Folha de S. Paulo


'Hoje se cultua mais o jogo da TV que o do estádio', diz Roger, do Grêmio

Marcos Brindicci/Reuters
O técnico do Grêmio, Roger Machado, durante jogo contra o San Lorenzo (ARG) pela Libertadores 2016
O técnico do Grêmio, Roger Machado, durante jogo contra o San Lorenzo (ARG) pela Libertadores 2016

Oito anos após deixar os gramados, Roger Machado, 41, já é um dos treinadores mais respeitados do futebol brasileiro.

No comando do Grêmio, ainda não conquistou títulos, mas teve o trabalho reconhecido ao ser mantido no cargo após duas eliminações duras, na Libertadores e no Estadual. De quebra, foi procurado para assumir o Corinthians quando Tite, uma de suas inspirações como treinador, assumiu a seleção.

Teve que recusar a proposta por respeito ao clube onde jogou dez anos de sua carreira e que lhe deu a oportunidade de dirigir um dos grandes do país.

"Não foi uma negativa a um importante clube, foi a coerência e convicção do que penso relacionado, mais do que futebol, à conduta ética na minha profissão", explicou o treinador.

Para atingir o patamar atual, Roger não se contentou com a experiência dentro de campo. Ao se aposentar como jogador, foi para a faculdade e formou-se em educação física. E o planejamento do treinador é ambicioso. Segundo ele, além de conquistar títulos com o Grêmio, tem como desejo "ser um treinador do mundo, nem só do Rio Grande do Sul, nem só do Brasil".

Em entrevista exclusiva à Folha, Roger falou sobre o Campeonato Brasileiro, sobre o sucesso dos técnicos gaúchos e pediu união de atletas, treinadores, dirigentes e emissoras de televisão para reformar o calendário e o futebol brasileiro.

Veja os principais trechos de sua entrevista:



O Grêmio é favorito ao título? Quais são os concorrentes?
A conquista do título é um desejo, ainda mais o Grêmio que está afastado das conquistas nacionais nos últimos anos. Vejo que teremos quatro ou cinco times que se alternarão até a última rodada brigando pelo título. Palmeiras e Corinthians, que estão ali na frente, Santos, que vem chegando, Atlético-MG que vem se recuperando.

Na nova geração de técnicos, você é destaque. Quais seus objetivos como treinador?
Em primeiro lugar, conquistar com o clube o que conquistei como jogador. E no futuro, para crescer tem que se pensar em coisas grandes: treinar outras culturas, em outros países, treinar times importantes. Quero ser um treinador do mundo, nem só do Rio Grande do Sul, nem só do Brasil.

Mauricio Lima/AFP
Roger como jogador do Grêmio, na semifinal da Libertadores de 1992, contra o Olimpia (PAR)
Roger como jogador do Grêmio, na semifinal da Libertadores de 1992, contra o Olimpia (PAR)

Por que você não aceitou ir para o Corinthians?
Eu estava completando um ano de trabalho à frente do Grêmio, e vínhamos de duas eliminações dolorosas, na Libertadores e no Estadual. Nós, treinadores, reclamamos da falta de continuidade em função dos maus resultados, e, naquele momento, a diretoria, entendendo que o trabalho estava bem conduzido, optou pela permanência.

Não foi uma negativa a um importante clube, foi a coerência e convicção do que penso relacionado, mais do que futebol, à conduta ética na minha profissão.

Tite era o nome certo para a seleção?
Não tenho dúvidas disso. O próximo da fila era ele. Já vinha há muitos anos fazendo um excelente trabalho, e talvez esse seja o melhor momento para que ele esteja à frente da seleção brasileira. É uma seleção que não deixou de ter talento e prestígio, e que aos poucos vai recuperar o seu lugar de destaque. Sempre digo que quando conseguirem ajustar o nosso calendário, todo o restante vai vir na esteira.

O que você consideraria um calendário ideal, e como enxugar o volume de jogos no Brasil?
Acredito que isso deva ser pensado conjuntamente. Não tem formula mágica. O primeiro raciocínio é que temos um país de dimensões continentais, com torneios regionais. Hoje eles ocupam um número de datas importante, e ainda há o movimento de criação de uma liga, o que também aumenta o número de datas.

