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Diretor diz que contas corintianas foram 'maquiadas' em R$ 328 milhões

Avener Prado/Folhapress
Roberto de Andrade após escapar do processo de impeachment no Corinthians
Roberto de Andrade após escapar do processo de impeachment no Corinthians

O diretor de finanças do Corinthians, Emerson Piovezan, afirma em carta ao conselho deliberativo do clube que o balanço patrimonial de 2014 da agremiação, apresentado em 2015, está maquiado em R$ 328 milhões.

O presidente em 2014 era Mario Gobbi, mas os números foram enviados ao conselho para aprovação e publicados já na atual gestão, de Roberto de Andrade.

Apesar do conhecimento do erro, o balanço referente ao período não foi corrigido pela atual administração. O responsável pelas finanças na época era Raul Corrêa da Silva. Ele nega qualquer erro.

A Folha recebeu cópia da carta de Piovezan. Ele escreve ter usado o termo "maquiado" de maneira coloquial, mas reconhece que a informação errada "distorceu a análise realizada pelos leitores do balanço, notadamente pelo egrégio conselho".

O balanço patrimonial de 2014 foi aprovado na reunião de 13 de abril de 2015. Os números apresentados foram de superavit de R$ 230,6 milhões. Na realidade, segundo Piovezan, houve deficit de
R$ 97 milhões naquele ano.

Com os dados de superavit, os conselheiros aprovaram as contas. Apenas após a votação e no fim da reunião, o diretor de finanças avisou ao presidente do conselho deliberativo, Guilherme Strenger, sobre o deficit.

"Isso mostra que o Piovezan e o presidente Roberto de Andrade sabiam o que havia acontecido e nada fizeram", afirma Romeu Tuma Júnior, conselheiro da oposição.

De acordo com a carta de Piovezan, o erro está na inclusão das cotas da Arena Corinthians como receita direta. "O procedimento correto -conforme determina a legislação contábil- é efetuar o registro desses valores diretamente em conta de patrimônio líquido", diz a carta.

Segundo Strenger, a resposta dada pelo diretor financeiro ainda não foi discutida pelos conselheiros.

"Isso será feito na próxima reunião do conselho, que ainda será marcada", afirma o presidente do órgão, estabelecendo o final de março como data limite para a sessão.

COMPLICADOR POLÍTICO

Piovezan escreveu o documento por estar pressionado. Conselheiros reclamam da demora para apresentar o orçamento deste ano. Ele recebeu pedido de esclarecimentos para explicar a situação das contas do clube.

Rejeição do balanço patrimonial de 2016 e do orçamento podem levar ao impeachment de Roberto de Andrade.

Segundo o Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), uma punição à antiga diretoria seria possível apenas se o atual presidente apresentasse o caso à assembleia geral.

Promulgado em agosto de 2015, o Profut possibilitou aos clubes parcelarem as dívidas com o governo e buscar patrocínios estatais. A Caixa Econômica Federal, banco do governo federal, patrocina o Corinthians desde 2012.

"É diferença grande no balanço. Se isso acontecesse alguns meses mais tarde, seria uma bomba para o Corinthians no Profut", diz Eduardo Carlezzo, advogado especialista em legislação esportiva.

A Lei Pelé determina que o balanço patrimonial deve ser publicado até o final de abril do ano seguinte. Conselheiros da oposição argumentam que o Corinthians não fez isso em 2015. A publicação foi de um balanço que estaria errado com conhecimento prévio da diretoria, e não foi corrigido posteriormente.

"Isso teria de ser fiscalizado pela Apfut (Autoridade Pública de Governança do Futebol). Os clubes teriam de padronizar a apresentação de balanços e serem cobrados. Mas a Apfut não toma providências e cada clube faz como quer", diz Pedro Trengrouse, professor da Fundação Getúlio Vargas e especialista em direito desportivo.

IMPEACHMENT

Menos de duas semanas depois de se safar de processo de impeachment no Corinthians, o presidente Roberto de Andrade vê as contas da do clube como ponto fraco de sua gestão e ainda corre risco de ser destituído do cargo.

Em fevereiro, ele conseguiu fazer o conselho rejeitar a admissibilidade do processo de impeachment por supostamente assinar documentos anteriores à sua eleição para o cargo.

O balanço financeiro de 2016 entrou na pauta do conselho deliberativo em duas ocasiões, mas não foi votado. Na primeira, em dezembro, foi retirado a pedido de conselheiros, que argumentaram que a peça não cumpria requisitos básicos de informação.

Na segunda, não foi apreciado porque não houve tempo suficiente para análise do conselho de orientação fiscal. A votação ficou para o próximo mês.

Segundo estabelecido pela Lei Pelé, o balanço tem de ser divulgado até o final de abril. Caso o conselho corintiano reprove as contas de Andrade, o estatuto prevê impeachment automático do dirigente.

Por acreditarem que Andrade e Piovezan sabiam que as contas de Mario Gobbi e seus diretores estavam adulteradas, conselheiros da oposição temem que o Corinthians sofra sanções no Profut, o programa de refinanciamento de dívidas dos clubes.

"O clube vive situação financeira delicada, não arrecada dinheiro com a bilheteria e temos preocupação com o impacto que geraria uma possível saída do Profut", diz Romeu Tuma Júnior.

OUTRO LADO

Diretor financeiro em 2014, Raul Corrêa da Silva contesta a afirmação de Piovezan de que havia erro no balanço.

"Ele escreveu uma carta ao conselho deliberativo. Eu vou me defender também por carta ao conselho deliberativo. Posso dizer que discordo 100% de tudo o que ele escreveu e vou esclarecer isso no momento apropriado", disse.

A reportagem tentou entrar em contato com Piovezan, mas ele não retornou as ligações. Por mensagem, disse que não poderia falar.

O presidente Roberto de Andrade também não respondeu aos pedidos de esclarecimento feitos à sua assessoria de imprensa.

O ex-presidente Mario Gobbi não foi localizado. A Folha tentou contato com ele e com pessoas próximas para informar-lhe o teor da reportagem, mas não obteve resposta.


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