Folha de S. Paulo


Após incêndio, choque e queda, velejador supera 'Everest dos mares'

Jean Sebastien/AFP
New Zealand's skipper Conrad Colman celebrates on his Imoca 60 monohull
Exausto, o neozelandês Conrad Colman completou a Vendée Globe Race, na França

De cabeça para a baixo, pendurado pelo tornozelo, no escuro da madrugada e a poucos metros de cair no Oceano Pacífico, Conrad Colman, 33, percebeu: poderia morrer ali.

"Não tinha a menor ideia de como sair ", disse o neozelandês à Folha.

O barco Foresight Natural Energy foi sua casa por 106 dias, o tempo que levou para completar a Vendée Globe Race, uma das corridas de vela mais exigentes do planeta. Uma volta ao mundo de 40 mil quilômetros que Colman jurou que terminaria. Conseguiu depois de sacrifício que justificou o apelido da prova: o "Everest dos mares". Cruzou a linha de chegada na embarcação com a velocidade de 2,4 nós (4,4 km/h).

"Sabia que seria um desafio. Mas foi muito maior do que sonhava", disse Colman.

Ao tropeçar e ficar preso pela corda, o capacete com lanterna que usava caiu no mar. Ficou uma hora no breu até sair daquela situação e voltar ao barco. Teve mais.

A largada e a chegada foram em Les Sables-d'Olonne, na França. No sul do Oceano Atlântico, o piloto automático parou de funcionar e o barco começou adernar para a direita. Colman ficou preso por três horas no cockpit, sem conseguir sair. Poderia pedir socorro, mas este não chegaria a tempo se o Foresight seguisse tombando.

Ele resolveu às pressas o problema mecânico e a embarcação voltou à posição normal. "Se eu estivesse na Apolo 11 [primeira espaçonave a pousar na lua] teria mais chance de ser resgatado do que naquela situação. Eu tinha de consertar logo."

No Oceano Índico, um curto circuito causou incêndio no barco e poderia tê-lo destruído. Ao acionar o extintor para apagar o fogo, Colman teve mais um item para a coleção de apuros: este não funcionava. Correu para pegar cobertor elétrico e abafar as chamas. Levou um choque que o atirou longe.

"Apesar de tudo isso, consegui conter o fogo."

O pior estava por vir. Após 97 dias no mar, o mastro quebrou no meio. Faltavam 1.100 quilômetros para a chegada. O velejador estava próximo da costa portuguesa e era possível pedir ajuda. Isso significaria desistir da prova.

Apesar do pouco espaço físico e da limitação de equipamentos, ele usou peças de madeira quebradas, corda e cola e improvisou nova peça.

LEMBRANÇA

Quando Colman tinha 11 meses, seu pai morreu em um acidente. Caiu do topo do mastro de um barco quando tentava arrumá-lo.

"Não tive medo. Problemas com mastros são comuns. Era questão de honra terminar a prova. Chegaria nem se fosse remando", disse.

Honra e sonho. O Foresight era um barco de segunda mão comprado por Colman por R$ 1,6 milhão. Raspou as economias da família para adquiri-lo. Uma quantia pequena se comparada aos concorrentes na prova, patrocinados por grandes empresas e com equipes a bordo e em terra.

O time de apoio de Colman era sua mulher, Clara. Foi ela quem o esperou na linha de chegada com um prato de salada. Nos últimos dias, o velejador sobreviveu com biscoitos e brotos de alfafa. O resto da comida havia acabado. Vegetariano, ele se recusava a pescar. No período, ingeriu 700 calorias por dia, um terço do que precisava.

De sua casa, em Lorient, na França, ele planeja a próxima aventura. Apesar dos apertos, quer disputar a prova de novo. Segundo ele, para ganhar. Neste ano, ele foi o 16º entre os 16 que completaram a corrida.

"Diante de tudo o que aconteceu, foi uma vitória."


Endereço da página: