Folha de S. Paulo


'Fifa tem que definir se Del Nero é culpado', diz chefe do futebol paulista

A espaçosa sala no primeiro andar do prédio da sede da Federação Paulista de Futebol, na Barra Funda, em São Paulo, está completamente reformada. O piso escuro foi trocado por outro mais claro. O ambiente ganhou iluminação e decoração mais arejadas. Quem hoje ocupa o local, porém, já o frequenta desde antes da reforma.

Há duas décadas na entidade, ex-braço direito de Eduardo Farah e vice-presidente durante a gestão de Marco Polo Del Nero, Reinaldo Carneiro Bastos assumiu a presidência da Federação Paulista de Futebol há dois anos, em 2015. Quem conhece o cartola jura que ele já articula para repetir seu antecessor, Marco Polo Del Nero, e chegar ao cargo máximo da CBF em breve.

"Ninguém é candidato só por opção. Tem que ter muita gente querendo que você seja candidato", desconversa. "Estou 100% focado no futebol paulista", completa.

Em entrevista à Folha, o dirigente se queixa do que chama de instabilidade no futebol brasileiro em razão da indefinição sobre o futuro de Del Nero como presidente da CBF. Ele foi indiciado pelas autoridades dos EUA, acusado de receber propina em negociações de direitos de competições da confederação.

Desde dezembro de 2015, Del Nero é investigado pelo mesmo órgão da Fifa que baniu Joseph Blatter e Jerôme Valcke, ex-presidente e ex-secretário geral da federação, respectivamente.

À frente da entidade paulista, Reinaldo Carneiro Bastos agradou grandes e pequenos clubes com a renovação do contrato de TV do Estadual, o aumento das cotas em 2016 e a mudanças no formato do torneio.

Antes de chegar à presidência, viveu polêmicas ao lado dos seus antecessores. Em 2001, assumiu a entidade interinamente quando Farah se licenciou em meio a uma denuncia de desvio de dinheiro da venda do jogador Piekarski para o Bastia, da França, revelada pela Folha.

O ex-presidente deixou a entidade cerca de dois anos depois do caso.

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Folha - O Campeonato Paulista estreia novo formato com menos clubes [16 times ao invés de 20]. É uma tendência o enxugamento?
Reinaldo Carneiro Bastos - Notamos que tinha uma quantidade significativa de partidas sem interesse do público. Isso é um sintoma de que eram mais clubes do que cabiam na competição. Por isso, enxugamos. As quartas e semifinais terão dois jogos, o que não acontecia. Na fase de classificação, são 12 rodadas e 6 clássicos, o que diminuiu o número de jogos sem interesse. Vamos fazer isso em dois anos e avaliar.

No futuro, pode diminuir mais ainda?
Não há previsão de mudanças. Não acredito em Estadual com menos de 18 datas. O único título no primeiro semestre é o Estadual. Temos no Brasil 60 clubes garantidos com calendário nacional. Vinte da A, vinte da B e vinte da C. A Série D depende da classificação nos Estaduais. O clube precisa se classificar pelos Estaduais. Temos mais de 600 clubes no Brasil. A grande maioria pratica futebol por causa do Estadual. São milhares de atletas que precisam de clubes dos Estaduais para jogar. Menos datas do que existem hoje, mataria o futebol do interior.

Nas maiores potências do futebol, os campeonatos são organizados por ligas de clubes e não por federações. Isso não será repetido no Brasil?
Eu acho que liga não compete com Estadual. Se clubes entenderem que uma liga é a melhor forma de conduzir as suas competições, eles devem fazer. Veja como é nos EUA, na Europa. São empresas profissionais. O que eu não concordo é como foi feita aqui. Os clubes se reúnem e escolhem um amigo para ser o presidente, um amigo para ser o jurídico.

Assim não funciona. Esse tipo de gestão, não cabe numa liga, nem numa federação. Por isso, não apoiei. As pessoas querem criar a liga, mas fazendo da forma como é uma entidade aqui hoje. Com emoção envolvida, pouco profissionalismo. O Clube dos 13 [entidade que vendia direitos de transmissão dos grandes clubes] quebrou. A FBA [que vendia direitos de televisão da Série B] quebrou. Tivemos que pagar a conta. A Primeira Liga já mudou quantas vezes? Tem que ser diferente do que foi.

Você é a favor de torcida única nos clássicos ?
Entendo que não é a solução definitiva. Mas, contra fatos, não há argumentos. O público aumentou, o torcedor leva em conta a segurança para ir ao estádio. Clássicos antes perdiam em público para jogos contra equipes menores. O modelo atual de duas torcidas era ruim. Você confinava a torcida rival num local, reduzia espaço e criava uma sensação de insegurança.

