Folha de S. Paulo


Sem adesão total de clubes, estudo médico da CBF apresenta lacunas

Eduardo Knapp/Folhapress
Santos, SP, Brasil, 08-05-2016 16h34: Final do Campeonato Paulista 2016. Santos e Audax jogam no Estadio Vila Belmiro. Lucas Lima eh substituido no primeiro tempo e deixa o gramado de maca movel (foto Eduardo Knapp/Folhapress.ESPORTES). Cod do Fotografo: 0716
Segundo estudo, de 299 lesões registradas em partidas da série A do Brasileiro 2016, 127 foram na coxa

Divulgado na última quarta-feira (17) pela CBF, levantamento da Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF) apresentou um panorama das lesões sofridas por atletas durante as 380 partidas do Brasileiro de 2016.

A iniciativa é inédita no país e, por isso, ainda não tem parâmetro para comparação.

Mas o estudo, que pode virar ferramenta crucial na prevenção de lesões no futebol nacional, não contou com a ajuda de todos os clubes capacitados a fornecer dados.

"Nesse primeiro momento, buscamos adesão. Tivemos 92% de participação na Série A, 73% na B e 55% na C", conta Jorge Pagura, médico da CBF e presidente da CNMF.

Se juntadas as três divisões nacionais, o engajamento é pouco superior a 70%.

"Eu esperava 100%, já que o sistema é prático e seguro", lamenta Pagura.

A CBF desenvolveu um formulário virtual, chamado Sistema de Mapeamento de Lesões. O uso é restrito. Apenas o chefe médico de cada clube recebe a senha de acesso.

Nele, é possível apontar o local e a gravidade da lesão, se foi em treino ou jogo, se o problema diagnosticado é reincidente e até o período do dia em que ocorreu —entre outras subcategorias.

As fichas enviadas pelo sistema são criptografadas e acessadas somente pela equipe da CNMF. Existe um acordo de confidencialidade para que dados individuais não sejam expostos em público.

Apesar disso, o procedimento ainda não se tornou rotina em boa parte dos departamentos médicos de clubes do país. A falta de engajamento maior gerou inconsistência nos números finais.

O presidente da CNMF não condena colegas de profissão nem acha que houve dano aos primeiros resultados, mas reconhece que fazer disso hábito nos clubes é um desafio.

"Ainda faltam engajamento e, às vezes, condição para ajudar. Tem clube que não preencheu o formulário completo ou não enviou dados de todas as 38 rodadas. Atingir 100% de adesão amplia o universo e cria uma base de dados infalível", diz Pagura.

Além de reforçar o apoio à pesquisa em encontros casuais e reuniões da CNMF, ele criou um grupo de WhatsApp com mais de 80 médicos do esporte, para agilizar e ampliar a rede de contatos.

"Não há uma rigidez. Eu só peço para preencher os dados antes do início da rodada seguinte. Entendo que a adesão precisa ser incutida, mas ainda há muita rotatividade nos departamentos médicos dos clubes", diz.

RESULTADO INCOMPLETO

Se por um lado faltou participação unânime dos médicos para basear o estudo pioneiro, por outro a CBF divulgou os resultados de maneira muito superficial.

O site da entidade informa o que chama de "números completos" da pesquisa. São quatro tabelas. A primeira aponta os locais do corpo afetados. As outras mostram quais tipos de lesão ocorreram nas três partes mais suscetíveis da anatomia dos jogadores nacionais.

"Listam o tipo de lesão e distribuem em diferentes partes do corpo. No entanto, não fornecem dados sobre os riscos", lamenta o sueco Jan Ekstrand, PhD em medicina esportiva e chefe do Grupo de Estudo de Lesões da Uefa, que analisou a pesquisa brasileira a pedido da Folha.

De acordo com a parte pública do estudo, 299 lesões foram registradas nas partidas da Série A do Brasileiro de 2016. A parte do corpo mais afetada foi a coxa, com 127 casos (42%), com frequência maior de lesão muscular: 68, ou 53% do total.

Na temporada 2015/16, segundo a Uefa, o índice total de lesões na coxa em 29 clubes da Europa foi de 30%.

Mas o dossiê da entidade internacional chegou a esse resultado utilizando base de dados mais ampla. Engloba partidas e treinos, classifica lesões não só por tipo, mas também por nível de gravidade ou ocorrências mês a mês, entre outros parâmetros.

O conteúdo divulgado do estudo brasileiro carece desse detalhamento.

"Para calcular riscos em treinos e jogos, precisam considerar o fator de exposição. Não há informação sobre o mecanismo por trás das lesões ou como elas podem ser evitadas", completa Ekstrand, que coordena desde 2001 a mais conceituada pesquisa sobre prevenção a lesões.

Questionado, Pagura atribuiu a divulgação incompleta a um erro de comunicação e prometeu liberar um relatório mais robusto em breve.

Editoria de Arte/Folhapress
LESÕES MAIS COMUNS NO BRASILEIRO 2016 - Coxa e cabeça são os locais mais atingidos
Coxa e cabeça são os locais de lesão mais comuns no Campeonato Brasileiro, segundo estudo da CBF

Lesões no esporte

DADOS ALIADOS

Mais do que dar suporte estatístico, os estudos sobre incidência de lesões em jogadores formam base para que comissões técnicas autoavaliem seus métodos de trabalho. A opinião é unânime entre os médicos ouvidos pela Folha.

"Em cima de tendências, os clubes podem se mobilizar para prevenção ao longo da temporada. No futuro, torna-se um parâmetro importantíssimo", atesta Gustavo Magliocca, médico do Palmeiras.

Sinônimo de excelência na Europa, o Bayern passou por grave crise interna por conta de atritos entre comissão técnica e médicos. O motivo: lesões.

Em momentos da temporada 2015/16, o time alemão chegou a ter só 14 jogadores saudáveis à disposição. Não conseguia completar o banco de reservas.

O caso dividiu opiniões entre especialistas. Havia quem apontasse negligência médica. Outros questionavam os treinos de Pep Guardiola, que estariam sobrecarregando o elenco.

Para estancar a sangria, o Bayern demitiu o médico Hans-Wilhelm Muller-Wohlfahrt, que trabalhou no clube por 38 anos. Guardiola sairia meses depois para o Manchester City.

No Brasil, a rotatividade nos departamentos médicos costuma ser maior, em especial nos clubes com estrutura mais limitada.

"Temos a cultura de que departamento médico é despesa. O DM está lá para preservar o atleta. Jogador machucado traz prejuízo ao clube. Investir em prevenção deixa o futebol ainda melhor como negócio", diz André Pedrinelli, chefe do departamento de medicina esportiva do Hospital das Clínicas-SP.

Até a arbitragem pode beneficiar-se dos estudos de lesões. A Fifa usou desse tipo de levantamento para cobrar rigidez dos juízes em lances que podem culminar em trauma facial, como o uso excessivo do braço na disputa de bola.

Na Copa de 2014, houve queda de 75% em traumas faciais em relação ao Mundial anterior.

No Brasileiro de 2016, foram 29 lesões sofridas na cabeça ou na face, a segunda maior incidência.

O uso de análise de vídeos nos jogos e a criação de protocolos preventivos de atendimento no campo, como já ocorrem na NFL, a liga profissional de futebol americano, são vistos como passos adiante para aperfeiçoar a prevenção de lesões no futebol.


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