Folha de S. Paulo


'Orelhuda', taça da Liga dos Campeões pesa quase oito quilos e é atração

Luca Bruno/Associated Press
Police officers carried the Champions League trophy during the Champions Festival in Milan. Credit Luca Bruno/Associated Press
Policiais carregam taça da Liga dos Campeões em festival em Milão, na Itália

Mesmo de longe, a figura é inconfundível: a porção central bulbosa. O pescoço esguio. O verniz reluzente. E as alças —oh, aquelas alças!— não poderiam pertencer a ninguém mais.

Ninguém a não ser o Velho Orelhudo.

Embora a final da Liga dos Campeões entre Real Madrid e Atlético Madrid, sábado, vá levar a campo mega-astros como Cristiano Ronaldo e Gareth Bale, no histórico estádio San Siro, em Milão, a figura mais duradoura no jogo mais importante do futebol de clubes talvez seja aquele objeto metálico produzido em Paderna Dugnano, em uma rua suburbana anônima, repleta de armazéns industriais.

Muito grande, e com alças que parecem ter sido roubadas da caneca de café do Pé Grande, a Coupe des Clubs Champions Européens (o nome que o troféu porta) tem tanto um apelido engraçadinho quanto uma circunferência maior que a da maioria dos jogadores que esperam erguê-la.

Calogero Russo for The New York Times
Guerrino Giorgi typically oversees the making of the trophy. He said that it could take more than two weeks to make the handles.
Guerrino Giorgi ergue taça da Liga dos Campeões, que pesa em torno de oito quilos

Na semana passada, Valentina Losa, presidente-executiva da G. D. E. Bertoni, a fabricante do troféu, estava recebendo diversos visitantes em uma sala de reuniões na fábrica de sua empresa. Subitamente, um fornecedor de material que havia acabado de fazer uma entrega parou na porta para se despedir. Quando viu que as paredes estavam enfeitadas por centenas de troféus fabricados pela Bertoni, ele não conseguiu resistir a entrar de vez para contemplá-los.

Mas o fornecedor não prestou muita atenção aos troféus de tênis, medalhas olímpicas ou mesmo à réplica do troféu da Copa do Mundo da Fifa, uma bola de ouro retorcida e emblema mundialmente famoso. Em lugar disso, perguntou: "Posso?", e acenou com a cabeça na direção do troféu prateado da Champions League. Losa sorriu, e o vendedor ergueu o troféu bem alto, grunhindo por conta do peso e sorrindo diante do brilho.

"Isso acontece toda hora", disse Losa, depois que o fornecedor —que pediu que múltiplas fotos fossem tiradas dele com a taça, em seu celular— enfim partiu. "É, de longe, o pedido mais comum que recebemos".
O troféu tem cerca de 75 centímetros de altura e pesa 7,5 quilos, o que o torna um dos prêmios esportivos mais obesos (o troféu Lombardi, da NFL, em comparação, pesa apenas 3,2 quilos). O troféu da Liga dos Campeões também tem uma história complexa —mais ou menos como o torneio em si, que já passou por diversas encarnações—, mas a versão atual está tão incorporada à competição quanto o onipresente (e hiper operístico) hino oficial da Champions.

O troféu foi originalmente produzido por um designer suíço em 1967, substituindo uma versão menor que vinha dos dias anteriores do torneio. No ano seguinte, a Uefa, a organização que comanda o futebol europeu, tornou regra que qualquer clube que vencesse o torneio cinco vezes, ou por três anos consecutivos, poderia manter o troféu, e desde então Real Madrid, Liverpool, Bayern de Munique, Ajax, Milan e Barcelona conquistaram o direito de reter os chamados originais.

A G. D. E. Bertoni começou a fabricar o troféu há mais de quatro décadas, disse Losa, na época em que seu pai e avô comandavam o negócio. A companhia inicialmente tinha uma linha de produção mais variada, criando itens variados como medalhas artísticas e esculturas, mas começou a conquistar prestígio no mundo do esporte em 1960, quando obteve o contrato para criar as medalhas concedidas na Olimpíada de Roma. Dez anos depois, quando o Brasil conquistou a Copa do Mundo pela terceira vez e a Fifa precisava de um novo design de troféu, a Bertoni derrotou outras 50 fabricantes e criou o novo troféu, entregue ao vencedor da Copa pela primeira vez em 1974 na Alemanha.

