Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Luto de tragédia lembra dor de chorarmos nossas próprias perdas

O Brasil vive desde as primeiras horas desta terça-feira (29) um sentimento de luto coletivo em razão da tragédia com o time catarinense da Chapecoense.

A morte de pessoas conhecidas e admiradas pelo público faz com que soframos, não apenas com o acidente em si, mas também com perdas pessoais anteriores.

É como se pegássemos carona ou emprestássemos um pouco da dor do luto coletivo para chorar as nossas próprias dores. Por que precisamos disso? Porque muitas vezes não nos permitimos sentir e viver nossas perdas quando elas acontecem.

Nossa cultura ainda encara sentimentos de tristeza como sinônimos de fraqueza, o que leva muita gente a esconder suas emoções, a achar que foram superadas, quando, na realidade, só foram jogadas para debaixo do tapete. Isso é um prato cheio para as doenças psicossomáticas, segundo estudos na área da psicologia.

Também há uma identificação com essas mortes porque tendemos a nos colocar naquela situação. Quem durante um voo já não pensou: e se esse avião cair?

Psicólogos dizem que esse tipo de tragédia, que mobiliza milhões, pode deixar as pessoas mais vulneráveis a certos transtornos psiquiátricos, como depressão e crises de ansiedade.

Tragédia da Chapecoense
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Destroços de acidente na Colômbia

Sobreviventes de acidentes ou os que perderam alguém nessas situações podem sofrer efeitos ainda mais intensos. Por exemplo, reviver a sensação de medo, de impotência, da impossibilidade total de fazer algo.

Por isso, é importante neste momento falar sobre o luto, enfrentar os esqueletos que, por ventura, estejam trancafiados nos armários internos. E, se necessário, procurar ajuda profissional.

Por se tratar de um acidente aéreo envolvendo jovens idealistas, de um time que vivia uma história de ascensão e glória, essa tragédia traz um um ingrediente a mais, um sentimento de frustração pelos sonhos não realizados.

DESAMPARO

O ex-jogador Falcão soube traduzir bem isso. "A tragédia em si é muito forte. Ali não morrem só as pessoas, morrem sonhos", disse ele.

Um dos fundadores da Chapecoense, Alvadir Pelisser, que se recupera de um AVC, reforça esse sentimento. "Essa tragédia acaba com o sonho de todo mundo."

Nas redes sociais, esse desamparo ficou evidente. "Estou me sentindo como um grão de areia nessa praia chamada vida", disse um amigo. "A vida não vale nada mesmo", escreveu outro.

Mas também houve quem enxergasse beleza nos gestos solidários que emanaram da dor coletiva resultante da tragédia na Colômbia com o avião da Chapecoense. "Um dia como hoje te esmaga, mas também arrepia", resumiu um terceiro amigo.

Ele está certo. O luto coletivo é também mobilizador. Ele possibilita os gestos de voluntarismo que emocionam, como o do time colombiano Atlético Nacional, com quem a Chapecoense disputaria nesta quarta-feira (30) a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, que solicitou à Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) que a equipe catarinense seja declarada campeã da competição deste ano.

Por mais difícil que seja, essa vivência do luto coletivo tem uma função terapêutica nas nossas vidas. Nos faz olhar para os nossos vazios interiores e a compreender que alguns serão mesmo impossíveis de preencher.

Ela também nos leva a pensar sobre como podemos reorganizar a rotina de modo a viver os dias com mais plenitude. Com os pés no presente, não na nostalgia do passado e nem na incerteza do futuro. Um dia de cada vez.

Acidente em voo da Chapecoense


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