Folha de S. Paulo


Troca de e-mails indica fraude para antecipar incentivos do Itaquerão

Uma troca de e-mails de 2015 à qual a Folha teve acesso aponta indícios de fraude do Corinthians e da Odebrecht no diário de obras do estádio em Itaquera para tentar antecipar o recebimento dos incentivos fiscais da Prefeitura de São Paulo.

Em 30 de julho de 2011, a prefeitura aprovou o repasse dos Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs) para a arena alvinegra, com a condição de que ela fosse sede do jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014.

Em formato de papéis financeiros, os descontos em impostos eram emitidos de acordo com a evolução das obras. O fundo formado para construir o estádio poderia depois vender esses créditos, com certo deságio, para empresas interessadas.

Além de um boletim de medição elaborado pela Odebrecht, a prefeitura também fiscalizava se os avanços eram condizentes.

Troca de e-mails

Em dezembro de 2013, quando o estádio ainda tinha o custo inicial previsto de R$ 820 milhões, a construtora e o clube atestavam que não havia mais "nenhuma obra a ser realizada". Em agosto de 2014, quando o valor subiu para R$ 985 milhões, mais uma vez o boletim atestou que não havia mais "nenhuma obra a ser realizada".

Em setembro de 2015, a Odebrecht confirmou em nota enviada à Folha que as obras, na verdade, só acabaram no ano passado.

Os e-mails obtidos pela reportagem, com data de 25 de agosto de 2015, mostram que houve uma manobra da construtora com o clube para dar as obras como adiantadas com o objetivo de receber antes os incentivos da prefeitura paulistana.

MAIS SOBRE ARENA CORINTHIANS

"Foi uma decisão de cotistas, por necessidade direta na emissão dos CIDs", afirmou Ricardo Corregio, engenheiro da Odebrecht responsável pela construção, em uma das mensagens eletrônicas às quais a Folha teve acesso.

Ele respondeu a uma pergunta do então gerente da arena, Nilton Leão, sobre o motivo de a medição de 2014 não representar a realidade dos trabalhos naquele ano.

O presidente do Corinthians no momento em que a medição foi assinada era Mario Gobbi.

Nas trocas de mensagens de 2015, o presidente corintiano Roberto de Andrade e o ex-presidente Andrés Sanchez estão copiados —ambos chamados de "presidente" pelo engenheiro.

Além de ex-presidente, Sanchez foi o responsável pelo estádio durante toda a sua construção.

Mesmo sem cargo oficial, continua sendo o número 1 da arena ainda hoje.

O documento que dá a arena como 100% concluída tem a assinatura de Antônio Roberto Gavioli, diretor de contrato da empreiteira.

Ernesto Rodrigues/Folhapress
São Paulo - SP - Brasil - 06/02/20145- TREINO CORINTHIANS Treino do Corinthians realizado no CT Joaquim Grava, zona leste da capital paulista, preparativos para o classico contra o Palmeiras no proximo domingo, valido pelo campeonato paulista 2015, na foto pres. Mario Gobbi.( Foto Ernesto Rodrigues/Folhapress/ESPORTE.)
Ex-presidente do Corinthians, Mário Gobbi, durante entrevista coletiva

TROCA DE E-MAILS

Um e-mail enviado por Nilton Leão ao engenheiro Ricardo Corregio questionou a situação: "01) Pelo que vejo, naquela data [2014] estávamos longe de completar a obra e o saldo de obra a executar consta no Boletim como ZERO. É isto mesmo?".

A resposta chegou horas depois: "Correto, é isto mesmo. Alinhado com Clube. Te explico pessoalmente para qual necessidade. Obs: Isso refere-se a medição/fatura emitida e NÃO a pagamentos!!", escreveu Corregio, ressaltando que a empreiteira não havia recebido por aquilo que tinha sido já faturado.

