Folha de S. Paulo


Relatório feito para Fifa traz indícios de propina a Teixeira por Qatar-2022

A Fifa divulgou nesta terça-feira (27) o chamado "Relatório Garcia", uma série de documentos sobre os processos de licitação para as sedes da Copa do Mundo de 2018 e 2022. A decisão da entidade de publicar o documento aconteceu depois de o jornal alemão "Bild" vazar parte do conteúdo.

Entre as acusações, o documento da Fifa afirma que o Qatar desembolsou quantia acima do valor mercado para a realização de amistoso entre Brasil e Argentina em novembro de 2010 em Doha, no Qatar. O objetivo seria influenciar Ricardo Teixeira e o argentino Julio Grondona, então presidentes, respectivamente, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da Associação Argentina de Futebol (AFA), na escolha da sede da Copa do Mundo de 2022.

Tanto Teixeira como Grondona eram membros do Comitê Executivo da Fifa. Ambos teriam agido em conjunto com o paraguaio Nicolás Leoz, então presidente da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), outro alvo da investigação. O trio exercia grande influência sobre seus pares no continente.

Na eleição, realizada em dezembro 2010, os cartolas sul-americanos votaram pela candidatura do Qatar, que venceu o pleito.

Oficialmente, os organizadores do amistoso em Doha, um mês antes da eleição, afirmavam que o clássico serviria como ensaio para a disputa da Copa da Ásia no ano seguinte no país.

O comitê organizador do Qatar-2022 alega também que pretendia mostrar o país como um destino viável para a elite do futebol. Um dos principais argumentos contrários à campanha do país asiático para ser Copa do Mundo seria o desinteresse de sua população em relação à modalidade.

Segundo o relatório divulgado pela Fifa, a federação de futebol do Qatar recebeu US$ 6,8 milhões para realizar o amistoso. O dinheiro foi cedido pelo Swiss Mideast Finance Group, empresa suíça controlada por um conglomerado qatariano. Oficialmente, essa empresa não teria vínculo com a federação do país ou com a campanha para sede da Copa de 2022.

Esse montante seria o suficiente para bancar transporte, acomodação e um esquema de segurança para as seleções brasileira e argentina, além do aluguel de estádio e centro de treinamento para os times em Doha e a montagem da estrutura de transmissão da partida.

Outros US$ 8,4 milhões foram pagos à Kentaro, empresa suíça de marketing esportivo que detinha os direitos de comercialização dos amistosos da seleção.

De acordo com a Kentaro, US$ 2 milhões teriam sido pagos a uma empresa de Cingapura, a Business Connexion Services (BCS). Segundo a empresa suíça, a BCS teria feito a ponte com "autoridades qatarianas". Em depoimento, dirigentes da federação, no entanto, não mencionam nenhuma atividade dessa empresa.

Em seu relatório, Garcia informa que não era possível identificar precisamente quanto foi pago à CBF ou à AFA. Afirmou que esse tópico requeria investigação mais detalhada.

A Kentaro chegou à CBF em parceria com o Grupo Dallah Albaraka (DAG, na sigla em inglês), empresa que, em 2006, adquiriu um pacote de 24 amistosos da seleção brasileira. Cada jogo lhe custaria US$ 1,15 milhão.

Um contrato paralelo firmado entre uma subsidiária do grupo árabe, a International Sports Events (ISE), e uma empresa norte-americana chamada Uptrend Developments também estipulava o pagamento de mais 345,8 mil euros por cada um desses amistosos.

Esse vínculo foi firmado em 23 de novembro de 2006. No dia seguinte, a CBF assinou com o DAG.

A investigação conduzida por Garcia, então, aponta que a Uptrend seria uma empresa de fachada, com sede em Nova Jersey. No contrato firmado nas Ilhas Cayman, ela tinha como representante Alexandre R. Feliu, nome oficial de Sandro Rosell Feliu, ex-presidente do Barcelona, que, em maio, foi preso na Espanha em operação que tem como alvo o cartola catalão e Ricardo Teixeira.

Presidente do Barcelona e amigo de Teixeira, Rosell teria facilitado a realização do jogo com a liberação de atletas do clube. À época, a CBF tinha um acordo com os principais clubes europeus de que, durante a temporada, só utilizaria seus atletas em amistosos realizados no continente.

O uso do amistoso para pagamento de propina em venda de votos na escolha da sede da Copa de 2022 também é investigado pelo Ministério Público da Suíça. A Kentaro está envolvida na suspeita.

Todas as suspeitas abrangem o período em que o suíço Sepp Blatter presidia a Fifa. Ele renunciou ao cargo, em meio ao escândalo que prendeu ex-dirigentes da instituição, em 2015.

RELATÓRIO GARCIA

O documento batizado como "relatório Garcia" ganhou este nome em referência ao advogado e juiz norte-americano Michael J. Garcia, 55, que foi o presidente da Câmera Investigativa do Comitê de Ética da FIFA entre 2012 e 2014.

A investigação de Garcia resultou em documentos de mais de 300 páginas, entregues ao alemão Hans-Joachim Eckert, que presidia a Câmara de Decisão do mesmo comitê.

Eckert proibiu a divulgação da íntegra do relatório. Em novembro de 2014, divulgou uma versão resumida de 42 páginas segundo a qual as candidaturas da Rússia-2018 e do Qatar-2022 estariam isentas de qualquer irregularidade.

Garcia apelou internamente contra a versão divulgada por Eckert, alegando que o alemão teria interpretado de forma "errônea" os fatos e conclusões apresentados. O Comitê de Apelação da Fifa recusou o recurso do norte-americano.

Em dezembro de 2014, Garcia se desligou da entidade, questionando a independência de Eckert em relação aos dirigentes da Fifa.

Ex-presidente da CBF e atualmente em prisão domiciliar nos Estados Unidos, José Maria Marin não foi citado no relatório da Fifa. O mesmo acontece com o atual mandatário da entidade máxima do futebol brasileiro, Marco Polo Del Nero.


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