Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Marin e Del Nero puderam mudar, mas continuaram a era Teixeira

Março de 2012. Ricardo Teixeira apresentou a sua carta de renúncia ao comando da CBF depois de ter ficado quase 23 anos no poder.

Milionário, ele deixava o país com uma mansão de xeque árabe em Miami, duas Copas e acumulando denúncias de gestão fraudulenta.

Abril de 2015. Ex-presidente da Federação Paulista de Futebol, Marco Polo Del Nero assumiu o poder na CBF chamando de "magnífica" a administração do antecessor, José Maria Marin, e prometendo "evoluir e avançar".

"Não podemos ficar parados com as glórias do presidente Marin", disse, em tom solene, Del Nero, que era vice e principal executivo da gestão que se encerrava.

Minutos antes, Marin discursou e fez questão de citar nominalmente seis políticos que o ajudaram na sua gestão: "Trata-se do presidente José Sarney; do [então] vice-presidente da República, Michel Temer; do senador Renan Calheiros; dos deputados Eduardo Cunha, Henrique Alves e Marco Maia". Hoje, todos estão citados na Lava Jato.

Neste intervalo de três anos, Marin e Del Nero tiveram a chance de mudar o estilo de comando, mas preferiram seguir os passos de Teixeira.

Apenas um mês depois da posse de Del Nero na CBF, os três se transformaram em alguns dos protagonistas do maior escândalo de corrupção do futebol mundial.

No ano passado, eles foram indiciados nos EUA por receberem propinas milionárias na venda de direitos de competições dentro e fora do país.

Desde então, Marin está preso no exterior. Já Del Nero e Teixeira nunca mais deixaram o país temendo os agentes do FBI. Eles ainda são investigados pela Fifa e por duas CPIs em Brasília.

Para piorar, os fiascos chegaram ao gramado.

Desde o inesquecível vexame para a Alemanha na Copa, em pleno Mineirão, a seleção está em queda livre.

Com Del Nero oficialmente no comandado da CBF, há pouco mais de um ano, o time já perdeu duas Copas Américas e está fora da zona de classificação para o Mundial da Rússia.

A contratação de Tite é a tentativa de colocar a equipe no caminho das vitórias.

Acuado, o presidente da entidade já pediu licença duas vezes do cargo e tenta dar sinais de mudança na gestão.

Em fevereiro, a CBF criou o Comitê de Reformas. Até agora, pouco saiu do papel.

O que foi anunciado não agradou muito. Neste mês, o responsável pelo Comitê de Ética da entidade informou que as denúncias feitas pelo FBI contra os três últimos comandantes da CBF não serão submetidas ao órgão.

A entidade continua com um modelo anacrônico e obsoleto de gestão. Os atletas não têm representatividade.

Na estrutura de poder da entidade, os presidentes de federações é que dão as cartas. Acariciados por uma mesada de R$ 75 mil da CBF, os promotores das competições mais deficitárias do futebol são as mais valiosas peças no xadrez político da entidade.

Na Copa América, o presidente da Federação Amapaense de Futebol, o deputado Roberto Góes, viajou de classe executiva e desfrutou das mordomias bancadas pela confederação nos EUA.

Comandando um futebol praticamente amador no seu Estado, ele teve o mesmo poder de voto do Corinthians na eleição de Del Nero na CBF. Apenas as 27 federações e os 20 clubes da primeira divisão do Brasileiro votaram.

Depois de mais de quatro anos da entrada da dupla Marin/Del Nero, uma pergunta não sai da minha cabeça: "A seleção de Tite vai se classificar para a Copa da Rússia por causa dos seus dirigentes ou apesar dos seus dirigentes?". Isso se chegar lá.


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