Até hoje, dois anos e meio depois da inauguração, ainda se discute se o estádio foi concluído conforme o projeto. Uma auditoria ocorre está em andamento para investigar o que deixou de ser feito pela Odebrecht.
As trocas de mensagens seguintes se sucederam com um bate-boca.

Para uma das respostas, o engenheiro retirou algumas pessoas que estavam copiadas, entre elas Anibal Coutinho, arquiteto do estádio, e Guilherme Molina, advogado e da família do amigo de infância do ex-presidente Andrés Sanchez.

"Se eu incluo pessoas em um e-mail desta importância é porque não tenho problemas, e desejo, que as respostas fluam de forma clara, direta e transparente para todos ao mesmo tempo. Peço que, por favor, não repita atitudes pouco profissionais como esta, pois caso contrário continuaremos a encontrar dificuldades para resolver nossos problemas", escreveu Nilton Leão.

Em seguida, Corregio responde afirmando que o episódio "foi uma decisão de cotistas, por necessidade direta na emissão dos CIDs!". "E eu considerei, neste caso, ser OBRIGAÇÃO de reservar a informação ao Clube e BRL. Agora, se você quiser passar a informação adiante, seja pra quem for, fique à vontade. Não se sinta ofendido, magoado ou chateado. Você é um profissional gabaritado, competente e sabedor que alguns assuntos devem ser tratados de forma reservada", afirmou o engenheiro.

OUTRO LADO

Em resposta à Folha, a Odebrecht afirmou que ter emitido o boletim de término da construção da arena Corinthians em 2014 antes do fim efetivo das obras "não trouxe benefícios e/ou prejuízos às partes envolvidas".

A empresa nega que tenha havido fraude ou tentativa de antecipar os CIDs.

"A 'necessidade direta na emissão dos CIDs', citada no e-mail, refere-se ao fato do investimento necessário para emissão dos R$ 420 milhões de CIDs já haver sido atingido antes mesmo da Copa 2014, de forma que o acompanhamento mensal não se fazia mais necessário. E o fato de estar 'alinhada com o clube', refere-se à proximidade da conclusão dos trabalhos, previsto no quinto aditivo para dezembro de 2014, ou seja, faltando apenas 4 meses do prazo contratual", diz a construtora.

A Odebrecht ainda aponta que os pagamentos que deveria receber do Corinthians não seguiram o previsto por falta de dinheiro.

"Apesar dos comprovados avanços físicos mensais (atestados por pareceres independentes) e a correspondente emissão dos Boletins de Medição, os pagamentos não seguiram o previsto por insuficiência de recursos do Contratante. Em julho de 2014, por exemplo, o avanço comprovado do investimento na obra estava em R$ 898 milhões e a CNO havia recebido R$ 580 milhões, ou seja, R$ 318 milhões a menos do que o previsto, com claro comprometimento do fluxo de caixa da construtora".

"Não houve uma relação direta entre emissão dos boletins de medição (e de faturas) e os efetivos recebimentos. Isso demonstra ter havido um claro descompasso entre os avanços físico e financeiro da obra", diz.

PREFEITURA

A Prefeitura, por sua vez, afirmou que as emissões seguiram rigorosamente a lei.

Até o momento, apenas R$ 38,7 milhões (menos de 10%) dos títulos foram utilizados.

"Quanto às investigações, a Prefeitura acompanha o seu desenrolar em uma zona de segurança absoluta, em função do fato, já mencionado, de que a utilização de CIDs está muito aquém das menores estimativas de custo do estádio. Na hipótese de a Arena ter custado menos de R$ 700 milhões, a Prefeitura, amparada na lei anti-corrupção pode suspender os títulos imediatamente", afirma.

CORINTHIANS

O presidente Roberto de Andrade não se manifestou. O ex-presidente Mario Gobbi, por sua vez, respondeu por uma nota: "O representante do Corinthians no Fundo e Gestor da Arena sempre foi, desde o nascedouro, o presidente Andrés Sanchez, que sempre cuidou de tudo na Arena. Ele foi o criador, o gestor, o pai, o inventor, enfim, o administrador do projeto Arena Corinthians. O fato é público e notório, de conhecimento de todos".
Nilton Leão confirma que mandou os e-mails, mas diz que não se pronunciará.

