Folha de S. Paulo


Especialistas colocam em dúvida pagamento da dívida do Itaquerão

Auditoria das demonstrações contábeis de 2016 do Itaquerão em dúvida se o estádio vai gerar recursos suficientes para que este seja pago pelo Corinthians.

A opinião foi dada à Folha por especialistas em finanças após análise do documento entregue em março deste ano e publicado pela Comissão de Valores Imobiliários.

A principal crítica é à expectativa de geração de receitas. O texto elaborado pela auditoria Grant Thornton, contratada para analisar os números da Arena Fundo de Investimento Imobiliário, que administra o estádio, faz a ressalva de que o valor de R$ 862 milhões (custo inicial da construção) está registrado pelo "método conhecido como capitalização de renda".

Capitalização de renda significa que o valor do bem (no caso, o estádio), será justificado com as receitas futuras.

"Em nosso processo de auditoria, não obtivemos evidência suficiente que suporte as expectativas de receitas futuras consideradas na apurações do valor justo", diz.

"Os comentários indicam claramente que não há evidências para sustentar que a Arena vai gerar receitas suficientes para justificar o valor no balanço, de R$ 862 milhões. É como se eu comprasse um imóvel esperando ter rendimento com aluguel e percebesse que, mesmo que receba todos os meses, não vou conseguir recuperar o investimento feito", diz Marcos Piellusch, professor de Finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração).

A auditoria leva em conta apenas o valor original da construção do Itaquerão. Mas no decorrer da obra, foi feito aditivo de R$ 165 milhões, além de R$ 100 milhões para a instalação de estrutura temporária para a Copa de 2014. Com os juros de empréstimos feitos, a conta estava em R$ 1,64 bilhão em julho de 2016.

"As premissas [das receitas] foram feitas em época que a economia do país e a própria expectativa de lucro que as novas empresas iriam gerar eram outras. A Arena possui prejuízos acumulados de R$ 485 milhões, sendo R$ 161 milhões em custos adicionados de construção. Não há qualquer evidência, no momento, de que esses prejuízos serão revertidos", afirma Sergio Bessa, professor dos MBAs da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

COMPOSIÇÃO

A Arena Fundo de Investimento é composta pela Odebrecht, Arena Itaquera S/A e Corinthians. A gestão do fundo era feito pela BRL Trust. Em abril de 2017 a empresa renunciou à função.

Em 10 de junho de 2014, o Corinthians assinou contrato para ter o controle operacional do estádio. O clube só será dono do Itaquerão quando quitar a dívida.

Editoria de Arte/Folhapress

O clube tem pago R$ 3,8 milhões mensais para saldar juros de empréstimos bancários feitos para viabilizar a construção da arena. A dívida contraída na obra, porém, não começou a ser paga.

"O estádio não está gerando caixa. Todo dinheiro que entra com a bilheteria, é gasto com pagamentos de fornecedores e taxas. O modelo colocado era que a venda de títulos e arrecadação gerariam receita suficiente. Se você pegar o que rende e e os gastos, o jogo está zero a zero", analisa Marcelo D'Agosto, consultor de investimentos.

As contas do estádio são preocupação no clube. Há comissão no conselho deliberativo para analisar a construção, mas focada apenas na questão de engenharia.

Em fevereiro, um sócio do clube cobrou o ex-presidente Andrés Sanchez, possível candidato na eleição de 2018, sobre o pagamento da arena.

"Um dia paga", respondeu.

PLANO DE NEGÓCIOS

A construção do estádio teve como pano de fundo disputas pelo projeto original. Apesar da contestação de especialistas da Odebrecht, que executou a obra, prevaleceu a visão mais grandiosa do estádio. A Folha apurou que o modelo de negócios original apresentava dados que dificilmente seriam factíveis.

Um deles era a promessa de que cerca de duas mil pessoas visitariam a Arena por dia. Os tours foram iniciados em maio deste ano. Em dois meses, segundo o Corinthians, foram vendidos 10 mil ingressos, o que dá uma média de apenas 167 visitantes por dia.

A queixa de especialistas envolvidos no projeto é que teria sido possível fazer o estádio com capacidade parecida, em área menor e gastando menos.

O plano de negócios previa R$ 400 milhões pela venda dos naming rights que ainda não aconteceu. Há problemas no aluguel dos camarotes e no projeto de bares e lanchonetes.

"Pelo balanço do fundo, podemos ver que a receita é pífia. Mal conseguiu gerar receita para pagar suas despesas de manutenção e funcionamento. Foi feita uma engenharia financeira extremamente otimista para esta obra e o que seria a arrecadação posterior", afirma Rogério Yamada, consultor financeiro, auditor e sócio do clube.

A Prefeitura de São Paulo autorizou o fundo a emitir R$ 470 milhões (valor reajustado) de CIDs (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento), um incentivo fiscal para a obra.

Empresas e pessoas físicas podem comprar o papel e quitar impostos municipais com desconto. Segundo a auditoria, no ano passado foram vendidos 356 certificados, o que gerou receita de R$ 9,7 milhões.

OUTRO LADO

O Corinthians diz que, apesar de ser cotista da Arena Fundo de Investimento, não pode dar estimativa de receita e saldo das dívidas referentes ao estádio, já que isso é administrado pelo fundo.

Sobre a expectativa de receitas, o clube diz que "o trabalho da auditoria é uma atividade de revisão e confirmação de saldos". De acordo com o departamento financeiro do clube, significa que "concluído o relatório, o valor pode ser diferente (para mais ou para menos) daquele registrado no balanço".


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