Folha de S. Paulo


Promotor descarta ligação de morte de palmeirense com violência no futebol

Arquivo Pessoal
O torcedor do Palmeiras Leandro de Paula, 38, morreu na manhã desta quinta-feira (13), após ser esfaqueado durante uma briga com corintianos em São Paulo
O torcedor Leandro de Paula, 38, morreu após ser esfaqueado durante briga com corintianos

Paulo Castilho, promotor do Juizado Especial Criminal, não considera o assassinato do torcedor palmeirense Leandro de Paula Zanho, 38, como relacionada a futebol.

Ele foi morto a facadas na madrugada de quinta (13) durante briga com corintianos na esquina da rua Tupi e avenida General Olímpio da Silveira, na zona oeste de São Paulo (leia mais ao lado).

Zanho havia saído com amigos do Allianz Parque após a derrota do Palmeiras para o Corinthians por 2 a 0.

"Você não pode colocar esse crime na conta do futebol. Isso é estopim de uma índole violenta. Não tem nada a ver com o futebol. Se o sujeito sai do estádio nervoso, chega em casa, briga com a mulher e dá um tiro nela, isso é crime relacionado ao futebol? Querer relacionar uma coisa com a outra é sensacionalismo", disse o promotor.

Castilho é o principal defensor da decisão de proibição de torcida visitante nos clássicos em São Paulo, que vigora desde abril do ano passado. A medida já foi aplicada em outros Estados.

"O balanço [da torcida única] é muito positivo. Não tivemos nenhum incidente nas partidas. Os torcedores que foram [para o clássico Palmeiras e Corinthians] com o pensamento de estar em paz, chegaram em casa salvos", completou Castilho.

A morte de Zanho foi a primeira fora dos estádios paulistas desde a decisão.

Mas a política é controversa e copia o que é aplicado na Argentina desde 2013. E mesmo lá os especialistas contestam sua eficácia.

"Proibir apenas os visitantes não resolve. Os violentos marcam brigas para locais distantes dos estádios e é isso o que acontece na Argentina. Isso na questão da segurança, sem citar que o futebol é um espetáculo público e cultural, que deveria agregar as pessoas", diz Monica Nizzardo, fundadora da ONG Salvemos al Fútbol, que combate a violência no esporte.

A Polícia Militar de São Paulo também já se manifestou de forma favorável à torcida única como ferramenta para evitar a violência relacionada ao futebol.

"O crime [que matou o palmeirense] é um homicídio comum em que foi usado o pretexto do futebol. Não tem nada a ver com torcida única ou não", insiste Castilho, citando que nenhum envolvido era de torcida organizada.

OPERAÇÃO DE GUERRA

Especialistas no assunto pedem que a medida seja repensada porque não representa uma solução perene.

"Torcida única não é medida consistente e de longo alcance. A morte que aconteceu após o Palmeiras e Corinthians... Era jogo de uma torcida só. A gente tem de repensar essas canetadas, essas medidas de enxugar gelo. Cerca de 90% dos conflitos entre torcidas acontecem fora do estádio", opina Mauricio Murad, doutor em sociologia dos esportes e especialista em violência no futebol.

Ainda há a questão de como as autoridades veem o evento. Marco Aurelio Klein, autor de relatório sobre o assunto engavetado pelo Ministério do Esporte desde 2006 defende maior investimento da polícia em inteligência.

"Torcida única passa um sentimento de fracasso. A Inglaterra venceu a disputa com os hooligans quando passou ter unidade de inteligência dentro da polícia, sem encarar a partida de futebol como operação de guerra. Nenhum torcedor de bem quer ir para uma operação de guerra", defende ele.

O próximo clássico paulista a ser realizado com apenas os donos da casa será entre Palmeiras e São Paulo, em 27 de agosto.

"A torcida única é a declaração de falência da autoridade pública. Se você tira uma torcida do ambiente do estádio, espalha esse coletivo pela cidade e aí não controla não fiscaliza nada", completa Mauricio Murad, citando que não é uma medida que tem sustentação na cultura do futebol.

O CRIME

Leandro Zanho, morador do ABC, morreu na madrugada desta quinta (13) após ter sido esfaqueado em uma briga de rua sob o Minhocão, na zona central da capital.

O torcedor e mais dois amigos, segundo testemunhas disseram aos policiais, voltavam para casa depois de assistir ao clássico em que o Palmeiras foi derrotado pelo Corinthians por 2 a 0, no Allianz Parque, quando começou uma discussão com torcedores do Corinthians que trabalham em uma borracharia, na altura da rua Tupi.

Ao ouvirem as gozações dos corintianos, os palmeirenses saíram do carro e começaram a briga. A luta corporal começou na calçada mas foi até o meio da rua, entre os carros parados no trânsito. Eles estavam a cerca de 3 km do estádio.

Durante a confusão, um dos corintianos, armado com uma faca, feriu Zanho.

Socorrido à Santa Casa pelos colegas, o torcedor do Palmeiras passou por uma cirurgia mas não sobreviveu.

