Folha de S. Paulo


Na ressaca da festa gremista, avó colorada reza por Série A

Um varal estendido na esquina entre as ruas Lima e Silva e República, do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, dá uma ideia da situação atual dos dois grandes clubes da capital gaúcha. Pela primeira vez em 10 anos, o ambulante Everton não tem nada vermelho à venda. As bandeiras e camisetas azuis do Grêmio dividem espaço com as cores do Chapecoense. E só.

"Nunca foi assim, mas o pessoal nem pergunta sobre o Inter mais" conta ele.

Na quarta-feira (07), dia em que o Grêmio quebrou o jejum de 15 anos sem títulos da Copa do Brasil, Porto Alegre ficou tricolor. Cerca de 20 mil gremistas lotaram a avenida Goethe, na noite da comemoração. No dia seguinte, em ônibus, nas ruas, supermercados, só se via torcedores do clube desfilando o orgulho em azul, preto e branco.

Fernanda Canofre/Folhapress
Dona Noemia na casa com vista para o estádio Beira-Rio
Dona Noemia na casa com vista para o estádio Beira-Rio

Na quarta-feira (7), enquanto os gremistas seguiam rumo ao jogo da final, na Arena, a pouco mais de 7 km de distância dali, Dona Noemia acendia uma vela na Igreja Nossa Senhora do Rosário com um pedido muito específico para aquela noite.

"Eu nunca peço para o time perder. Eu peço para o outro ganhar, porque Deus não pode achar uma coisa justa pedir pra alguém ser derrotado né? Pedi para o Atlético ganhar", conta a avó que ganhou até uma página em sua homenagem no Facebook.

Dona Noemia virou torcedora símbolo do Internacional. Aos 82 anos, conta com orgulho que nunca usou uma roupa azul na vida. Lembra da festa de inauguração do estádio Beira-Rio, do time de Falcão, da comemoração do Mundial de 2006 e guarda uma foto com o argentino D'Alessandro, ídolo do clube.

FRONTEIRA

Ela começou a frequentar estádios de futebol aos 6 anos de idade com o tio, em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai.

As três filhas foram criadas coloradas, acompanhando a mãe ao estádio. Quando vieram os netos, um acabou escapando. Dos 8, 7 deles são apaixonados pelo colorado como avó. Mas um, mesmo depois de ter usado a camiseta do time por boa parte da infância, virou a casaca.

Foi ele quem, a pouco tempo, ao instalar a rede de internet nova na casa da avó, mudou a senha para "segundona17". Uma provocação com referência a iminente queda para a Série B

Na janela do quarto, a primeira coisa que Dona Noemia vê pelas manhãs quando acorda e a última antes de ir dormir é o estádio Beira-Rio, seu vizinho do outro lado da rua. Até às 3h da manhã, já virou hábito, ela muda a estação do rádio para seguir os programas que trazem informações sobre o time.

"Eu amo esse clube, não tem coisa mais linda no mundo", afirma.

Os últimos tempos tem sido de teste para tanto amor. Desde que o Inter entrou na zona de rebaixamento da tabela, Dona Noemia perdeu o sono e passou a ir à missa de duas a três vezes por semana para "pedir proteção e para não cair".

"Eu acho que tem [como reverter]. Acredito num milagre. Mas se cair, vou continuar apoiando. Agora é que [o Inter] precisa de mim. É fácil estar na boa, mas tem que estar na má. É aí que tu sabe que é colorado", afirma. E poucos são como Dona Noemia.


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