Folha de S. Paulo


Caos silencioso domina local da queda do avião da Chapecoense na Colômbia

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São hortênsias, flores cultivadas na região e vistas em todo o caminho até ali, que enfeitam o santuário improvisado no lugar da tragédia.

Estão ao lado de cartazes com fotos de parentes de jogadores da Chapecoense e a mensagem: "Seja campeão por eles". Num arbusto seco, foi pendurada uma camiseta do time catarinense.

A maior parte da fuselagem do Avro RJ85 está retorcida no vale entre montanhas, assim como o trem de pouso dianteiro do avião. A cauda ficou num morro acima, indicando que a aeronave se chocou com o solo pela traseira.

À primeira vista, é impossível distinguir com clareza os objetos, tornados uma maçaroca confusa misturada à mata destroçada.

Logo se avistam poltronas, pneu, partes do painel, uma garrafa térmica laranja. Arrancada da terra quase por completo, a raiz da maior árvore derrubada se assemelha a um cocar improvável. Funcionários da Aeronáutica e da agência de aviação civil colombianas vasculham o que resta.

Dois dias depois da queda do avião da Chapecoense, que deixou 71 mortos, a reportagem da Folha esteve no local do desastre, na tarde desta quinta-feira (1º), entre as montanhas de Cerro Gordo, município de La Unión, a 50 km de Medellín, na Colômbia.

Para chegar ao local, são 8 km de estrada de terra a partir de La Unión, percorridos somente com carros 4x4 em cerca de meia hora. O caminho é salpicado por plantações de hortênsias, morango, feijão, batata e cenoura. Cruza-se com uma capela que exibe uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe ao lado de um cartaz com escudos da Chapecoense e do Atlético Nacional e mensagens de luto.

Num canto da estradinha, o motorista mostra um buraco no mato. "Ali caiu um cavalo assustado com a queda do avião", narra. Impossível e inútil procurar saber se é verdade, pois a lenda já está instalada em toda a região.

Para-se numa base vigiada por soldados e tem-se de se andar mais 1 km à frente, num percurso de mais 30 minutos, parte numa trilha em mato fechado.

A todo instante aviões cruzam nossas cabeças. A 500 m do local dos destroços, há uma base da Aeronáutica, com uma torre e um VOR, equipamento aeronáutico de auxílio a navegação. É uma estrutura circular com vários objetos que parecem abajures, lembrando uma pirâmide alienígena, a 2.700 m de altitude.

Nessa base estava Nelson Henrique Castrillón, superintendente da Polícia Nacional colombiana, um dos primeiros a fazerem o resgate.

Ele relata: "Chovia muito e havia muita neblina. Eram 10h20 da noite, quando a torre do aeroporto primeiro nos avisou do sumiço do avião e, dez minutos depois, da queda. Saímos num pequeno grupo pelo mato e logo vimos uma luz de celular e então um grito em espanhol: 'Ayuda'. Era de Erwin [o técnico aeronáutico boliviano que sobreviveu]. Quase todos estavam atados aos cintos, mas Jackson [jogador sobrevivente] não. Ele me disse: 'Não me deixe morrer, tenho 24 anos'".

TRILHA PELO MATO

Depois da base aeronáutica, só a trilha pelo mato. No trajeto até os destroços, os pés afundam na lama escura que encharca a montanha.

Do vale, subindo outro morro, surge um retrato mais nítido. Ao lado de uma das turbinas, há várias malas destruídas, uma embalagem de perfume francês Paco Rabanne, mais cartazes da Chapecoense e uma bíblia aberta. "Vinha no avião. Está escrita em brasileiro", diz um soldado, fuzil a tiracolo.

Estamos, os repórteres da Folha, a 5 metros de tudo, e homens de um grupo especial da Polícia Nacional colombiana nos impedem de entrar no teatro de operações, isolado por fitas amarelas.

Outro soldado me chama num canto, saca seu celular e mostra vídeos de helicópteros resgatando corpos das vítimas. Logo depois, afirma em tom confessional: "Tenho um cartão de identificação de um colega de vocês. Tem o mesmo nome que eu".

Tira do bolso um crachá funcional de Giovane Klein Victoria, repórter da RBS TV em Chapecó morto no acidente. Está parcialmente queimado. Pergunto o que ele pretende fazer com o objeto e digo que deveria ser entregue à família. O soldado Giovani nos entrega o crachá, que será encaminhado à família do jornalista.

Parece ser um rara memória pessoal que sobrou no local. Todos os corpos e sobreviventes foram retirados, assim como boa parte dos objetos.

Restam ali a força aterradora da tragédia e o caos silencioso do vale de Cerro Gordo.

Acidente em voo da Chapecoense


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