Folha de S. Paulo


Torcida de time de beisebol na fila há 108 anos festeja ida a final nos EUA

Joe Robbins/AFP
CINCINNATI, OH - SEPTEMBER 30: Ben Zobrist #18 of the Chicago Cubs hits a two-run home run in the eighth inning against the Cincinnati Reds at Great American Ball Park on September 30, 2016 in Cincinnati, Ohio. Joe Robbins/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Ben Zobrist, jogador do Chicago Cubs, rebate a bola durante partida da MLB contra o Cincinnati Reds

O sol voltou a subir por sobre o Lago Michigan na manhã de domingo, mas ainda que o dia fosse claro e frio, o vento parecia ter parado na Windy City (Cidade do Vento). Até mesmo a bandeira com a letra W desfraldada por sobre a Tribune Tower, à margem do rio, pendia imóvel -como se ela também precisasse de uma pausa.

"Hoje foi o dia de acordar imaginando se tudo não passou de um sonho", disse Mark Peloquin, um dos sempre sofridos, mas hoje exultantes, torcedores do Chicago Cubs, que podem ter um ajuste psicológico a realizar agora que os Cubs avançaram para a World Series, a decisão do principal torneio de beisebol dos Estados Unidos, pela primeira vez desde 1945, graças a uma vitória por 5 a 0 sobre o Los Angeles Dodgers, na noite de sábado (22).

"Acho que isso vem de ser criado sempre na esperança, esperança, esperança", disse Peloquin. "E, por fim, a esperança é realizada. Quando você esperou a vida inteira por uma coisa e ela enfim acontece, você pensa sobre pessoas de seu passado que não tiveram a oportunidade de vivê-la -nossos pais, nossos avós."

Peloquin estava falando na tarde de domingo (23), que para muitos torcedores parecia servir como o começo de uma nova era. Alguns começaram o dia mais cedo que os demais. Quando o Wrigley Field, o estádio do time, enfim começou a se esvaziar, quase uma hora depois do jogo, a multidão de torcedores se espalhou pelos bares vizinhos. Policiais a cavalo estavam de vigia ao longo da rua Clark, e a festa se estendeu por toda a madrugada, e pelo menos um dos bares perto do estádio esgotou todo o seu estoque de cerveja.

Joan Schmitz e seu marido, John, estavam caminhando para casa pela avenida Addison, um percurso de três quilômetros. As ruas estavam lotadas, os carros buzinavam, as pessoas acenavam com as bandeiras do time, marcadas com a letra W, e famílias saíam às janelas batendo em panelas.

"As pessoas estavam caminhando de volta ao estádio, e nos diziam que a gente estava indo na direção errada", disse a terapeuta infantil Schmitz, 64. "Claro: eram pessoas de 20 anos."

A reação dos torcedores à vitória do sábado à noite -e suas implicações- foi em muitos casos determinada em linhas geracionais. Para pessoas cujo interesse pelos Cubs abarca os últimos 20 anos, a experiência não foi de todo ruim. Os Cubs chegaram aos playoffs seis vezes de 1998 para cá. Torcedores de safras mais antigas recordam a seca de 39 anos entre a última World Series disputada pelo time e os playoffs de 1984. Mas os dois grupos conhecem bem a dor da derrota -quer seja a vitória do Detroit no sétimo jogo da World Series de 1945, quer sejam os colapsos diante de San Diego, em 1984, e Florida Marlins, em 2003.

Jim Etter, 82, tem idade suficiente para recordar o último time dos Cubs a chegar à World Series. Ele recitou a escalação: Peanup Lowrey, Swish Nicholson, Stan Hack, Andy Pafko... e assim por diante. Etter estava em companhia do filho e do neto antes do jogo seis da série de playoffs contra os Dodgers, na noite de sábado.

Capelão em um hospital em Crown Point, Indiana, Etter acreditava nos Cubs.

"Kershaw não faz milagres", ele disse, em referência ao arremessador Clayton Kershaw, o astro dos Dodgers, que saiu derrotado naquela noite.