A polícia informa que uma das pessoas que participou da briga, Anderson Andrade, 24, está presa em flagrante e foi indiciada por homicídio qualificado. A reportagem não encontrou o advogado de defesa do suspeito.
Segundo Marcello Muccio, 45, advogado de defesa de um dos funcionários da borracharia, os torcedores do Corinthians, que são parentes, agiram em legítima defesa.

Ao ver que os palmeirenses estavam espancando um dos funcionários da borracharia, um parente do dono do comércio pegou a faca e foi para cima dos agressores, desferindo os golpes que mataram Zanho, relata Muccio.

"Com todo respeito à vítima, podemos ver nas imagens que os corintianos foram agredidos", disse o advogado. Em um dos vídeos feitos sobre a confusão, que não registra a briga toda, há um trecho onde palmeirenses agridem uma pessoa.

De acordo com o advogado de defesa, a faca exibida pela polícia não é a que foi utilizada durante a briga.

A Polícia Civil informa que está analisando todas as imagens das câmeras de segurança da região para continuar a investigação. De acordo com Muccio, a pessoa detida em flagrante pela polícia, e que foi reconhecida pelos palmeirenses que estavam na briga, não é o autor das facadas.

Zanho, que era casado e tinha três filhos, recebeu várias homenagens de amigos nas redes sociais, inclusive de torcedores do Corinthians.

Não há registros, segundo a polícia, de que os envolvidos na briga sob o Minhocão pertenciam a torcidas organizadas de futebol.

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BRIGAS E TORCIDA ÚNICA
Casos de violência dentro e fora dos estádios

abr.2016
Torcidas organizadas do Corinthians e do Palmeiras brigam em frente à estação de trem de São Miguel, na zona leste. Outras brigas ocorreram pela cidade e 56 pessoas são detidas

jun.2016
Briga entre torcedores do Palmeiras e do Flamengo no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Na confusão, três pessoas ficam feridas e 21 são detidas pela polícia

ago.2016
Na Arena Corinthians, durante o clássico com o Palmeiras, já com torcida única, torcedores do setor de organizadas brigam

A 9 km do estádio da Ilha do Retiro, no Recife, torcedores do Sport e do Santa Cruz brigam. Duas pessoas são presas e um homem é internado

out.2016
Confronto de corintianos com a PM do Rio marca partida de reabertura do Maracanã, contra o Flamengo. No fim do jogo, a polícia isola todos os torcedores corintianos e detém 30 suspeitos

jan.2017
No Rio Grande do Sul, o jogo de estreia do Inter no Campeonato Gaúcho é interrompido pelo árbitro após briga nas arquibancadas do estádio em Veranópolis. A confusão ocorreu entre os torcedores do Inter

fev.2017
Torcidas do Botafogo e do Flamengo protagonizam uma briga violenta nos arredores do estádio Engenhão, antes da final da Taça Guanabara

fev.2017
Uma série de brigas acontecem dentro e fora do estádio Rei Pelé, em Maceió, no clássico entre CSA e CRB, pela Copa do Nordeste. No ano anterior, as duas torcidas haviam invadido o gramado e protagonizado cenas de violência

mar.2017
Histórico de confrontos entre torcidas de Londrina e Coritiba leva promotor a pedir na Justiça que jogo no estádio do Café, em Londrina, acontecesse com torcida única. Justiça nega o pedido

abr.2017
No primeiro clássico entre Bahia e Vitória no ano, houve brigas entre membros de torcidas organizadas

jun.2017
Clássico entre Goiás e Vila Nova, no Serra Dourada, em Goiânia, pela Série B, teve briga generalizada entre torcedores nas arquibancadas. Antes de o jogo começar, um torcedor de uma organizada do Goiás morreu assassinado quando se dirigia para o estádio

jun.2017
Confronto entre torcedores do Coritiba e do Corinthians, na capital paranaense, deixou seis torcedores do time paulista feridos. O confronto entre as duas facções ocorreu horas antes de a bola rolar

jul.2017
Em São Januário, no clássico entre Vasco e Flamengo, torcedores do time de casa brigaram com a polícia dentro e fora do estádio

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ESTADOS COM TORCIDA ÚNICA NOS CLÁSSICOS

¶ Alagoas
¶ Bahia
¶ São Paulo

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OUTRAS EXPERIÊNCIAS DE TORCIDA ÚNICA

Rio Grande do Sul
Em 2013, clássico entre Grêmio e Internacional é realizado com torcida única. Em 2015, tanto o Grêmio quanto o Inter decidiram promover setor no estádio com torcida mista, recebendo torcedores dos dois times

Argentina
Briga entre grupos organizados do Boca Juniors e do San Lorenzo em 2013 que matou duas pessoas foi a responsável pela implantação da torcida única nos clássicos locais, medida que existe até hoje

Goiás
No início de 2016, federação determinou que os jogos entre Goiás e Vila Nova no Estadual tivessem torcida única. Mesmo assim, no clássico com mando do Vila Nova, torcedores do time brigaram entre si no estádio Serra Dourada, 26 pessoas foram detidas. Medida não continuou neste ano


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