Folha de S. Paulo


Contra medo de voar, passageiro usa de aplicativo a terapia de R$ 8.000

Polaris Realidade Virtual/Divulgação
Terapia contra medo de aviao, o Polaris une sessoes de terapia a realidade virtual; em poltronas de avao de verdade, passageiros usam oculos de realidade aumentada para simular viagens de aviao. O tratamento dura cerca de 14 sessoes e custa a partir de R$ 8.000. Credito: Polaris Realidade Virtual/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Sessão de terapia contra medo de avião do Polaris, que utiliza aparelhos de realidade virtual

A última vez que a psicóloga Mayla Pace, 42, lembra de ter voado sem pânico foi aos 19 anos, de São Paulo a Nova York. Depois disso, sempre inventou desculpas para cancelar compromissos -até o convite para ser madrinha de casamento na Espanha, com tudo pago, conta ela.

Mas só percebeu que tinha uma fobia aos 30, quando tentou ir para Fortaleza. "Eu achava que ia sufocar. Ficava tremendo, suando, com falta de ar e batimentos cardíacos acelerados", conta.

Notícias de tragédias aéreas, como a do acidente da Chapecoense, que deixou 71 mortos na terça (29), só reforçavam seu pavor de voar.

Para resolver o problema, Mayla buscou tratamento psicológico. Como ela, passageiros temorosos procuram ajuda em cursos e métodos dos mais variados, de palestras com especialistas em aviação a psicanálise, passando por aplicativos e técnicas de respiração e meditação.

No instituto Condor, o tratamento da psicóloga Rosana Bohrer custa cerca de R$ 2.000, por dez sessões, que envolvem terapia e curso com um piloto sobre segurança. "Se for uma fobia grave, a saída é psicanálise, para entender e tratar das lacunas que causam esse pavor", diz ela.

Um importante fator que gera o medo é a falta de controle da situação, explica Bohrer. "Mas é preciso tratar, porque você nunca vai dar conta de tudo sempre", diz.

É por esse motivo que Camila Sais, 30, não entra em um avião há doze anos. Na última vez que tentou, já nervosa antes de embarcar em viagem com a família para a Bahia, o avião teve um problema na pressurização e precisou descer logo após decolar.

Nem uma conversa com o piloto, que insistiu para que ela entrasse na outra aeronave e viajasse na cabine, fez Sais embarcar novamente.

"Não adianta mostrar estatísticas. Eu sei que é verdade, mas não me convence. No carro, tenho 100% do controle, o que acontecer é responsabilidade minha. No avião, não. Muitas vidas estão nas mãos do piloto", diz Sais.

INFORMAÇÃO

Bohrer aposta na informação como forma de combater o pavor de voar. "Em geral, as pessoas ficam procurando informações negativas, acidentes anteriores, altura em que o avião estava. Mas não veem informações sobre como é seguro voar e como as taxas de acidentes são baixas", diz.

Informação é a aposta do Soar, aplicativo gratuito que dá orientações de exercícios para controlar a ansiedade, dicas para ficar confortável do aeroporto ao avião e esclarecimentos sobre como não há motivo para preocupação mesmo quando o avião passa por uma turbulência.

No aplicativo, ainda é possível baixar vídeos e áudios de especialistas explicando o funcionamento das aeronaves e a segurança aérea.

No Am I Going Down? (US$ 2,99 na loja da iTunes), o usuário coloca o aeroporto de onde sai e o modelo do avião que está e vê a chance de o avião cair. Um exemplo: se você está em um Airbus A330 saindo de São Francisco (EUA) em direção a Londres, a chance de acidente é de uma em 3,6 milhões.

Isso significa que, se você pegar esse voo todos os dias, diz o site, vai demorar, em média, 10 mil anos para se envolver em um acidente.

O especialista em segurança na aviação Lito Sousa diz que o medo é infundado: além da taxa de acidentes ser baixíssima, a aviação civil possui uma fiscalização muito mais rígida do que voos fretados, como foi o caso da aeronave da Chapecoense.

SIMULAÇÃO

Mas só informação não basta, diz Cristiano Nabuco, do Instituto de Psiquiatria da USP. "O medo é irracional, e você só muda emoção com emoção", afirma. Nabuco criou o Polaris, centro de tratamento que se apoia até na realidade aumentada para vencer a chamada "aviofobia".

De 12 a 14 sessões, a terapia custa a partir de R$ 8.000. Acontece em três fases: primeiro, há uma espécie de "avaliação" para estabelecer os níveis de fobia, e ter uma ideia de suas causas. Depois, trata-se o medo sob diferentes aspectos: desde o psicológico até o cognitivo (tentando racionalizar a situação).

Por fim, os pacientes usam um óculos de realidade aumentada e sentam-se em poltronas de avião (de verdade e com movimento) para simular todo o deslocamento, da chegada ao aeroporto ao pouso.

