Folha de S. Paulo


Manter o nível já é uma façanha, diz substituto de Bernardinho na seleção

Ricardo Borges/Folhapress
O técnico da seleção masculina de vôlei, Renan Dal Zotto, durante coletiva, no Rio
O técnico da seleção masculina de vôlei, Renan Dal Zotto, durante coletiva, no Rio

Renan Dal Zotto, 56, assumiu nesta quarta-feira (11) a seleção brasileira masculina de vôlei, que nos últimos 16 anos esteve sob o comando do técnico Bernardinho.

Ciente da responsabilidade de substituir o treinador brasileiro mais vitorioso de todos os tempos, de quem teve a bênção, acredita que manter o mesmo nível do time será uma "façanha".

Destaque da geração de prata, em Los Angeles-1984, ajudou a alavancar como jogador o vôlei do Brasil, hoje o mais vitorioso do mundo.

Em 2001, teve seu nome incluído na lista dos 25 maiores jogadores do século, da Federação Internacional de Vôlei. Renan diz saber que as comparações com seu antecessor serão inevitáveis e avisa: "Bernardo é único".

Até outubro do ano passado, Dal Zotto foi diretor de seleções da Confederação Brasileira de Vôlei. Ali, ratificou o que aprendeu lá nos anos 1980: ganhar é consequência, o trabalho é planejar.

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Folha - Radamés Lattari, diretor de seleções, disse que você foi intimado ao cargo. Qual foi a sequência dos fatos?

Renan Dal Zotto - No fim do ano, o Bernardo veio com a decisão de não ficar. Desde então, o presidente vem falando comigo. No primeiro momento, eu disse que nem pensava nisso, e tudo ficou meio em aberto. Na semana passada, ele convocou uma reunião e oficializou o convite. Na segunda (9), teve outra reunião e eu disse que tinha que falar com o Bernardo antes. Falei com ele na terça-feira (10) à noite. Na quarta-feira (11), teve o anúncio. Minha cabeça está rodando até agora.

E por que repensou?

Um convite desses mexe com a gente. Nos últimos anos, então, como diretor das seleções, convivi de perto com o Bernardo e com o Zé Roberto Guimarães [técnico da seleção feminina], acompanhando tudo. Isso balança, sabe? Eu adoro, não tem jeito.

E o que você conversou com o Bernardo exatamente?

Bernardo, qual é o seu sentimento? Como você vê isso? Quais são as expectativas que você tem quanto à minha pessoa ali? Eu disse que, para pensar em aceitar, gostaria de ter ele próximo. Ele me apoiou, disse que o projeto era bom. Aí, eu falei: vou nessa.

Mas queria apoio do amigo ou era respeito profissional?

Os dois. A última coisa que eu gostaria é alguma mudança de rota no trabalho que vem sendo feito e, meu Deus do céu, com que excelência! É claro que cada treinador tem um jeito, mas a filosofia de trabalho tinha que ser parecida pelo menos. A gente enxerga o vôlei parecido e realmente acredita na força do processo contínuo de crescimento.

Mas como não mudar de rota com um novo comandante?

O Brasil sempre conseguiu bons resultados em cima de trabalho, competência da comissão técnica, dos jogadores. Então, pretendo continuar. A continuidade é isso, é uma cultura de muito planejamento e só depois mão na massa.

Só que o próprio retrospecto do Brasil faz ainda maior a sua responsabilidade.

Muito maior. A seleção brasileira há 13 anos é líder do ranking mundial. Então, manter esse nível será uma façanha. O que se conseguiu até hoje é um negócio incrível, é inédito. Aí perguntam o segredo. É trabalho.

E ao lado de Zé Roberto e Bernardo, extraiu o que?

Primeiro, que para conseguir alguma coisa existem vários caminhos, e você tem que ter o seu e acreditar nele. Cada um tem um perfil. Segundo, o que eles têm em comum? São claros, competentes, têm bom senso, conhecem profundamente o esporte, trabalham bem em equipe, são extremamente exigentes e não são centralizadores. Isso é muito legal neles.

E o seu perfil qual é?

Sinceramente, não dá para dizer. Acho que as circunstâncias vão desenhando o teu perfil, sabe? Então, lá na frente talvez eu possa dizer, 'olha, o meu perfil era tal'. Mas talvez seja algo que nem eu saiba ainda. No meu tempo de treinador de clubes, ficava muito ativo, suava pra caramba.

Mas as comparações serão inevitáveis. Está preparado?

Naturalmente vai ter, mas é assim. Hoje recebi uma mensagem bacana do tipo: quem é que substituiu o Ayrton Senna, o Beethoven? Ninguém. Vieram outros, mas não tiraram o lugar deles, que são únicos. O Bernardo é único.

E combinou com o ele como será a parceria de vocês?

É o Bernardo, né. Tenho certeza de que vai botar o short e vai para quadra ajudar, como eu fazia. Não combinamos nada ainda, até porque ele vai quando quiser, e quando eu chamar [risos]!

E o trabalho já começou?

Na minha cabeça, já. A primeira coisa foi pegar o calendário e ver os compromissos. A segunda será conversar com a comissão técnica, na semana que vem. Gostaria que boa parte dela continuasse.

Você não treina um time há oito anos. Como pretende recuperar esse tempo?

O vôlei não é exatamente coisa nova na minha vida. Sei reconhecer que tenho que recuperar esse tempo, mas não assusta.

Silvio Ávila - 29.abr.2006/CBV
Renan Dal Zotto em 2006, quando era técnico do Florianópolis
Renan Dal Zotto em 2006, quando era técnico do Florianópolis

Não tem medo de uma má campanha com a seleção manchar sua história nela?

É um risco. Todos que passam por esporte de alto rendimento têm que suportar as pressões. Eu acredito muito na nossa estrutura, no nosso material humano, tudo é favorável. Só que o cenário mundial está cada vez mais competitivo. E, por isso, os resultados não podem nos tirar o sono. Se bem que eu não vou dormir [risos].

E sobre jogadores, dá para falar em predileções?

Não, nem falei com a comissão técnica ainda. Dá para falar do Serginho, que saiu. Eu até perguntei se não dava para colocar ele no freezer para conservar e tirar só para jogar. De novo, o Serginho é único, ninguém vai substituir, e tem que ter uma estátua dele pelo o que fez pelo vôlei.

Como é ter feito parte da geração de prata?

Primeiro, tenho muito orgulho. Segundo, muitos amizades ficaram. Todos me cumprimentaram pelo telefone depois do anúncio, foi muito legal. Terceiro, o aprendizado. O [Carlos Arthur] Nuzman [presidente do Comitê Olímpico do Brasil e à época da CBV] foi visionário. Em 1981, ele chamou todo mundo e falou: 'estamos começando o primeiro planejamento estratégico do esporte brasileiro, visando uma final olímpica em 1984'. Quatro anos depois estávamos disputando aquela medalha. Então, ele desenhou pra gente o passo a passo para chegar lá. Foi a primeira vez que vimos uma meta de longo prazo. O desafio está aí.

RAIO-X

Nascimento:
19.jul.1960 (56 anos), em São Leopoldo (RS)

Como jogador:
Prata em Los Angeles-1984

Como técnico:
Foi campeão da Superliga em 2006, com o Florianópolis. Exerceu a função pela última vez em 2008, no Treviso (ITA)

Como dirigente:
De 2015 a 2016, foi diretor de seleções da CBV


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