Folha de S. Paulo


ESPN reformula grade e aposta em personalidades para voltar a crescer

Poucas semanas depois de demitir cerca de cem jornalistas e comentaristas esportivos, a rede de TV ESPN, que se descreve como "líder mundial do esporte", revelou uma nova grade de programação na terça-feira (16), repleta de grandes personalidades, mas contendo poucos dos noticiários esportivos que por muitos anos serviram de fundação à sua programação.

A grade de programação revisada expõe a que ponto as mudanças no cenário da mídia desordenaram até mesmo a mais poderosa das companhias mundiais de mídia esportiva.

No passado, rainha incontestável da programação de esportes, a ESPN agora precisa concorrer com empresas como Google, Amazon, Facebook e Twitter, que não só oferecem estatísticas e vídeos de partidas com o apertar de um botão mas começam a aumentar o número de eventos esportivos que transmitem diretamente.

E em um mundo no qual os telespectadores podem assistir às melhores jogadas de uma partida no Facebook ou a um jogo de futebol americano na íntegra direto no Twitter, quem precisa de um noticiário esportivo tradicional como o "SportsCenter", cujo foco são os melhores momentos das partidas do dia e atualizações sobre jogadores lesionados e transferências?

"Somos otimistas, aqui na ESPN", disse John Skipper, o presidente da rede, na apresentação anual da companhia a anunciantes, na terça-feira. "É claro que o ambienta atual nos força a ser realistas, além de otimistas".

Por isso, a ESPN decidiu mudar as coisas.

A ideia é apostar no poder das personalidades da rede. A ESPN anunciou formalmente diversos programas novos - entre os quais um bloco matinal de três horas de duração comandado pelo veterano apresentador Mike Greenberg, e um programa apresentado pelos comentaristas Bomani Jones e Pablo Torre.

Divulgação
Câmera da ESPN para transmissão em 3D em jogo de futebol americano
Câmera da ESPN para transmissão em 3D em jogo de futebol americano

CLÁSSICOS REFORMULADOS

Em um aparente esforço para atrair telespectadores para o "SportsCenter", o principal programa da rede desde 1979, a ESPN o reformulou, criando blocos separados sob o comando de apresentadores específicos, entre os quais Kenny Mayne, uma das personalidades mais conhecidas da rede. O programa não será mais reprisado no período entre as 7h e as 18h, no canal principal da ESPN.

A rede também assinou contratos novos com muitos outros veteranos da companhia, entre os quais Sage Steele e Hannah Storm, que terão funções novas, entre as quais apresentar especiais no horário nobre. Steele apresentará uma versão matinal do "SportsCenter" com três horas de duração, na ESPN 2.

Em um esforço por levar conteúdo aos diversos aparelhos usados pelos telespectadores, a empresa anunciou o "SportsCenter Right Now", um noticiário online curto atualizado ao longo do dia e exibido duas vezes por hora pela ESPN. Na apresentação, Skipper ressaltou a inclusão da ESPN em pacotes de TV oferecidos por companhias como a Sling TV e a Hulu.

Os esforços da ESPN para se adaptar à era digital são indicativos dos desafios mais amplos que a TV a cabo norte-americana enfrenta. O abandono de assinaturas de TV a cabo se acelerou fortemente no último trimestre, com as operadoras de TV paga perdendo 732 mil assinantes, ante perda de 102 mil no mesmo período um ano antes, de acordo com pesquisas de Michael Nathanson, analista da MoffettNathanson.

Os pacotes "enxutos" de baixo preço oferecidos para assinatura on-line não cobriram a diferença. A publicidade nacional em TV caiu em 1% nos Estados Unidos no trimestre passado, sua maior queda em quase dois anos. A mudança no cenário da mídia foi especialmente difícil para a ESPN. A rede vem perdendo assinantes há anos, e os direitos de transmissão de eventos esportivos estão se tornando cada vez mais caros. Um exemplo é o novo contrato entre a ESPN e a NBA, em valor de US$ 12 bilhões por nove anos.

A Disney, que controla a ESPN, tem esperanças quanto a um serviço de streaming de vídeo por assinatura com a marca ESPN que ela planeja introduzir até o final do ano. Mas, ao menos inicialmente, o serviço transmitirá principalmente eventos sobre os quais a ESPN detém direitos de cobertura mas não televisa, por exemplo certas partidas de tênis, jogos de críquete e diversos esportes universitários.

Robert Iger, presidente-executivo da Disney, disse a analistas em uma conversa sobre os resultados da empresa, na semana passada, que o serviço da ESPN permitiria que as pessoas criassem assinaturas com base em seus interesses –"um dado esporte, ou um dado time, ou uma dada região em uma dada época". Ele também disse que a ESPN estava trabalhando para melhorar seus apps para dispositivos móveis, que segundo o executivo nos últimos meses atraíram uma audiência relativamente saudável de 23 milhões de usuários únicos ao mês.

No entanto, Wall Street em geral vem encarando com desfavor os planos da Disney para a ESPN. Durante a conversa com Iger, analistas o bombardearam com perguntas sobre a rede. O preço das ações da companhia caiu em 7% desde a ultima semana de abril, espelhando o declínio setorial causado pelo medo de perda ainda maior de assinaturas e pelas vendas fracas de publicidade.

PERSONALIDADES

Na apresentação da terça-feira, a ESPN admitiu seus problemas, mas não permitiu que isso afetasse os exageros comuns nas apresentações anuais das empresas de TV aos anunciantes. Enquanto os espectadores se serviam de sanduíches e torradas com abacate, a rede ocupava o palco de um teatro da Broadway, na região central de Manhattan, com astros e estrelas.

Serena Williams concedeu uma breve entrevista a Greenberg para promover o novo programa matinal dele, que estreará no ano que vem. Paul Pierce, astro do basquete recentemente aposentado, apareceu para declarar que "continuo torcendo pelo Celtics". Outros dos maiores nomes da rede também estavam presentes, como Scott Van Pelt, Suzy Kolber, Jon Gruden e Mayne.

Os talentos demitidos pela rede no mês passado, entre os quais os antigos jogadores de futebol americano Trent Dilfer e Danny Kanell, o antigo executivo de beisebol Jim Bowden e o veterano repórter Ed Werder, que cobria a NFL, obviamente não estavam presentes. Skipper não conversou com jornalistas depois da apresentação.

Mas embora a rede tenha oferecido estatísticas ocasionais —Skipper informou que a audiência do horário nobre da ESPN havia crescido em 15% no primeiro trimestre, e que seus produtos digitais atingiram a marca de 100 milhões de usuários -, o evento não ofereceu a torrente de números que costuma invadir essas apresentações.

A ESPN estava acima de tudo interessada em vender, e houve momentos em que chegou a zombar da ideia de que publicidade televisiva era coisa do passado.

Em um desses momentos, Mayne, usando um par de asas emplumadas e se descrevendo como "o anjo da publicidade", se elevou por sobre o palco. Ao pousar suavemente, ele se enroscou nos cabos que o haviam erguido."Isso serve como metáfora para a força da TV a cabo", ele disse ao se libertar. "Entendam a coisa assim".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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