Folha de S. Paulo


Áudio e Aeronáutica colombiana reforçam tese de pane seca em voo

O diálogo gravado entre uma controladora de voo colombiana e o piloto que transportava o time da Chapecoense reforçou a hipótese de que a aeronave da empresa boliviana LaMia sofreu pane seca antes de cair e matar 71 pessoas na aproximação do aeroporto de Medellín.

A provável influência da falta de combustível na tragédia foi reforçada ainda por autoridades do setor aéreo da Colômbia, para quem já é possível afirmar "claramente" que o tanque do avião estava vazio no momento em que houve o impacto no chão.

"Senhorita, LaMia 933 está em falha total, falha elétrica total, sem combustível", afirmou o piloto boliviano Miguel Quiroga, exaltado, segundo o áudio divulgado pela RadioBlu, da Colômbia.

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A resposta que vem do controle de tráfego aéreo é imediata: "Pista livre, esperando chuva sobre a superfície LaMia 933, bombeiros alertados". Logo depois o piloto pede ajuda para se orientar, mas, quando a torre pergunta a posição do avião, não há resposta. Antes, a última palavra audível do piloto é "Jesus".

Entre os 71 mortos da tragédia, a maior do esporte brasileiro, na madrugada de terça-feira (29), estão 19 jogadores, 24 membros da delegação e 20 jornalistas.

Sobreviveram dois tripulantes, três jogadores e um jornalista que acompanhava a delegação do time catarinense, que faria o jogo mais importante da sua história.

O time enfrentaria o Atlético Nacional de Medellín nesta quarta (30), na final da Copa Sul-Americana. A tragédia causou comoção mundial.

Um representante da Aeronáutica colombiana disse que as condições meteorológicas do aeroporto "eram ótimas para pousar", mas que, em caso de imprevisto, o avião da Chapecoense deveria ter ido para Bogotá, segundo o plano de voo. Ele não tinha, porém, combustível para isso.

Tragédia com voo do Chapecoense

O mais provável, segundo especialistas em aviação, é que a pane seca tenha provocado ainda falha elétrica.

A comissária que sobreviveu ao acidente disse em Medellín que o avião ficou às escuras por alguns instantes antes de ocorrer a queda.

Vários fatores podem ter causado a pane seca. Um deles está relacionado com a autonomia do Avro RJ 85.

Segundo informações da LaMia, a aeronave que caiu poderia voar até 2.965 km com os tanques cheios. Essa distância pode variar um pouco dependendo das condições de vento e do peso total da aeronave. A rota que o avião fazia tinha 2.940 km.

Um plano de voo seguro, pelas regras da Bolívia, prevê que o piloto deva ter combustível para chegar a um aeroporto alternativo ao do seu destino previamente definido e voar mais 45 minutos.

Diretores da empresa admitiram que a distância que o avião deveria percorrer estava no limite. Mas eles descartaram falha humana.

Os responsáveis pela LaMia ainda disseram que havia um plano de voo para uma parada de reabastecimento em Bogotá. E, se ela não foi feita, é porque a tripulação percebeu que havia segurança para ir ao destino.

Vários outros problemas poderiam ter causado a pane seca, dizem os especialistas.

Pode ter ocorrido algum tipo de vazamento de combustível ou até mesmo alguma falha nos instrumentos de navegação. Ou, ainda, o combustível ser de baixa qualidade.

Por estar voando no limite da sua autonomia, como admitiu os diretores da LaMia, a entrada de um "avião intruso" na rota de aproximação para a pista de Rionegro (cidade ao lado de Medellín), praticamente no mesmo momento que o avião da Chapecoense chegava, também passa a ser importante para a reconstituição do acidente.

Uma aeronave da Viva Colombia, que estava subindo de Bogotá para o Caribe, retornou para Medellín depois que um sinal de vazamento de combustível soou na cabine. Ao comunicar o problema, o comandante colombiano teve prioridade para descer.

