Folha de S. Paulo


Ex-revelação do Santos desiste do futebol e vira piloto de avião

Goleiro reserva do Santos, Nando ficava na concentração com os olhos vidrados no computador. Passava horas jogando simuladores de voo, sem dar atenção ao mundo real.

"Você vai virar piloto?", perguntou, de brincadeira, o colega de quarto e titular da posição, Zetti.

Virou. Antonio Fernando Remiro Barroso, 42, trabalha desde 2010 na Latam. É comandante em rotas nacionais e para a América do Sul.

"Eu pensava que jogaria futebol até os 35 anos, me aposentaria e gastaria o resto da vida sem fazer nada. Estava muito enganado", afirma ele à Folha.

Nando ficou 14 anos no Santos. Chegou no clube aos 13, em 1986. Saiu em 2000 depois de passar quatro anos como reserva nos profissionais. Deixou a Vila Belmiro pela ambição. Estava em situação fácil. Recebia o salário e não tinha cobranças. Entrava em campo de vez em quando.

"Eu deixei do Santos porque queria jogar. Não podia passar a vida inteira no banco. Precisava sentir o que era ser aplaudido ou vaiado pela torcida. Muita gente disse que eu era louco, mas saí."

Algum tempo depois, estava cheio de dúvidas, apesar de a missão ter sido cumprida. Havia conseguido jogar. Foi titular no São José, Sampaio Corrêa, CRB, Coruripe, Independente de Limeira e Barretos. Nando se cansara aos 30 anos. Tinha dúvidas se queria continuar. Sentia-se desgastado pela incerteza de ficar desempregado e ter de procurar um novo clube a cada seis meses.

Quando estava em Limeira, antes de chegar para um treino, viu a outdoor:

"Venha ser piloto."

Por que não? Fazia todo sentido. O irmão Ricardo se tornou um aos 17 anos. O pai, Eros, era apaixonado por aeronáutica. Os finais de semana da família, quando Nando era criança, eram em aeroclubes do interior de São Paulo. Ele mesmo adorava voar. Quando viajava com o Santos, rezava pra o avião lotar. Pedia para ficar no jump seat, assento colocado no cockpit.

"Resolvi fazer o curso, mas perdia muitas aulas de sexta-feira à noite por causa do futebol. A prova final foi marcada para um sábado que eu tinha jogo pela Independente. Nem ia fazer. Mas na quarta-feira anterior, fraturei um osso do rosto. O médico disse que eu ficaria 30 dias afastado. Fiz a prova e fui o único da turma a passar de primeira", afirma.

LEMBRANÇAS DE ROSÁRIO

Abraçou a causa. Estudou ciências aeronáuticas em Uberaba, Minas Gerais. O futebol se tornou para ele o que é até hoje: um passatempo pela televisão. Distração que observa com olhos de ex-profissional. Não se desprendeu totalmente. Após voo para Rosário, na Argentina, arrumou tempo para visitar o Gigante de Arroyto, estádio do Rosario Central. Foi onde conquistou o maior título da carreira: a Copa Conmebol de 1998 pelo Santos.

Partida em que a polícia teve de disparar tiros de borracha para dispersar a multidão e o técnico Emerson Leão alegava que, por falta de segurança, ninguém entraria em campo.

"Estava quase na hora do começo da decisão e a gente não tinha nem se trocado. Chegou o chefe da segurança do estádio e disse que se a gente jogasse, ele garantiria a integridade física de todo mundo. Se fôssemos embora, não."

Teve jogo, o Santos empatou em 0 a 0 e foi campeão na final que ficou conhecida como a "batalha de Rosário".

Nando largou o futebol e foi para o interior de Amazonas ganhar horas de voo pilotando monomotores. Como nas categorias de base da Vila Belmiro, teve de começar a provar o talento pouco a pouco. Trabalhou em pequenas empresas até chegar à grande companhia de aviação comercial.

"A primeira vez que pilotei um avião... Foi uma sensação maravilhosa. Uma mistura de medo com emoção."

Como o goleiro prestes a defender um pênalti.


Endereço da página:

Links no texto: