Folha de S. Paulo


Os atletas têm que dar a cara a tapa para limpar o vôlei, diz Murilo

Murilo Endres, 35, é de espécie rara em diferentes sentidos. Ele é ponteiro do Sesi-SP, equipe que neste sábado (15) enfrenta o Taubaté pela segunda rodada das semifinais da Superliga. O Brasil já teve craques na posição em um passado recente, como Giba e Dante, mas hoje vive escassez de atletas na posição.

Além disso, há anos Murilo insiste em dar a cara a tapa e confrontar publicamente a Confederação Brasileira de Vôlei a cada nova notícia sobre irregularidades. Na última semana, ele voltou à carga após revelação de Juca Kfouri, colunista da Folha, de que a Fazenda encontrou "indícios de atipicidade" em transações entre a Confederação Brasileira de Vôlei e empresa de Fábio Azevedo, braço direito de Ary Graça, ex-presidente da CBV e atual da Federação Internacional.

"Literalmente saquearam o vôlei e ninguém da 'nova gestão' fez nada pra investigar ou punir! Agora querem lavar as mãos!", escreveu em sua conta nas redes sociais.

À Folha, Murilo fala de seleção brasileira, Olimpíadas e suas cobranças à CBV.

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Folha - O que você espera dessa reta final da Superliga e mais especificamente esse jogo contra o Taubaté?
Murilo - Duas semifinais fortes, Sesi e Taubaté, Campinas e Cruzeiro. Taubaté saiu na frente, e temos a chance aqui no sábado (15) de empatar a série diante da nossa torcida, ainda que não seja exatamente em casa, já que tivemos que sair da Vila Leopoldina. No primeiro jogo fomos mal e precisamos reagir e demonstrar nossa força.

O Brasil já teve uma seleção com Giba, Dante, Giovane e Nalbert. Hoje vive escassez de ponteiros. Por quê? Chamar o cubano naturalizado brasileiro Leal é boa opção?
Acho que são safras. Já tivemos crises de central, de opostos... Sempre vem uma geração mais qualificada para certas posições. A gente pode até ter escassez, mas somos atuais campeões olímpicos e revezando bastante os ponteiros: jogaram Maurício, Lucarelli e Lipe, o Douglas estava mas participou menos. É difícil até falar sobre isso. Temos que investir mais nas categorias de base, gostaríamos de ver mais garotos de 18 anos com potencial para vislumbrar o futuro. Temos que administrar isso. Às vezes de uma temporada para outra um garoto recebe uma oportunidade e vai bem. Posso citar até o caso do Rodriguinho [ponteiro de 20 anos], do Cruzeiro, que está muito bem e a seleção tem que ficar de olho nele.

Sobre o Leal, não fico à vontade para falar sobre isso. É uma questão dele com o país e depois com a confederação e o técnico, e eu nem na seleção estarei mais [na Olimpíada]. É muita polêmica. A gente jogou contra ele uma final de Mundial em 2010, então eu o vejo como um adversário. Mas se for algo possível na lei, deixo para os envolvidos decidirem.

Você tem duas pratas olímpicas e foi cortado logo antes da Rio-2016. Você se sente frustrado?
Sim, lógico. Quem não gostaria de ter estado lá? E cheguei tão perto, depois de um ciclo olímpico tão difícil, com lesões, superações... Foi difícil ser cortado às vésperas dos Jogos.

Na época do seu corte, você disse que faltou transparência ao Bernardinho. Ficou mágoa da sua parte?
Eu falei em transparência do ponto de vista pessoal. Minha primeira convocação foi em 2003, passamos por poucas e boas, e infelizmente eu fiquei sabendo que não participaria no próprio dia do corte. Voltei para casa e fiquei buscando explicação e me questionei bastante sobre o porquê de não ter falado comigo antes. Eu estava com um problema na panturrilha e poderia ter voltado para o Brasil e fazer exames. Ser cortado por uma lesão é natural na vida de um atleta, mas por essa amizade que a gente tinha eu gostaria que tivesse falado comigo antes.

No calor do momento, você anunciou sua aposentadoria da seleção brasileira. Por outro lado, Sergei Tetyukhin, ponteiro russo, jogou no Rio aos 40 anos. Você pensa em voltar?
Eu adoraria jogar para sempre pela seleção. O Serginho, também com 40, foi campeão no Rio, mesmo que seja líbero. Eu tenho consciência de que fisicamente tem ficado muito difícil para a minha posição. Hoje em dia a gente tem mais ponteiros de força, de ataque, parecidos com opostos, do que os de recepção, de habilidade e de fundo de quadra, como eu.

O vôlei está muito físico, e eu teria que estar muito bem fisicamente para voltar à seleção, o que não tem acontecido nos últimos anos, infelizmente. É mais uma questão de consciência de que não estou no nível de quem representa a seleção hoje. Se eu conseguir superar todos esses problemas de lesões e fazer uma temporada muito boa... Acho que ninguém diria não à seleção. Mas o ciclo olímpico até 2020 será muito pesado.

Há ainda a chance de que a sua prata de Londres-2012 vire ouro, já que o Giba recebeu a informação de que os campeões russos foram flagrados no doping. Você torce por isso?
Não. O sentimento é o de derrota, nós perdemos. Se existe a possibilidade de doping, que investiguem. Mas mesmo que mudem a cor da nossa medalha o sentimento será o mesmo. Eu só gostaria que as entidades investigassem e corressem atrás, que não é o que estamos vendo.