Do ponto de vista do treinamento, você considera que cada jogo são três dias que você deixa de treinar o time. Se você pensar por dez datas, são 30 dias de treinamento efetivo com todos os atletas no campo que você tem. O ideal seria 50, 60 jogos no ano, com as datas Fifa, o que é muito importante, pois as datas Fifa no Brasil acabam um dia antes dos jogos, o que faz você perder aquele jogador selecionado de volta, e gera um desequilíbrio na competição.

Edu Andrade/FatoPress/Folhapress
O técnico Roger Machado durante treino do Grêmio, em 2015
O técnico Roger Machado durante treino do Grêmio, em 2015

Falta união dos jogadores para modificar isso?
O que falta é que nós todos conversemos. Não adianta os atletas se unirem se não houver uma abertura por parte de. Não adianta os atletas se unirem se quem, hoje, organiza o calendário, se quem detém os direitos de transmissão não sentar para conversar. O futebol perde público e isso é algo para se questionar. Se você tem oito, dez jogos por mês, com o valor que se cobra hoje, não tem como sempre ter estádio cheio sempre. Isso tudo faz com que haja um gradativo desinteresse para ir ao estádio, e aumenta o número de torcedores que só assistem pela televisão.

O quanto a incerteza no comando da CBF contribui para esse desinteresse do torcedor e a dificuldade de gerar mudanças?
Essa é só uma parte do processo. Não adianta achar que é só a questão da CBF. Se nós todos que vivemos do esporte não sentarmos e, desprovidos de vaidade achar uma solução que seja boa para todos, nós vamos continuar dessa forma.

Hoje a gente vai depender da boa vontade da televisão para adequar o calendário, porque o estádio está vazio, mas o pay-per-view está bombando. Hoje se cultua mais o jogo da TV que o jogo do estádio. Porque se eu compro um produto e ninguém me diz como eu tenho que usa-lo, eu vou usar da forma que eu bem entender para retirar o investimento que fiz. Se não fizer isso, a televisão vai usar da forma que bem entender. Não é demonizar a televisão, nem a confederação, nem os atletas. É a gente justamente deixar de apontar o dedo um para o outro e começar a convergir nas ideias.

O que explica a piora do futebol brasileiro no cenário internacional, tanto a nível de seleção, como de clubes?
A gente não deixou de produzir os melhores profissionais, porém, outros mercados vieram, se abasteceram, criaram uma cultura futebolística e evoluíram muito do ponto de vista da formação, da competitividade e da organização de seu jogo e de seus clubes. Talvez tenhamos deixado de buscar isso.

Quando da minha formação como jogador e treinador, algumas referências que a gente vai buscar lá fora, todas elas tem um fundo dentro do futebol brasileiro. Então, para que a gente retome o protagonismo não precisa muito. É só olhar para dentro da gente.

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Por que os técnicos gaúchos têm feito tanto sucesso?
Nós temos uma raiz portenha aqui. E essa raiz portenha, e talvez um pouco da questão da rigidez e do volume de treino, fez com que os treinadores aqui formados tivessem um pouco dessa característica. Somos brasileiros, também temos a raiz do jogo bonito, mas aqui no sul a gente entende que é preciso competir muito e não só apenas jogar. Brigar pelo jogo, e com posse de bola fazer um jogo brasileiro.

Prefere jogar bonito e perder, ou jogar feio e ganhar?
Prefiro ganhar. Se der para jogar bonito e ganhar, ótimo. Mas quando você joga feio, está mais perto de perder do que ganhar.

RAIO-X

ROGER MACHADO

NASCIMENTO
25.abr.1975 (41 anos)

CARREIRA COMO JOGADOR
Grêmio, de 1993 a 2003
Vissel Kobe (JAP), de 2004 a 2005
Fluminense, de 2006 a 2008

CARREIRA COMO TÉCNICO
Juventude, em 2014
Novo Hamburgo, em 2015
Grêmio, de 2015 até o momento

TÍTULOS
Libertadores (1995)
Recopa Sul America (1996)
Campeonato Brasileiro (1996)
Copa do Brasil (1994, 1997, 2001 e 2007)


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