Neste momento, o avião conduzido por Quiroga ficou na terceira posição para o pouso, logo atrás de um voo da Avianca. Foi então que ele perguntou quanto tempo ele ainda ficaria no ar. Instantes depois começou o diálogo exaltado entre ele e a torre.

O comandante da LaMia, de 36 anos, é também um dos donos da empresa. Especialistas avaliam que isso pode gerar conflito de interesses.

Paradas para reabastecimento, ou um pedido de emergência por falta de combustível, normalmente envolve multas e penalizações.

Quiroga é casado com Daniela Pinto, filha do ex-senador boliviano Roger Pinto, que já se exilou no Brasil. O pai de Miguel também era piloto.

Micky Quiroga, como era conhecido, era da Força Aérea da Bolívia, antes de começar a atuar na aviação civil.

A expectativa é terminar a identificação dos corpos nesta quinta (1º). Eles devem chegar ao Brasil até sexta (2).

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COMUNICAÇÃO ENTRE PILOTO E TORRE DE COMANDO DO AEROPORTO DE MEDELLÍN

Piloto LaMia: Em aproximação e solicitando prioridade para a aproximação. Estamos com um problema de combustível.

Torre de controle: Solicita a prioridade para aterrissagem com problemas de combustível. Então lhe darei vetores [direcionamento] para localizador, para iniciar aproximação em aproximadamente sete minutos.

Piloto Avianca: É possível continuar nosso distanciamento cinco milhas mais, até as 15 mil.

Torre de controle: Não capitão, necessito que inicie a aproximação já. A aeronave adiante de você está a uma milha.

[Controladora de voo do aeroporto de Medellín organiza a aproximação e aterrissagem de duas aeronaves. Uma delas é a em que estava a delegação da Chapecoense, identificado como piloto da companhia LaMia. O outro voo é da companhia Avianca, da Colômbia.]

Piloto LaMia: Tenho uma emergência de combustível, por isso peço curso final.

Piloto Avianca: Iniciando aproximação agora

Piloto LaMia: Solicito decisão imediata

Torre de controle: Avianca Colômbia cancele a autorização de aproximação, vire para a sua esquerda com rumo 0-1-0 agora [código que identifica ângulo para direcionar aeronave].

Torre de controle: LaMia, pode agora efetuar a virada para a direita para iniciar a descida, tenha os trânsitos a uma milha para abaixo de vocês.

[Controladora de voo orienta que voo da Chapecoense tenha prioridade para pousar]

Piloto LaMia: Senhorita, LaMia 933 está em falha total, falha elétrica total, sem combustível.

Torre de controle: Pista livre e espere chuva sobre a superfície LaMia 933, bombeiros alertados.

Piloto LaMia: Vetores senhorita, vetores na pista

Torre de controle: O sinal do radar se perdeu, não tenho, notifique rumo agora.

Piloto LaMia: Estamos com rumo 3-6-0, com rumo 3-6-0

Torre de controle: Vire pela esquerda 0-1-0 proceder ao localizador de bordo Rionegro uma milha a frente del Bora [ponto de referência em relação à pista de Medellín]

Piloto LaMia: A esquerda 3-5-0, senhorita

Torre de controle: Sim, correto. Você está a uma milha do bordo Rionegro [ponto de referência]

Torre de controle: Não tenho a altitude LaMia 933

Piloto LaMia: 9 mil pés, senhorita

Piloto LaMia: vetores, vetores

[Piloto pede uma rota direta até o aeroporto, sem que tenha que passar pelo ponto de referência indicado pela controladora.]

Torre de controle: Vocês estão a 8,2 milhas da pista

Torre de controle: Que altitude tem agora?

Piloto LaMia: Jesus

Torre de controle: LaMia 933 posição?

[A partir deste momento, a torre de Medellín perde o contato com o voo da Chapecoense]

Chamada - acidente Chapecoense


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