dirigentes de futebol.

A queixa do professor Joseph Weiler foi revelada no mesmo dia em que o antigo presidente do comitê de governança da Fifa, Miguel Maduro, declarou em audiência parlamentar no Reino Unido que Infantino; a secretária geral da Fifa, Fatma Samoura; e outros dirigentes tentaram dissuadir os membros do comitê de governança de vetar a candidatura do primeiro-ministro assistente russo Vitaly Mutko a um posto no Conselho da Fifa, a mais alta instância decisória da organização.

Weiler e três membros do comitê então presidido por Maduro renunciaram em maio quando Maduro foi exonerado por Infantino – depois de apenas oito meses no posto.

A queixa, confirmada por Weiler em entrevista, e o depoimento de Maduro despertaram novas questões sobre a liderança de Infantino na Fifa e seu compromisso para com a governança ética. Também expuseram as dificuldades continuadas que a organização enfrenta para se reformar, dois anos depois de um imenso escândalo de corrupção em 2015 que resultou na derrubada da maioria de seus líderes.

"A queixa foi apresentada recentemente", disse Weiler em seus primeiros comentários sobre o assunto. Ele disse que sua queixa cobria diversas das revelações de Maduro ao comitê parlamentar britânico. O ex-dirigente da Fifa depôs sob garantia de imunidade, oferecida a testemunhas para protegê-las contra processos judiciais por difamação.

A Fifa se recusou a comentar sobre a queixa de Weiler ou mesmo a confirmar que ela tenha sido apresentada ao seu comitê de ética. Mas rejeitou as afirmações de Maduro, afirmando que a organização havia sempre "respeitado" as decisões do comitê e que as acusações de influência indevida feitas por Maduro eram "factualmente incorretas".

"Que Miguel Maduro estivesse em contato regular com a administração da Fifa, às vezes por sua iniciativa e para buscar orientação, era normal no curso de seu trabalho", a Fifa declarou. "Os intercâmbios entre a administração e os comitês da Fifa, que afinal defendem, todos, os interesses da Fifa, era lógico e até mesmo desejável e, por isso, que esses intercâmbios sejam retratados como influência indevida é factualmente incorreto".

O depoimento de Maduro em Londres na terça-feira durou cerca de uma hora e delineou de que maneira as figuras poderosas do futebol mundial exercem controle no nível internacional e no regional. Ele depôs que Infantino havia optado por ceder a pressões de figuras importantes do futebol, em lugar de fazer cumprir os regulamentos da organização, afirmando que Infantino "escolheu sobreviver politicamente" em lugar de cumprir suas promessas de reforma.

No caso de Mutko, Maduro disse que Infantino enviou Samoura e Tomaz Vesel, presidente do comitê de auditoria e fiscalização da Fifa, a Bruxelas para defender a posição de Infantino, em favor de que Mutko fosse autorizado a se candidatar. Maduro declarou que Vesel lhe disse que se sentia "muito desconfortável" ao fazer o pedido, mas que Infantino havia pedido que ele viajasse a Bruxelas, onde Maduro estava para tratar de assuntos não relacionados à Fifa.

Maduro disse que Samoura, a segunda em comando da Fifa, o alertou das implicações de uma decisão de não permitir que Mutko se candidatasse, lhe dizendo que encontrasse uma solução ou "a presidência estará em questão e a Copa do Mundo será um desastre".

O comitê de Maduro se manteve firme, declarando em março que Mutko, por conta de sua função como primeiro-ministro assistente da Rússia, não estava autorizado a se candidatar, por conta das regras da Fifa sobre neutralidade política. Maduro descreveu Infantino como "desconfortável" com relação à decisão.

Não se sabe se a Rússia criou dificuldades para a Fifa, ainda que o contrato para a transmissão televisiva da Copa do Mundo do ano que vem ainda não tenha sido assinado, e que patrocinadores locais venham evitando apoiar o torneio, que envolverá 32 seleções. É provável que a Rússia venha a contar com um membro no Conselho da Fifa este mês, depois que o presidente do comitê de organização da Copa da Rússia se apresentou como candidato em substituição a um dirigente de futebol islandês que surpreendentemente decidiu não concorrer.

"Todas as informações que forneci são conhecidas da Fifa", disse Weiler. "Minha expectativa era a de ver alguma ação", ele acrescentou, mas, porque isso não aconteceu, ele comunicou os fatos oficialmente ao comitê de ética.

"Quero acreditar que o comitê de ética não será indiferente a essas questões, e que venha a conduzir investigações sérias", disse Weiler.

Maduro foi ministro no governo de Portugal e advogado geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, e foi indicado para seu posto na Fifa para ajudar a reformar a imagem da organização. Infantino mencionou sua indicação para a presidência do comitê de governança, em maio de 2016, como exemplo do compromisso da organização para com a boa governança, transparência e reforma.

Em seu depoimento, Maduro também destacou casos do que definiu como abusos eleitorais em confederações regionais. Um exemplo citado por ele foi uma queixa de que Hany Abo Rida, do Egito, teria levado delegados ao Cairo para uma festa antes de ser eleito para o Conselho da Fifa, em maio. Em outro caso, o comitê de Maduro questionou importantes dirigentes do futebol asiático sobre seus esforços para restringir o número de mulheres no Conselho da Fifa. Maduro também descreveu de que maneira a votação dos dirigentes em eleições era monitorada por meio do uso de canetas coloridas.

Maduro também informou os legisladores britânicos sobre como o bem relacionado xeque kuwaitiano Ahmad al-Fahad al-Sabah abandonou a disputa por um posto no Conselho da Fifa quando o comitê de governança lhe pediu que voltasse a se submeter a uma verificação de integridade, depois de ele ter sido acusado pelo Departamento da Justiça norte-americano de participar de uma conspiração, em um indiciamento sobre corrupção no esporte. As verificações não foram concluídas, Maduro disse, porque Sabah abandonou sua candidatura e renunciou a todos os seus postos no futebol.

Maduro foi exonerado pela Fifa alguns meses atrás, no mesmo momento em que a organização demitiu seu principal investigador de ética, Cornel Borbély, e o juiz alemão que comandava a câmara adjudicatória do comitê de ética, Hans-Joachim Eckert. No momento das demissões, a Fifa anunciou que elas haviam sido realizadas para refletir melhor a diversidade geográfica e de gênero em seus comitês.

Mas reportagens indicaram que Borbély e Eckert foram demitidos depois que uma segunda investigação de ética foi iniciada sobre a conduta de Infantino. Ele havia sido inocentado em uma investigação anterior sobre queixas quanto a suas despesas e uso de jatinhos executivos.

O comitê parlamentar britânico esperava que Borbély depusesse, sob garantias semelhantes às oferecidas a Maduro, mas a Fifa, em carta assinada por Samoura, bloqueou sua participação. Na carta, a Fifa afirmou que, embora Borbély não trabalhe mais para a organização, "continua sujeito ao seu dever de confidencialidade mesmo depois do final de seu mandato".

Pode ser por isso que Weiler, especialista em governança, decidiu encaminhar sua queixa pelos canais oficiais, ainda que tenha expressado preocupação continuada com a capacidade da Fifa para promover reformas.

"À luz de minha experiência no comitê de governança, tenho dúvidas muito sérias sobre a capacidade da Fifa para se reformar, sob sua atual liderança", disse Weiler.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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