Folha de S. Paulo


Quarteto que receberá medalha de Pequim-2008 vive expectativa

Às 21h15 do dia 22 de agosto, Rosemar Coelho Neto largou ao ouvir o som do tiro de largada no Ninho de Pássaro.

Cumpridos 100 m, entregou o bastão para Lucimar de Moura, que percorreu a mesma distância até dar a ordem para Thaíssa Presti: "Vai!".

Ela saiu em disparada, à frente de outras seis equipes, para contornar a curva que a levou ao encontro de Rosângela Santos, incumbida de levar o revezamento 4 x 100 m brasileiro feminino a posição inédita na história: o pódio.

Contudo, a passagem de Thaíssa para Rosângela não foi boa. Os últimos 100 m decretaram o Brasil na quarta posição, atrás da Rússia (ouro), Bélgica (prata) e Nigéria –Jamaica e EUA deixaram o bastão cair na final e eliminatória, respectivamente.

Karime Xavier/Folhapress
Thaíssa avisou colegas sobre medalha herdada após doping russo
Thaíssa avisou colegas sobre medalha herdada após doping russo

Os 43s14 de prova marcaram a melhor participação de uma equipe feminina nacional em Olimpíadas, mas não aplacou a decepção por ter ficado tão perto e ao mesmo tempo tão longe da glória.

"Sempre ficou uma sensação de frustração sobre aquele dia. Durante alguns anos eu procurei evitar o assunto, porque doía", diz Thaíssa.

No mesmo dia, elas ainda viram Maurren Maggi conquistar, no salto em distância, o primeiro ouro feminino do atletismo na história.

A sabedoria popular ensina que o tempo cura, e com o quarteto brasileiro a máxima se ajustou perfeitamente. Mais de 2.900 dias após a prova em Pequim, uma notícia redimiu oito anos de amargura.

No fim da tarde de terça-feira, 16 de agosto, em meio aos Jogos do Rio, Thaíssa, 31, revezava-se com o marido em um aparelho na academia que frequentam, em São Paulo, quando João disparou-lhe. "Parabéns, agora você é uma medalhista olímpica."

Não era de todo inesperado. Desde maio, quando foi anunciado que uma amostra de urina da russa Iulia Chermoshanskaya havia sido retestada e nela encontraram-se anabolizantes, a possibilidade de desclassificação da campeãs se tornou realidade.

Com isso, o COI (Comitê Olímpico Internacional) confiscaria a medalha russa, Bélgica e Nigéria subiriam uma posição e o Brasil herdaria o bronze. A notícia dada por João confirmava a expectativa.

Julio Muñoz - 21.ago.2008/EFE
Brasileiras após prova no Ninho do Pássaro, em Pequim
Brasileiras após prova no Ninho do Pássaro, em Pequim

"Continuei meu exercício, meio besta ainda. Mas meu marido disse 'vamos embora daqui'", comenta Thaíssa.

A primeira coisa que fez foi alertar as amigas no grupo de Whatsapp ("Bronze 2008") que criara meses antes.

Lucimar, 42, assistia a provas da Rio-2016 com a filha, Anna Júlia, em Ipatinga (MG), onde mora hoje. Ela se aposentou das pistas em 2012.

A ex-velocista começou a chorar e disse à filha que agora tinha uma medalha, ao que Anna Júlia rebateu: "Como você tem medalha olímpica se não correu na televisão?".

Rosemar, 39, estava em situação similar. Estava na sala de sua casa, em Miracatu (a 180 km de São Paulo), com a filha, Valentina, de 2 anos, e sua tia, Marli. Duvidou até ver Rosângela, 25, a única do grupo ainda em atividade, no Engenhão, dando entrevistas como nova medalhista.

Rosângela disputou os 100 m, 200 m e o 4 x 100 m no Rio. Não foi bem, mas a notícia salvou sua Olimpíada. "Eu estava decepcionada e aquilo me motivou a treinar para mais um ciclo olímpico."

Rosemar na hora não se atentou, mas sua láurea deu continuidade a uma lenda do atletismo brasileiro. Hoje aposentada, ela é casada com Diego, neto de Adhemar Ferreira da Silva, bi olímpico no salto em distância em Helsinque-1952 e Melbourne-1956.

"Minha família tem três medalhas olímpicas, e a Valentina carrega esse legado. Ela já tem uma parte motora impressionante e muito desenvolvida. Que chegue perto do bisavô", afirma.

As quatro não se reencontraram desde que foram avisadas da desclassificação russa e não conseguem esconder a ansiedade para receber as medalhas de bronze.

A IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) já retificou o resultado em seu site e o COI confirmou a transferência das medalhas. Porém, até agora elas não sabem quando vão colocá-las no peito.

Havia expectativa de que uma solenidade ocorresse neste mês de dezembro, mas o mais provável é que a cerimônia só ocorra em 2017.

"Torço para que essa espera não dure mais oito anos", brinca Lucimar. "Eu sou mineira, só acredito vendo."

Uma nova expectativa foi criada para que aconteça no Prêmio Brasil Olímpico, em março, no Rio. O COB, por sua vez, assegura que não recebeu as medalhas -o COI faz toda a nova divisão delas.

"É um sentimento confuso. Não tivemos foto no pódio, não comemoramos, saímos de Pequim com uma sensação ruim. Eu me culpava. Agora, acho que valeu a pena", conta Rosângela, que vive em Houston, nos EUA.

Uma das preocupações de Rosemar diz respeito a reconhecimento. "Se fosse em 2008, teríamos direito a uma premiação em dinheiro. Agora, teremos", indaga.

Segundo a CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), provavelmente. As quatro devem ser incluídas em um programa bancado pelo patrocinador da entidade.

A BM&F Bovespa deve dar-lhes uma premiação em gramas de ouro, como geralmente faz após Jogos Olímpicos.

Reservas do revezamento em Pequim, Ana Cláudia Lemos e Evelyn dos Santos não correram e não devem receber benefícios ou medalhas.

"Não acho que cabe qualquer tipo de frustração. O que perdemos ficou para trás em 2008. Agora é olhar o lado positivo. Graças a Deus a verdade apareceu", diz Thaíssa.

"Mas quero essa medalha. Busco no Correio, pago frete, o que for. Espero que esteja aqui comigo o quanto antes", emenda a atleta, que se aposenta ao final deste ano.43


Endereço da página:

Links no texto: