Folha de S. Paulo


Robson encurta férias após ouro na Rio-16 por estreia como profissional

As merecidas férias de campeão olímpico a que Robson Conceição, 28, tem direito são gozadas em uma abafada academia na periferia de sua cidade natal, Salvador.

Não há glamour algum enquanto o suor escorre incessantemente em seu 1,71 m durante as duas horas de atividades pela manhã em uma semana em que os termômetros não deram qualquer clemência —máximas de 31ºC.

O único boxeador brasileiro a conquistar um ouro em Jogos Olímpicos golpeia sacos, treina luva, pula corda.

No instante seguinte, sobe ao ringue e movimenta-se alternando esquivas e socos contra o vazio, como se guiado pelo mantra de seu ídolo, Muhammad Ali (1942-2016): voe como uma borboleta e ferroe como uma abelha.

O devaneio é interrompido ao comando do técnico Luiz Dórea, proprietário do estabelecimento e quem dá o rumo da carreira de Robson.

Dórea, cujo pupilo mais famoso foi Popó, tetracampeão mundial nos 1990 e 2000, quer que Robson passe a carregar o mesmo título que deu à sua academia: Champion.

Pouco mais de dois meses depois de derrotar o francês Soufiane Oumiha no pavilhão 6 do Riocentro para subir ao topo do pódio olímpico do peso leve (até 60 kg), Robson entra na contagem final de sua preparação para a estreia no boxe profissional.

No próximo sábado (5), ele enfrentará o norte-americano Clay Burns, 29, no Thomas & Mack Center, em Las Vegas, nos Estados Unidos. O adversário apresenta um cartel modesto com quatro vitórias, dois empates e duas derrotas.

O combate é válido pelos super-penas (até 59 kg), terá seis rounds de duração e será o primeiro compromisso do baiano na meca do boxe.

Não vale qualquer título e, por razões contratuais, o estafe do brasileiro não divulga a bolsa que lhe será paga.

Sua luta será preliminar do combate entre o filipino Manny Pacquiao, um dos grandes nomes do esporte internacionalmente, e Jessie Vargas.

Desde que anunciou seu contrato de cinco anos com a promotora Top Rank, no início de setembro, Robson já tem se programado para disputar seis lutas por temporada. A segunda aparição deverá ocorrer em março.

Apesar do começo contra um oponente pouco expressivo, Robson reconhece que o projeto é ambicioso. "Nós estamos trabalhando para lutar por cinturões mundiais."

O baiano é conhecido por ser agressivo, com golpes retos e rápidos. O estilo no ringue contamina seu discurso.

"Eu quero chegar ao patamar de um Popó, de um Eder [Jofre]. É a lei da superação. Eu e minha equipe trabalhamos para que daqui a um ano e meio lute por um título mundial. Quero entrar para o hall da fama do boxe", disse, em entrevista à Folha, ao fim de um treino na terça (25).

Sem dúvida uma caminhada longa, mas Robson afirmou ter os predicados para brilhar no meio profissional.

No fundo, o baiano acredita que seu estilo se enquadra melhor ao novo desafio do que à modalidade olímpica -que tem três rounds com três minutos cada um.

Robson e Dórea não planejam disputar competições do boxe olímpico. Assim, uma eventual participação nos Jogos de Tóquio-2020, onde ele poderia defender seu título, por ora está descartada.

Uma reviravolta, porém, ainda é possível. Profissionais podem participar da Olimpíada, o que não era permitido até 2016, depois que a associação internacional de boxe amador, a AIBA, flexibilizou regras.

"Agora terei mais tempo de luta para buscar o nocaute e não só pontos", comentou.

Como as lutas têm meses de intervalo, também há possibilidade de estudar mais os oponentes. No formato amador, os torneios se desenrolam geralmente em duas semanas, com combates em dias no mínimo intercalados.

Nestes dias que antecedem sua estreia, Robson fará atividades de "manutenção", para não perder ritmo, e se dedicará a analisar Burns.

A diminuição na frequência também será importante para ajudá-lo a domar um outro adversário encardido, que o acompanha por onde vai.

Devido às dores nas costas, ele usa uma cinta que lhe alivia o incômodo. Praticamente só a tira para os treinos.

"Atleta sem dor não é um atleta. É preciso superar os adversários em cima do ringue e embaixo do ringue, mas está melhor do que na Olimpíada", comemorou.

Por uma dessas ironias da vida, o campeão olímpico, supostamente a maior de todas as distinções, caminhará rumo a um terreno incógnito.

Para dissipar qualquer receio ele repete que, mesmo perante quase 19 mil pessoas no ginásio, lutará por apenas um motivo: a filha Sofia, 2, que não estará no local.

"Como pai, luto para dar um futuro melhor para ela, uma infância melhor."

"Estou pronto para dar um show", brincou o lutador.

RAIO-X
Robson Conceição

NASCIMENTO: 25 de outubro de 1988 (28 anos), em Salvador (BA)

FAMÍLIA: Casado com a boxeadora Érica Matos, primeira brasileira a lutar em uma Olimpíada (Londres-2012). Têm uma filha, Sophia

ALTURA/PESO: 1,75 m/60 kg

TÉCNICO: Luiz Dórea

PRINCIPAIS CONQUISTAS: Prata no Panamericano de Guadalajara (2011) e ouro nos Jogos Olímpicos do Rio

PIONEIRO: É o primeiro e, por enquanto, único boxeador brasileiro a ser campeão olímpico


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