"Acham que o diferencial é o simulador, mas não é. A gente procura atacar todas as frentes, comportamento, pensamento e emoção. O simulador é só um tira-teima", diz Nabuco, que usa o método há três anos e diz ter tratado mais de 50 pessoas com sucesso.

Uma delas foi Mayla, do começo da reportagem.

"As pessoas acham que é frescura, dizem para tomar um uísque. Mas não é. Por isso é importante tratar, não se esconda, não fuja, não ignore", diz, hoje, a psicóloga.

Reinaldo Canato/Folhapress
SAO PAULO - SP -BRASIL -02.12.2016 - FSP-COTIDIANO - Tragedias como a da Chapecoense, que matou 71 pessoas em acidente aereo na Colombia, trazem a tona o medo de muita gente de entrar em um aviao,irracional, segundo especialistas. A arquiteta Raiane Morbis,26 desistiu de viajar de aviao para a casa da mae, em Maringa, neste Natal, apos a tragedia da Chapecoense vai pegar 9 horas de onibus. Ela so consegue voar se estiver acompanhada,em agosto, desistiu, quando j estava no aeroporto de Guarulhos, de uma viagem para a Irlanda. Comprou outra passagem e foi duas semanas depois, quando a irma podia acompanha la. ***A PERSONAGEM MARCOU A FOTO NA PAULISTA,SUGERI IR PARA CONGONHAS PARA FAZER A FOTO AMBIENTADA,MAS ELA NAO PODE,TINHA COMPROMISSO,TENTEI AGENCIA DE VIAGEM MAS NENHUMA TINHA FOTO OU AVIAO PARA COMPOR,ELE VIAJA AMANHA DIA 3,POR ISSO O RETRATO NEUTRO Foto Reinaldo Canato /Folhapress
A arquiteta Raiane Morbis, 26, que desistiu de viajar de avião para a casa da mãe

VIAGEM CANCELADA

Quando soube da tragédia do avião da Chapecoense, a arquiteta catarinense Raiane Mórbis, 26, decidiu: a viagem para visitar a mãe em Maringá (PR), no Natal, não seria mais feita de avião.

Com pânico de voar, ela prefere passar nove horas dentro de um ônibus entre São Paulo, onde mora, e a cidade do oeste paranaense. Na estrada, o número de acidentes é muito maior.

"Todo mundo diz isso para mim, que avião é mais seguro. Mas não vai mudar minha opinião, porque quando o avião cai morre todo mundo. Ônibus é diferente", diz.

A gota d'água para Raiane foi em agosto. De passagem comprada para visitar uma sobrinha na Irlanda, desistiu da viagem quando já estava no aeroporto de Guarulhos, prestes a embarcar. "Voltei para casa bem frustrada e triste", afirma a arquiteta.

Comprou outra passagem e fez a viagem duas semanas depois, acompanhada de uma irmã. Com uma pessoa de confiança, até consegue colocar um pouco do medo de lado e viajar, ainda que sempre nervosa, diz.

Raiane conta que a ansiedade é o principal problema. "Se você me disser que eu tenho que estar no aeroporto em uma hora, vou sem pensar muito, sem sofrer. Mas se a gente planeja uma viagem por um mês, fica falando nisso, a ansiedade cresce e pode saber que eu vou desistir um dia antes", conta.

"Muitas coisas deixo de fazer por conta disso", afirma Raiane, que diz tratar a questão com seu psicólogo.

Quando precisa voar, seja a trabalho ou a distâncias realmente impraticáveis ao nível do solo, traça estratégias para se distrair: procura conversar com estranhos e dá preferência a companhias que possuam televisão a bordo.

Mas já tentou de tudo: de livros (desistiu, por não conseguir se concentrar) a remédios para dormir (que não fizeram efeito, segundo ela).

A arquiteta evita ao máximo viajar por empresas que, nas televisões, mostram onde a aeronave está, a altura do avião e quanto tempo ainda resta de viagem.

"Vejo o avião naquela telinha ali e só piora as coisas. Não sei porque colocam", conclui.

*

DICAS PARA PERDER O MEDO DE VOAR

Informe-se
Busque informações sobre segurança aérea

Respire e medite
Exercícios de respiração e concentração aliviam a tensão

Evite álcool e automedicação
Bebidas ou remédios podem causar efeitos colaterais

Vá com amigos
Tente viajar com pessoas de confiança e, no início, procure fazer trajetos mais curtos

Distraia-se
No avião, busque ler, ouvir música ou assistir a filmes

Busque ajuda profissional
Se o medo restringir o convívio social e gerar angústia, procure um tratamento psicológico

Fontes: Rosana Bohrer (Instituto Condor) e Cristiano Nabuco (Polaris)

Tragédia em voo da Chapecoense


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