Folha de S. Paulo


'O futebol está doente', diz pai de torcedor atirado de arquibancada

Alvaro Martin Corral/Associated Press
Emanuel Balbo é jogado da arquibancada durante clássico entre Belgrano e Talleres, no sábado (15)
Emanuel Balbo é jogado da arquibancada durante clássico entre Belgrano e Talleres, no sábado (15)

A história já se tornou conhecida na Argentina. O presidente da AFA (Associação Argentina de Futebol), Claudio Tapia, telefonou para Raúl Balbo. Perguntou se ele precisava de alguma coisa.

"Sim. Preciso de um filho", respondeu Balbo.

Emanuel, filho de Raúl, morreu na segunda (17). Ele foi atirado da arquibancada do estádio Mario Kempes, em Córdoba (700 km de Buenos Aires), durante o clássico entre Belgrano e Talleres, disputado no sábado (15).

"Ele [presidente da AFA] queria ajudar. Tarde demais. Ninguém pode ajudar. Ninguém pode devolver a vida do meu filho", disse Balbo à Folha, por telefone.

Seis pessoas envolvidas no crime já foram presas. Outras duas são procuradas pela polícia.

De acordo com a Salvemos al Fútbol (Salvemos o Futebol, em espanhol), organização não governamental que combate a violência no esporte, Emanuel foi a 318ª morte ocorrida na Argentina por violência de torcidas.

Além do crime em si, o caso mobiliza o país pela história por atrás do assassinato de Emanuel Balbo.

"O futebol está doente. A dor é indescritível. A dor de quem não consegue dormir, de quem não consegue comer. A dor de quem perde filhos por causa da violência", completa o pai de Emanuel.

Filhos. No plural. Há quase cinco anos, Augustín Balbo, irmão de Emanuel, foi morto, atropelado por um veículo em alta velocidade que disputava racha pelas ruas de Córdoba. Os detidos pelo crime ficaram presos por um mês e, em seguida, liberados.

Emanuel viu um dos envolvidos, Oscar Gómez, conhecido como "Sapito", na arquibancada do estádio.

Começou uma discussão e Gómez gritou que Balbo era torcedor do Talleres.

O mando do jogo era do Belgrano, time do coração de Emanuel. Na Argentina, assim como nos clássicos em São Paulo, é proibida a presença da torcida visitante.

Pessoas que estavam próximos ao bate-boca não quiseram conversa. Diante da acusação, agrediram Emanuel Balbo e o atiraram da arquibancada superior. Na queda, a vítima bateu a cabeça. Agonizando no chão, teve os tênis roubados.

"Algumas pessoas que participaram desse ato selvagem não têm antecedentes criminais. Isso é o que nos assusta. Como explicar? Como podem se comportar de uma forma daquelas quando entram em um estádio de futebol?", questiona Diego Hak, chefe de segurança de Córdoba.

Abalado, o pai de Emanuel diz não ter assistido as imagens do filho em queda livre. E não pretende ver jamais. Assim como promete jamais entrar novamente em um estádio de futebol.

"Como alguém pode tomar uma atitude dessas contra uma pessoa que sequer conhece? Havíamos feito uma aposta para o resultado do jogo...", confessa, ele sim torcedor do Talleres, afirmando que o perdedor no clássico compraria quatro quilos de carne para o "assado" (como é chamado churrasco na Argentina) do dia seguinte.

DIREITO DE ADMISSÃO

Após o crime, começou a busca por explicações. No futebol argentino existe o "direito de admissão". É como se chama a lista com os nomes de quem não podem entrar nos estádios. O objetivo é proibir que barras bravas (o núcleo violento das torcidas organizadas) condenados ou acusados de crimes estejam nos locais dos jogos.

O Belgrano não apresentou nenhuma relação. De acordo com o presidente Armando Pérez, também ex-presidente da junta diretiva da AFA, isso aconteceu porque seu clube não tem nenhum barra brava.

"Sapito Gómez não tinha restrição para entrar em estádios. Não houve qualquer determinação da Justiça quanto a isso", afirma Hak. "Não vejo como um problema do futebol apenas. É um problema da nossa sociedade."

O crime mobilizou os jogadores dos rivais de Córdoba. Jogadores do Belgrano publicaram imagens nas redes sociais fazendo o sinal de "T" com os braços, símbolo do Talleres. Atletas do Talleres se fotografaram tapando um dos olhos com a mão, como sem fossem piratas, apelido do Belgrano.

A Folha tentou entrar em contato com Mónica Picco, advogada de Gómez, mas não obteve contato.

Em entrevista à imprensa argentina, ela disse que seu cliente não foi responsável pela morte e que Emanuel Balbo cometeu suicídio ao se jogar da arquibancada.

PRISÕES

Nesta quarta-feira (19), foi preso Yamil Salas, 22, sexto acusado de participar da morte de Emanuel Balbo. Ele foi apresentado à promotora Liliana Sánchez, que comanda a investigação do caso.

Também estão detidos Oscar Gómez, 36; Cristian Oliva, 42; Matías Oliva, 20; Martín Vergara, 22; e Pablo Robledo, 18.

"Há câmeras de segurança que nos dão exata ideia do que aconteceu. Estamos em busca de todas as pessoas. Fazemos o possível, mas é claro que o mais importante está além dos nossos poderes. Não poderemos trazer a vida de Emanuel de volta", disse Diego Hak, chefe de segurança de Córdoba. Ele também procura a pessoa que roubou os tênis da vítima após a queda.

O Belgrano anunciou que todos os torcedores acusados estão proibidos de entrarem em jogos da equipe para sempre.

Los Piratas Celestes de Alberdi, a principal "barra brava" (torcida organizada) do Belgrano, tentou se distanciar do crime. Em entrevista ao diário "Clarín", de Buenos Aires, Roberto Ponce, chefe da facção, disse não conhecer Gómez.


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