Sanchez diz que "recebe muitos e-mails, não dá conta de ver todos e que, por isso, existe um departamento jurídico". Ele afirmou ainda que "este assunto de CIDs, foi acompanhado e orientado pelos [departamentos] jurídicos do BRL Trust, Odebrecht, Corinthians e Machado Meyer. Nunca colocaram qualquer ilegalidade a nós do Clube".

Confira a nota da Odebrecht na íntegra:

Esclarecimento à Folha de S.Paulo

O contrato entre Clube e CNO para a construção da Arena Corinthians foi celebrado em setembro de 2011. Posteriormente, em maio de 2014, foi assinado o quinto aditivo, que limitou o valor máximo da obra em R$ 985 milhões.

Durante os quatro anos de obra, apesar dos comprovados avanços físicos mensais (atestados por pareceres independentes) e a correspondente emissão dos Boletins de Medição, os pagamentos não seguiram o previsto por insuficiência de recursos do Contratante.

Em julho de 2014, por exemplo, o avanço comprovado do investimento na obra estava em R$ 898 milhões e a CNO havia recebido R$ 580 milhões, ou seja, R$ 318 milhões a menos do que o previsto, com claro comprometimento do fluxo de caixa da construtora.

Sendo assim, lamentavelmente, não houve uma relação direta entre emissão dos boletins de medição (e de faturas) e os efetivos recebimentos. Isso demonstra ter havido um claro descompasso entre os avanços físico e financeiro da obra.

Para efeito de emissão dos CIDs, a emissão do último boletim de medição em agosto de 2014 não afetou em nada o processo, que sempre foi legitimado pela análise prévia dos diversos órgãos envolvidos. O fato de emitir o último boletim nesta data não trouxe benefícios e/ou prejuízos às partes envolvidas.

Nessa época, pouco depois da Copa 2014, o investimento da CNO já superava o máximo previsto no decreto municipal 52.871. O decreto autorizava um valor máximo de incentivo correspondente a 60% do investimento, limitado a R$ 420 milhões - e R$ 420 milhões correspondem a 60% de R$ 700 milhões, valor que já havia sido superado. Os relatórios das empresas que fiscalizavam a execução das obras podem claramente comprovar este fato e atestar a lisura do processo.

O mais importante a ressaltar é que o decreto que regulamentou os CIDs estabelecia que "O investidor poderá solicitar a emissão dos CID após a conclusão de cada etapa constante no projeto aprovado", ou seja, as emissões eram parciais ao longo do empreendimento sem qualquer relação com a conclusão do mesmo. Ainda segundo o decreto, apenas a utilização dos CIDs como meio de pagamento de impostos municipais dependia da emissão "do Termo de Conclusão de Investimento e de Liberação do Uso do CID" e o "prazo máximo para o Comitê emitir o Termo de Conclusão do Investimento e de Liberação do Uso do CID acima referido é de 30 (trinta) dias após a realização da partida de abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no estádio" - o que efetivamente ocorreu, dando efetiva validade aos títulos já emitidos.

A 'necessidade direta na emissão dos CIDs', citada no e-mail, refere-se ao fato do investimento necessário para emissão dos R$ 420 milhões de CIDs, já haver sido atingido antes mesmo da Copa 2014, de forma que o acompanhamento mensal não se fazia mais necessário. E o fato de estar 'alinhada com o clube', refere-se à proximidade da conclusão dos trabalhos, previsto no quinto aditivo para dezembro de 2014, ou seja, faltando apenas 4 meses do prazo contratual."

Por fim, os CIDs estão sendo comercializados no mercado, sendo que até a presente data já foram utilizados em torno de R$ 40 milhões.


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