No auge dos escândalos da CBV em 2014, quando a Controladoria-Geral da União identificou irregularidades no uso de dinheiro público por parte da entidade, você disse 'tem gente ficando rica às custas de ossos, joelhos, ombros e tornozelos'. Mudou alguma coisa desde então?
Dizem que sim, né? Na semana passada saíram mais notícias sobre contratos, empresas e favorecimentos [Murilo se refere à revelação de que a Fazenda encontrou indícios de atipicidade em transações entre CBV e a empresa do Fábio Azevedo]. Minha questão com a CBV é a de que trocaram o presidente [Graça renunciou após os escândalos], mas o atual presidente [Walter Laranjeiras, o Toroca] já foi presidente e está como vice há décadas [de 1984 a 2012]. Não vejo uma gestão diferente como estão tentando empurrar. "Não foram mais feitos contratos com as empresas [acusadas de favorecimento]". Mas é lógico, é só o que me faltava! Isso me irrita bastante: quem se diz gestor da CBV hoje não procurou punir os envolvidos e não fez nada contra isso. A cada semana tem uma notícia nova. O caso da natação [a Polícia Federal prendeu quatro dirigentes da CBDA na semana passada em investigação de desvio de verbas] foi muito menor e os caras já foram presos. O esporte precisa disso. A gente está tentando defender a imagem do vôlei. Temos que dar a cara a tapa para limpar o vôlei.

Além disso, todos esses escândalos impactaram financeiramente o vôlei brasileiro. A imagem foi manchada e o dinheiro de patrocínio reduziu. Quem quer associar sua marca a esse tipo de coisa? O Banco do Brasil voltou a patrocinar a seleção brasileira pagando uns 40% menos. E os atletas que sofrem com isso.

Reprodução/Facebook/VoleiCanoas
Jogadores entram em quadra com nariz de palhaço em protesto contra a CBV
Em 2014, Murilo e outros atletas organizaram protesto contra a CBV

Os nadadores tiveram papel importante nas denúncias contra a CBDA. Os atletas conseguem perceber quando tem algo de errado acontecendo?
No caso do vôlei, a gente não participa muito de decisões sobre alimentação, sobre custos de viagens, etc.. Talvez na natação seja individual e eles recebem informações do tipo 'não terei verba para participar de tal competição'. O que é um absurdo. O vôlei nunca passou por isso, nunca nos faltou nada da parte de estrutura, então não tínhamos o que questionar.

Você cobrou uma resposta do Toroca a essa nova revelação do Juca Kfouri. Você acha que as posturas dele e da CBV são muito passivas?
Acho que sim. Apesar de falarem em nova gestão, ele foi vice presidente durante todo o período. Não vejo como passar por todo esse período e dizer que não viu nada e não tentar punir ninguém nem correr atrás do dinheiro que é do vôlei. Ele não aparece. Desde a primeira denúncia nós não ouvimos a voz dele. Sempre se escondendo atrás de um gestor. Acho o cúmulo, um absurdo, o nosso presidente, o homem forte do voleibol, não se posicionar. Cobro até que um dia ele se posicione, e não com a famosa "nota oficial", que é muito fácil, já que ninguém sabe quem escreveu.

E o que precisa acontecer para que a CBV entre no eixo, na sua visão?
Tem que correr atrás de tudo o que aconteceu e punir: recuperando o dinheiro e prendendo quem tiver que prender. Foram comprovados na denúncia os desvios e contratos ilícitos. "Ah, mas são imorais, não ilegais". Pelo amor de deus, você sai da CBV em um dia e no outro ganha R$ 10 milhões por renovar contrato com o banco.

No esporte, poucos atletas se posicionam publicamente com tanta firmeza. Sendo assim, você aparece quase como uma voz solitária.
O Bruno [levantador, filho de Bernardinho e parceiro de Murilo no Sesi-SP], o Gustavo [irmão de Murilo] e o William têm falado bastante. Alguns outros atletas dizem "ah, eu não tenho a mesma representatividade que você, ninguém vai se interessar pelo que eu tenho a dizer". Mas acho que todos deveriam cobrar e têm o direito disso. E não é só seleção. O dinheiro do vôlei é também para o campeonato brasileiro, para a base, para o feminino. Todos têm o direito de reivindicar esse dinheiro para a comunidade do vôlei.

E por que você dá a cara a tapa assim, correndo o risco de ser malvisto?
Primeiro, porque eu acho certo. Segundo, porque precisa. No Brasil a gente espera a poeira baixar, empurra para debaixo do tapete e deixa lá. Não gostei do que aconteceu com o vôlei e vou cobrar se tiver que cobrar, principalmente quando achar que tem coisa malfeita ou errada.

Você já sofreu represália por suas posições? Acha que o seu corte da Rio-2016 teve alguma relação com o protesto que você organizou no qual os atletas usaram narizes de palhaço ?
Não, o corte não teve nada a ver. E até hoje não fui prejudicado. Não tem multa para o meu comportamento fora de quadra nem nada. E não tenho falado nenhuma mentira, estou simplesmente cobrando o que apareceu nas denúncias, que foram levantadas pelo dossiê da ESPN [a emissora revelou as fraudes relacionadas à CBV em 2014].

Você joga pelo Sesi. Você mantém relação com o Paulo Skaf, presidente do grupo? Conversa com ele sobre o momento político?
Não. Ele é presidente do Sesi, Fiesp, Senai, mas a gente não tem essa relação fora de quadra. Normalmente a gente tem um almoço no início de temporada e outro evento no final dela. Às vezes em alguma clínica no interior do Estado ele faz a abertura, mas temos pouco contato. Acho que a agenda dele é bem mais cheia que a nossa.

Em algum desses contatos ele chegou a incentivar a participação política de vocês de alguma forma?
Não. É uma coisa até que eu tenho conhecimento. Eu falo pouco sobre política até porque tenho pouco conhecimento.


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