Folha de S. Paulo


Sindicato para o futebol argentino antes de partidas contra brasileiros

Xinhua/Imago/Zumapress/31-mai-2013
Julio Grondona chefiava a comissão de finanças da Fifa
Julio Grondona foi presidente da AFA por 35 anos e morreu em 2014

Três clubes brasileiros estreiam nesta quarta (8) na Libertadores contra rivais argentinos. O Palmeiras visita o Atlético Tucumán. O Flamengo recebe o San Lorenzo e o Atlético-MG vai a Mendoza enfrentar o Godoy Cruz.

Terão a vantagem de pegar adversários sem ritmo de jogo. O campeonato nacional do país, marcado para retornar em 4 de fevereiro, ainda não começou.

Em grande parte, a "culpa" disso é de Sergio Marchi, secretário-geral dos Futebolistas Argentinos Agremiados. O sindicato dos jogadores.

Para onde vai, carrega uma pasta com a lista de dois mil atletas profissionais do país e o quanto eles têm a receber de salários atrasados.

"A dívida é de 305 milhões de pesos (R$ 61 milhões). Sem o pagamento integral, não há futebol na Argentina", disse Marchi à Folha.

A greve atinge apenas as competições organizadas pela AFA (Associação do Futebol Argentino). Os clubes continuam disputando amistosos e torneios internacionais, como a Libertadores.

Em reunião na última quinta (2), Sergio Marchi ouviu a oferta de Armando Pérez, da junta diretiva da Associação.

"Vou te dar um cheque para o pagamento da dívida."

A resposta saiu de bate-pronto: "Não sei quem é mais louco. Você se assinar este cheque ou eu se aceitar."

A última data acertada para a volta do torneio era sábado (4). Marchi bateu o pé. Sem dinheiro, sem jogos. Os clubes quiseram colocar juvenis em campo. A AFA disse que as equipes poderiam perder pontos por causa da greve.

Nada comoveu o secretário e seus representados, especialmente atletas da segunda e terceira divisões. Os da primeira, que na teoria têm condições financeiras melhores, estão solidários e se recusam a jogar. "Há gente que está sem receber há oito meses", afirma Marchi.

A crise dos argentinos não é técnica, é política. "É a pior situação da história do futebol do país", diz o jornalista Walter Serafian.

A Argentina tem tradição em greves. Houve movimentos em 1948, 1971, 1975, 1983, 1985, 1996, 1997 e 1999. A última grande paralisação, há dezoito anos, durou 45 dias. "Mas sempre havia Grondona para negociar. Desta vez, não há uma liderança para solucionar o problema", diz Serafian, citando Julio Grondona, presidente da AFA de 1979 até sua morte, em 2014.

Os clubes contaram por oito anos com o "Futebol para Todos", programa da ex-presidente Cristina Kirchner. Ela pagou no período 9 bilhões de pesos (R$ 1,8 bilhões) pelo direito de transmitir os jogos ao vivo pela TV Pública.

O governo de Mauricio Macri, um ex-presidente do Boca Juniors, negociou a rescisão do contrato.

Neste mês, os clubes receberam 260 milhões de pesos (R$ 52,4 milhões) pela quebra do acordo. "Não há mais dinheiro", diz Pérez.

"Os jogadores não voltam sem receber. E os depósitos devem ir para a conta dos atletas, não dos clubes", exige Marchi. O temor é que as equipes fiquem com o dinheiro. O governo federal informou que o pagamento referente à rescisão foi feito. "A AFA não tem noção da realidade do futebol", diz Marchi.

Após reunião nesta terça (7), Pérez disse a Marchi que serão repassados aos atletas 40 milhões de pesos (R$ 8,1 milhões) recebidos da empresa que transmite os jogos no exterior. "Se isso acontecer, o acordo fica mais próximo", sinalizou o sindicalista.

CONFUSÃO

Desde a morte de Grondona, o futebol argentino não tem comando. Não havia ninguém para endurecer a negociação na rescisão do "Futebol para Todos".

Os clubes ficaram sem o dinheiro dos direitos de transmissão e a corda arrebentou do lado mais fraco após os cartolas alegarem falta de recursos para pagar os atletas.

"Os dirigentes não apresentam oferta séria. A proposta é: vocês têm de voltar a jogar", reclama Marchi.

A crise é também consequência do estilo de Julio Grondona. Por 35 anos ele estimulou os clubes a dependerem da AFA. Ou melhor: dependerem dele, sempre pronto a emprestar dinheiro e salvá-los dos problemas.

"Quero que o futebol volte. Mas quero mais ainda que os jogadores sejam pagos", finaliza Marchi.


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