Vocês estudam usar tecnologia na arbitragem?
Os custos são fora da realidade do futebol paulista. É muito dinheiro. A tecnologia vai chegar, mas tem um problema que precisa analisar. A Fifa admite isso. Há uma preocupação também com a dinâmica do jogo. Por que se não, o árbitro pode pedir para parar toda a hora. Mas se limitar, ele pede três e acontece um lance escandaloso, aí o que faz? Segue com erro.

Solução para arbitragem é ter uma estrutura profissional. Os atletas têm preparação profissional. Já os árbitros, não. Criamos diretoria na federação com três comissões. Há uma escola de arbitragem, onde precisa estar dois anos. Fizemos um modelo de formação profissional.

Mas os árbitros seguem amadores, têm outras profissões.
Estamos distantes do árbitro profissional de dedicação exclusiva, com salário fixo. Foi feito um teste na federação, mas não deu certo. Aumentou a dispensa do árbitro. Se ele apitava domingo em Penápolis, o salário era o mesmo do que se não apitava. Logo, surgia um problema em casa, sentia uma dorzinha que vira uma dorzona. Quando ganha por partida, ele quer apitar sempre. Precisa disso. Ele pode ir em festa, encher a cara, mas está no jogo no dia seguinte. Porque ele precisa daquele dinheiro.

Não atrapalha o futebol brasileiro o fato do presidente da CBF não viajar, pois teme ser preso? Além disso, ele é investigado pela Fifa.
Está na hora da Fifa dizer se ele [Del Nero] é culpado ou inocente. O futebol brasileiro merece uma definição. A Fifa precisa se manifestar. Qualquer definição seria melhor. Qualquer que seja. Pior que o sim ou não é o não sei, não respondo. Ninguém pode ser investigado eternamente.

Está perto de uma definição?
Não tenho ideia. O Blatter [ex-presidente da Fifa] foi punido. Valcke [ex-secretário-geral da Fifa] foi punido.

Qual o efeito dos casos de corrupção da Fifa no futebol?
Claro que abalou a credibilidade do cartola. Óbvio que a imagem piorou. Esse é o nosso trabalho todo o dia para tentar mudar isso. Mudando estatuto, trazendo o atleta para dentro da entidade. Temos que trabalhar para reconstruir.

Por que Del Nero não viaja?
Ele fala que foi orientado juridicamente para não viajar.

Você acha que Del Nero finaliza o seu mandato [até 2019]?
Não tenho bola de cristal. Mas se seguir assim, sem a definição da Fifa, com certeza ele fica. Muito difícil juntar clubes e federações para uma mudança sem a definição.

Você pretende ser presidente da CBF?
Óbvio que o presidente da Federação Paulista de Futebol fazendo uma boa gestão já tem seis, sete votos e é um possível candidato. É normal que seja assim. Mas nesse momento ainda estamos distantes do que a gente quer aqui em São Paulo. Eu não consigo ter duas metas. Estou focado inteiramente no futebol de São Paulo. E ninguém é candidato. Tem que ter muita gente querendo que você seja candidato.

Tem gente querendo que você seja?
Já ouvi pedidos sobre isso de dirigentes. Fico feliz, mas hoje estou 100% focado no futebol paulista.

Houve um movimento para criação de uma liga sul-americana. Você fez uma intervenção para tirar os clubes brasileiros dessa nova entidade?
O que fiz foi chamar os dirigentes para conversar. Sentamos com os cinco clubes da série A. Eu já estava no conselho da Conmebol. O Brasil é o maior país do mundo no futebol. Nós temos que exigir esse respeito. Tivemos uma mudança na Conmebol. Mudaram dirigentes. Contratamos profissionais. Mudanças na gestão, na arbitragem.

Do outro lado, tínhamos uma proposta de liga que o presidente era ao presidente do Boca, o secretário-geral era o do Peñarol. O mesmo presidente do Boca que pressionou a Conmebol para reverter uma punição ao clube. Isso é o futebol antigo.

Disse para eles: nos vamos ter mais força aderindo aos clubes sul-americanos ou ficando na Conmebol? Vamos continuar sendo minoria, com clubes de fora mandando. Tínhamos que continuar na Conmebol, exigindo nossos direitos, cobrando. Temos representantes. Eu estou lá, o Fernando Sarney [vice da CBF]. Fui ao Rio, falei com o presidente do Flamengo, falei com Fluminense, com o Grêmio. Entendemos que o futebol brasileiro não poderia fazer parte de mais uma entidade onde seria minoria. Você acha que o presidente do Boca vai defender os interesses do Brasil? Os clubes entenderam isso e caminhamos dessa forma.


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