Folha de S. Paulo


Futebol e tecnologias atrapalham projeto de formar atletas no Xingu

No porto da aldeia Yawalapiti, na beira do rio Tuatuari, em Mato Grosso, dois garotos limpam as máscaras de mergulho e preparam arpões. Passam pelos barcos com motor estacionados e desaparecem debaixo d'água para pescar.

O arco e a flecha e a canoa a remo ainda são parte importante da cultura dos povos do Xingu, mas a presença das novas tecnologias, e também do futebol, têm feito as práticas tradicionais perderem força na região.

"Os jovens usam pouco arco. Meu pai mesmo usava direto, flechava peixe", conta Yamico Yanu Yawalapiti, 35.

Essa mudança de hábitos chamou a atenção do Ministério do Esporte em excursão do projeto que tenta formar atletas olímpicos no Parque Indígena do Xingu. A ideia é usar a prática de atividades tradicionais como o arco e flecha, a luta huka-huka e o transporte em canoas para formar atletas de tiro com arco, wrestling (lutas greco-romana e livre) e canoagem.

Em teste físico realizado em expedição no mês de junho, a última prova foi de tiro com arco. O objetivo era acertar com um arco e flecha nativo, um alvo a uma distância de cerca de 20 metros.

Demorou até que os mais jovens calibrassem a mão e conseguissem um tiro certeiro. Mas quando o cacique Makauana Yawalapiti, 60, pegou o arco, bastaram alguns rápidos segundos para colocar a flecha na corda, armar o tiro e furar exatamente o meio do alvo.

"Jovem não usa arco não. A gente, velho, que usa. Pesco só com arco, os jovens usam muita linha", diz Makauana, em tom de reprovação.

O parque tem território de 2.825.470 hectares. Nele vivem 6.589 pessoas, segundo levantamento da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

A FORÇA DO FUTEBOL

A paixão dos indígenas pelo futebol preocupa líderes locais. Em todas as sete aldeias visitadas pela Folha, o campo de futebol tem lugar de destaque no pátio circular circundado pelas ocas de palha de sapê ou buriti. Ele divide o espaço com a casa dos homens, centro social de cada aldeia, onde ocorrem as reuniões e as conversas noturnas masculinas.

O campeonato de futebol do Parque Indígena do Xingu se chama Liga dos Campeões, em referência ao campeonato continental europeu.

"Vejo um grande perigo de se extinguir esportes tradicionais por causa do futebol. O futebol tem seu potencial, mas não podemos nos esquecer de nossas raízes", alerta Ianukurá Kayabi Suyá, 39.

O lutador Takuman Kamaiurá, 29, pensa diferente. Para ele "futebol é só passatempo"."A gente fica mais no nosso esporte tradicional mesmo", completa, enquanto descansava de uma sessão de treinamento de huka-huka.


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