Folha de S. Paulo


Filho tenta preservar o legado de Johann Cruyff

Ocasionalmente, ao começar mais uma história sobre o que seu pai um dia fez, ou disse, ou pensou, Jordi Cruyff escorrega e fala no presente.

Já faz seis meses que o grande futebolista holandês Johann Cruyff, morreu, na casa da família em Barcelona, derrotado em sua batalha.

Enquanto seu filho fala, as palavras o traem: não passou tempo suficiente para que as pessoas que conheciam melhor o grande astro que o futebol perdeu se tenham acostumado com a ideia de que ele já não está aqui.

Johann Cruyff
Após lutar contra um câncer de pulmão, o holandês Johan Cruyff morreu no dia 24 de março de 2016 aos 68 anos. A doença havia sido diagnosticada em outubro de 2015. No futebol, Cruyff detém o título de pai do futebol moderno
Cruyff pula para chutar a bola em partida contra o Brasil na Copa de 1974

"Meu pai é um cara de personalidade forte e opiniões fortes", disse Jordi, em dado momento. Logo depois: "Ele é uma pessoa com consciência social, com grandes valores morais". Ou até: "Ele é muito bom ao volante".

É como se ainda estivessem juntos no carro, um dia qualquer. Jordi precisa se forçar constantemente a recordar que seu pai nos deixou.

Jordi Cruyff, 42, ainda carrega o pai com ele; não tem muita escolha quanto a isso. Está há muito acostumado às realidades da vida como filho de uma lenda que, por três vezes, foi eleito o melhor jogador da Europa. "Só mais tarde você percebe que ele significou algo de maior".

Nos meses transcorridos desde a morte de Johan Cruyff, o que ele significou para o mundo do futebol como um todo se tornou claro para seu filho. A reação inicial de Jordi Cruyff ao seu pesar pessoal foi se lançar ao trabalho com intensidade ainda maior, como diretor de futebol do Maccabi Tel Aviv, um clube israelense. Ele admite que era uma tentativa de encontrar distração.

Mas há coisas que despertam lembranças onde quer que ele vá. Em companhia de sua mãe e irmãs, ele dedica parte de seu tempo a duas organizações sem fins lucrativos que seu pai apreciava muito, bem como a uma série de gravações de depoimentos que Johan Cruyff fez no último ano de sua vida. As gravações formarão uma autobiografia póstuma que deve sair no mês que vem. Jordi vem ouvindo todas elas, um processo que ele descreve como árduo e catártico.

Lluis Gene/AFP
Son of late Dutch football star Johan Cruyff, Jordi Cruyff gives a press conference at Camp Nou stadium, in Barcelona on March 29, 2016. Cruyff, one of the greatest footballers of all time who dazzled with his artistry, died on March 24, 2016 at the age of 68 after losing a battle with lung cancer, prompting an avalanche of tributes from around the sports world. / AFP PHOTO / LLUIS GENE ORG XMIT: LG3197
Jordi Cruyff, filho do jogador holandês Johan Cruyff, em entrevista no Camp Nou

E há os elogios espontâneos ao seu pai. Não importa onde Jordi esteja no planeta, ele tem de ouvir incontáveis histórias, ver fotos e receber mensagens. Todas elas tributos ao seu pai. A experiência, ele diz, está "cheia de contradições" - a um só tempo intensamente dolorosa e causa de enorme orgulho.

"Não deixam que você esqueça coisa alguma", ele disse. "Há histórias novas a cada dia - muitas histórias que eu não conhecia. As pessoas sempre dizem que lamentam muito, e o quanto ele significou para elas. Visitei diversos países nos últimos meses, e você encontra homens de 65 ou 70 anos que se comovem demais. Houve momentos tocantes para eles, com relação ao meu pai, de qualquer que tenha sido a maneira, e eles querem falar a respeito".

"Eles me contam onde estavam em 1974 ou 1978, nas Copas do Mundo, ou carregam nos celulares fotos tiradas 30 anos atrás. Talvez seja sua forma de luto, e é uma demonstração de respeito. Eles se sentem compelidos a dizer alguma coisa. Porque eles me procuram todos os dias, não há como passar por cima disso".

Por um lado, esses episódios servem como lembrete constante de que o pai dele está morto. Mas por outro lado, disse Jordi, "existe uma sensação unânime de que ele significou alguma coisa".

Não é a primeira vez que Jordi tem sentimentos ambivalentes com relação ao pai. Ele reconhece que teria sido fácil, durante sua carreira, permitir que surgisse algum ressentimento. O sobrenome que carrega, afinal, foi "sempre um pouco" incômodo; quando jogava no juvenil do Barcelona, na época em que seu pai treinava o time, Jordi estava ciente de que havia acusações de nepotismo.

Ele disse que essas insinuações o afetavam, quando adolescente, mas sente que "deixei tudo isso para trás" em 1996, quando pai e filho saíram do Camp Nou. Johan deixou de ser técnico e Jordi se transferiu ao Manchester United.


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