Calogero Russo for The New York Times
Ahmed Hamar e Nando Cavini trabalham na produção da 'Orelhuda', taça da Liga dos Campeões
Ahmed Hamar e Nando Cavini trabalham na produção da 'Orelhuda', taça da Liga dos Campeões

"Desde então, o futebol se tornou parte muito importante de nosso negócio", disse Losa.

Isso fica claro em uma caminhada pela fábrica. Medalhas e troféus se espalham entre os grandes recipientes de produtos químicos e as máquinas de soldagem. Em um canto, o troféu da Copa das Confederações de 2017 repousa em uma estante ("ele será enviado à Fifa na semana que vem", disse Losa), enquanto as medalhas de uma Copa do Mundo juvenil que acontece em breve estavam sendo finalizadas do lado oposto da oficina. Em uma mesa, um trabalhador estudava um e-mail da Fifa quanto à possibilidade de uma mudança no design de uma medalha.

Muitos outros produtos são fabricados no local, igualmente. Entre os prêmios espalhados por diversas prateleiras na fábrica estão o troféu do campeonato juvenil asiático de vôlei de 1994 (disputado em Manilha, vencido pela China); os botões de bronze dos blazers usados pelos dirigentes da Federação de Golfe Italiana; e distintivos projetados para os uniformes usados pelos guardas das penitenciárias italianas.

As nações do Oriente Médio também são fonte de negócios constantes (e variados). Diversos operários da Bertoni estavam recentemente retocando uma série de placas decorativas encomendadas pelo governo do Omã, para identificar atrações turísticas no pequeno país. A Bertoni também tem contrato com a corte do emirado do Bahrein, para produzir as medalhas militares do país, e recebe constantes encomendas de troféus dos países do Golfo Pérsico. Uma das encomendas mais estranhas, recordou Losa, veio da embaixada do Qatar, que queria um novo troféu para a Copa das Nações do Golfo, e o queria parecido com o troféu da Copa do Mundo, mas mais pesado e feito de ouro branco.

"O Comitê Olímpico do Qatar também encomendou aquele", disse Losa, apontando para um troféu que era basicamente um grande pássaro metálico.

O trabalho da Uefa é constante. A Bertoni produz troféus e medalhas para diversas competições femininas e juvenis, mas seu principal projeto começa geralmente em setembro ou outubro, a cada ano, quando a fabricação do próximo troféu da Liga é iniciada. A versão original daquele design —feita em prata— é mantida pela Uefa não importa quem vença a competição. A Bertoni produz uma cópia em bronze a cada ano, para ser exibida aos torcedores e entregue ao time vencedor depois da final.

Colagero Russo for The New York Times
Valentina Losa is the chief executive of G.D.E. Bertoni. The company first began manufacturing the trophy more than four decades ago, when when her father and grandfather were running the business. Credit Colagero Russo for The New York Times
Valentina Losa mostra exposição de trofeus e medalhas da G.D.E

A produção tem dois estágios especialmente complicados. Luigi Scacchi, o diretor de produção da Bertoni, disse que colocar as letras perfeitamente alinhadas no troféu é difícil por causa da curva do metal, enquanto Guerrino Giorgi, veterano artesão que tipicamente supervisiona a produção da taça, disse que fabricar as alças pode demorar até duas semanas. "É a parte mais difícil", ele disse.

É claro que as alças gigantescas também são o que distingue o troféu da Champions League. O troféu é conhecido em inglês como Ol' Big Ears. Em espanhol, é La Orejona. Na França, é La Coupe aux Grandes Oreilles, o que não deixa dúvidas sobre sua identidade. O troféu não tem uma aparência especialmente atraente— mesmo o designer original reconhece a ostentação excessiva do projeto—, mas seu lugar no jogo nunca está em dúvida.

"Para mim? Gosto mais do troféu da Liga Europa", disse Losa, se referindo ao troféu do campeonato de segunda divisão do futebol europeu, também fabricado pela Bertoni e mais parecido com uma copa tradicional.
"Mas a verdade", ela prossegue, "é que ninguém que vem aqui pede para tirar foto ao lado dele".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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