Otimismo dessa ordem, porém, é tão efêmero quanto o primeiro arremesso no Wrigley Field.

É por isso que os torcedores, mesmo diante de uma vantagem de 5 a 0 no placar, vaiaram na oitava entrada quando o treinador Joe Maddon se aproximou da posição de arremesso para ordenar a substituição do titular Kyle Hendricks, que havia permitido apenas duas rebatidas -uma no seu primeiro arremesso e outra no seu 88º, e último.

Pouquíssima gente deixou passar despercebido que a decisão de Maddon aconteceu no mesmo momento -quando restavam cinco rebatedores a eliminar no jogo seis da decisão da Liga Nacional- em que, em 2003, Luis Castillo, dos Marlins, rebateu uma bola que um torcedor dos Cubs, Steve Bartman, tentou apanhar, acreditando que ela já tivesse passado da linha que separa o campo das arquibancadas.

"Quando ele tirou Hendricks, todo mundo ficou espantado, e não entendeu o que ele estava fazendo", disse Peloquin. "Melhor não brincar com o destino."

Assim, quando Carlos Ruiz rebateu uma bola forte rumo ao left field, na nona entrada, para perto do lugar em que Bartman estava acomodado em 2003, ganhando uma base, o acontecido não passou despercebido.

"O torcedor dos Cubs vive com medo", disse Schmitz. "Estávamos cinco corridas à frente, e não os deixávamos marcar pontos. A vitória parecia garantida. Em outros jogos de playoffs, àquela altura todo mundo estaria se preparando para a festa, mas não acho que qualquer pessoa estivesse pensando nisso. Amo o fato de que ninguém tenha contado a vitória como garantida."

A família do proprietário, Tom Ricketts, que comprou os Cubs sete anos atrás, estava celebrando em campo com os jogadores, a comissão técnica, os funcionários e suas famílias, e ele disse que um dos momentos que permanecerão para ele foram as lágrimas de alegria de sua filha no final do jogo.

Ricketts, filho do homem que criou a corretora de ações TD Ameritrade, apaixonou-se pelos Cubs ao se mudar para Chicago, no final dos anos 80, e se tornar frequentador das arquibancadas. Como costuma fazer, Ricketts caminhou pelo estádio conversando com torcedores na noite de sábado. Talvez inspirado pela insensatez da vitória, ele prometeu fazer uma tatuagem de "W" se os Cubs vencerem a World Series.

"Houve uma época em que esse estádio era o mais bonito do beisebol. Era uma época na qual jogávamos uma World Series a cada dois anos, uma época na qual os Cubs eram uma equipe dominante, e não aquilo que o time se tornou nas décadas posteriores", disse Ricketts, em referência à era na qual os Cubs chegaram a dez decisões do título máximo do beisebol em 40 anos, vencendo duas vezes. "Acho que quero retornar àquela consistência, restaurar as glórias."

Para alguns torcedores, isso pode ser um pouco perturbador.

Raymond Fuller, 38, e seus três irmãos fizeram uma vaquinha para comprar um ingresso para a mãe, Kristine, enfermeira recentemente aposentada, para o jogo da noite de sábado. Os dois ingressos custaram US$ 1 mil (R$ 3,1 mil). Quando o jogo acabou, Fuller e a mãe viram a comemoração em campo, sem conversar muito. Fuller percebeu lágrimas escorrendo pelo rosto de sua mãe.

"Estou assustado", ele disse. "Durante minha vida toda, os Cubs nunca conseguiram chegar a esse ponto. Se o time vencer a World Series, ser torcedor dos Cubs vai mudar de significado, e confesso que não estou certo de que essa mudança seja para melhor. O rótulo de 'perdedor simpático', eu o odeio, mas quer dizer alguma coisa. Representa esperança e decepção compartilhadas. Significa aceitar a derrota, fazer o seu melhor, mas ainda assim não sair por cima."

Ele se deteve.

"Estou um pouco nervoso", disse Fuller. "Parte de mim não quer que isso fique para trás".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: