Folha de S. Paulo


Futsal do Corinthians de jogadores com Síndrome de Down nunca perdeu

O time de Fábio Carille está há 27 jogos sem ser derrotado. É a 4ª melhor marca da história do clube no futebol.

Há outro Corinthians com invencibilidade maior. Mais do que isso: existe um Corinthians que jamais perdeu. Desde que foi criado, há dez anos, a equipe de futsal formada por jogadores com Síndrome de Down não conhece a sensação da derrota.

Em 2007 nasceu a parceria com a Associação Desportiva JRSP, que montou o elenco que se tornou base da seleção brasileira da categoria.

"A gente não quer ser melhor que os outros. Na verdade, quer competição. O esporte precisa crescer", afirma o técnico Cleiton Monteiro, 43. Há 15 anos trabalha como treinador no que é chamado de "categoria Down".

Para ter adversários, ele ajudou a montar o time do CSA, em Alagoas. Espera que Santos e São Paulo, que já possuem elencos, melhorem. Não incomoda ter a invencibilidade ameaçada.

Os jogadores também não parecem preocupados. Eles treinam e brincam como se fossem profissionais. E gostam das mesmas coisas que os boleiros tradicionais.

Romário, que tem uma filha com Síndrome de Down, descobriu isso ao dar palestra de incentivo a eles antes de partida do Mundial. Acompanhado da então namorada Daiana Cattani, enfatizava a importância de representar a seleção brasileira. Eles simbolizavam o país, dizia.

Foi quando uma rajada de vento levantou a saia da noiva do ex-atacante. Romário recebeu cutucão imediato de um dos jogadores.

"Nossa! Olha que gostosa!"

SEM RECEIO

"Eles quebram todos os protocolos. Não têm o menor pudor de dizerem o que pensam", afirma Monteiro.

Ninguém falta aos treinos. Aparecem todos os sábados, às 15 horas, no Parque São Jorge. É o grande momento da semana. A lista de espera daria para formar mais três elencos com 20 atletas cada.

A Síndrome de Down é um distúrbio genético. Divisão celular anormal resulta em distorção no cromossomo 21. Provoca aparência facial diferente, deficiência intelectual e no desenvolvimento.

Mais do que vencer, a meta é fazer com que os jogadores tenham independência e percebam serem capazes de realizar atividades sozinhos. Em excursões, ficam em quartos em duplas. Recebem liberdade até onde é possível.

"Um dos problemas é a família não acreditar no potencial. Não vê que o filho pode ser independente. Fica com medo e crê que ele não pode conviver sozinho com outros garotos", diz o técnico.

A preocupação atual é conseguir R$ 32 mil para pagar as passagens de 12 pessoas para torneio no México, em setembro. Pela parceria, o Corinthians fornece uniformes, espaços para os treinos e transporte terrestre.

"Vamos ver se conseguimos passagens com o Corinthians usando milhagens de cartões. Estamos correndo atrás de patrocínio", afirma Agnaldo Caruso, que faz parte da comissão técnica.

Depois disso, haverá a Copa América no Chile, em novembro. Em 2018, seletiva para o Mundial da Suécia. Dinheiro é sempre problema.

A esperança para ter visibilidade é parceria com a Federação Paulista de Futsal e a criação de uma liga. As equipes de Síndrome de Down fariam preliminares nos jogos profissionais. Há interesses de clubes ligados a prefeituras do interior de São Paulo.

Em escala mundial, a briga é para que seja reconhecida uma categoria exclusiva para atletas com Síndrome de Down. Nos critérios paraolímpicos atuais, eles entrariam em qualquer time com deficiência intelectual e a diferença no nível da doença pode ser brutal no esporte.

A partida entre eles têm poucas faltas ou velocidade, mas os chutes saem com potência. Jorge não arrematava tão forte, mas toda a vez que fazia gols, mesmo em treinos, corria em direção da arquibancada e fazia sinal de coração para uma namorada que não estava lá.

Os outros jogadores sabiam da história, mas não disseram nada ao treinador. Falaram apenas que era para uma garota chamada Fátima. Monteiro demorou meses para descobrir. Até que lhe contaram. Jorge havia se apaixonado pela imagem da apresentadora Fátima Bernardes na TV. Os corações na hora do gol eram para ela. O técnico o chamou e disse que não havia problema. Ele arrumaria uma namorada de verdade.

Isso aconteceu pouco tempo depois. O nome dela era Fátima.

"Não trocaria esse trabalho com os garotos para dirigir nenhuma equipe de base no futebol. Quando a mãe ou o pai vem até nós para agradecer e dizer que mudamos a vida do filho deles... Não tem preço", finaliza Monteiro.


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