Folha de S. Paulo


Morte não cancela feijoada, que tem homenagem a Carlinhos, o Capita

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 26/10/2016; .Amigos pessoais do capitao da selecao brasileiro de 1970, Carlos Alberto Torres , se reunem apos enterro em local onde planejavam fazer uma feijoada em homenagem a Carlos, que faleceu um dia antes da festa. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Amigos de Carlos Alberto Torres em encontro na zona norte do Rio

Carlos Alberto Torres tinha um compromisso marcado para a tarde desta quinta (27) que só mesmo uma morte inesperada poderia frustrar.

No quintal da casa do sambista Luiz Carlos da Vila (1949-2008) —na travessa da Amizade, Vila da Penha, zona norte do Rio—, ele se encontraria com um grupo de 30 amigos de infância para um daqueles típicos almoços suburbanos, onde o papo e a cerveja parecem infindáveis.

A pedido do Capita —que os amigos só chamavam de Carlinhos—, o cardápio teria feijoada no lugar da tradicional rabada. A morte do ex-capitão da seleção, na terça (25), privou o encontro de sua presença, mas não de sua lembrança.

"Lá na Barra, onde ele morava, não tinha contato com as pessoas. Ele gostava disso, vinha pra cá, batia papo com os amigos, relembrava os velhos tempos", diz Jane Pereira, 56, viúva de Luiz Carlos da Vila e dona do quintal onde o grupo se reúne a cada três meses.

Ela e os demais descrevem o ex-jogador como "gentil, um amor de pessoa", mas também um homem "de personalidade fortíssima".

"Era um cara estourado. Se fizesse um malfeito, uma covardia perto dele, ele chiava para caramba", diz Arthur Cláudio, 73, um dos que o conheciam desde a infância.

Os locais ligados ao filho pródigo do bairro são conhecidos por todos: a casa de seus pais no Largo do Bicão, hoje substituída por um Itaú; a praça que foi reformada em sua homenagem no ano do tri, 1970, e cuja inauguração contou com sua presença.

Há também uma casa de esquina para onde ele se mudou após sair do lar da família e que depois passou para sua filha, Andréa.

Em frente a ela ficava o lendário campo do Ipiranga, onde o futuro lateral-direito deu seus primeiros chutes.

"Ele começou a jogar futebol no Ipiranga Futebol Clube. Mas não se formou aqui, era só peladeiro", diz Manoel Domingos, 73, um dos ex-vizinhos que jogava bola ali.

O antigo campo de terra, que tinha dimensões oficiais e ocupava toda uma quadra, não existe mais. No espaço agora ficam uma escola municipal e a praça Paulo Setúbal, point da vizinhança.

Ela abriga um campo de futebol society com grama artificial –onde é "proibido falar palavrão", segundo a placa na entrada–, uma quadra de cimento, uma área infantil e outra para idosos.

Há também nove quiosques dispostos nas margens da praça. Foi num deles, o do Beto, que o Capita celebrou seus 70 anos com uma feijoada para os amigos, registrada em programa de TV que todos citam com orgulho.

"[A gravação] Foi de 11h até 15h30, todo mundo falando, e ele foi citando um por um: aquele ali fez isso, aquele outro fez isso. Foi um reconhecimento", diz Walter Mattos, 79, reconhecido como o motorista de lotação que deixava Carlos Alberto viajar sem pagar, para ir aos treinos.

Igualmente conhecidos e bem falados na vizinhança são os demais irmãos Torres, cujas mortes também são lembradas com consternação.

Carlos Roberto, o Betinho, gêmeo do capitão, morreu exatamente um mês antes do ex-jogador – teve uma hemorragia e passou um tempo internado, entrando em coma.

Já Zé Luiz, o mais velho, foi vítima de um acidente de carro em 1964. Há quem diga que era melhor jogador do que o irmão famoso —zagueiro central, passou pelo juvenil do Fluminense, onde Carlos Alberto começaria, mas não seguiu na carreira.

"Os caras têm mania de falar isso. Você já não ouviu que o irmão do Pelé jogava mais do que ele, que o Edu era melhor do que [seu irmão] Zico? Não tem como fazer comparação. O Carlos Alberto era unanimidade, era bom dentro e fora do campo", diz Arthur Cláudio.


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