Folha de S. Paulo


Rio se aproxima de Jogos sem clima de festa

A 100 dias do início da primeira Olimpíada da América do Sul, o Rio de Janeiro está na reta final para sediar os Jogos, mas ao contrário do que se esperava em 2009 –ano do anúncio da sede– o clima do país não está para festa. A crise política e econômica domina o noticiário, e, mesmo faltando cerca de três meses para a abertura do megaevento no Maracanã, pouco se tem falado do assunto no país.

De acordo com os organizadores, as instalações olímpicas estão 98% prontas, mas há problemas sérios em algumas delas, como o velódromo, que ainda não tem a pista finalizada. Alguns eventos-teste, como um da ginástica, enfrentaram queda de energia. E cortes de 30% no orçamento do Comitê Rio-2016 foram criticados por federações internacionais.

Há dúvidas quanto a obras de infraestrutura, como a ampliação do metrô e a Transolímpica, que podem não ficar prontas a tempo dos Jogos, e o recente acidente na Ciclovia Niemeyer, que deixou dois mortos, também colocou em xeque a preparação da cidade e a qualidade de obras prometidas como legado aos cariocas.

Críticos veem diferenças entre as expectativas de 2009 e o cenário atual, incluindo obras já descartadas, como a limpeza da Baía de Guanabara e a urbanização de favelas, através do programa Morar Carioca. Para os organizadores, no entanto, ajustes e alterações são normais, e a qualidade dos Jogos e do legado não devem ser afetados.

A 100 dias da Olimpíada Rio-2016, a BBC Brasil conversou com cinco pessoas, entre especialistas em gestão no esporte, atletas, analistas e pessoas ligadas à organização dos Jogos, para saber o que se pode esperar do evento no país.

Ricardo Borges/Folhapress
Parque aquático Maria Lenk; veja galeria de fotos a 100 dias do início da Rio-2016
Parque aquático Maria Lenk; veja galeria de fotos a 100 dias do início da Rio-2016

Pedro Trengrouse, especialista em Gestão, Marketing e Direito no Esporte da FGV, ex-consultor da ONU para a Copa

"Quando o Brasil se candidatou, a economia crescia a passos largos, o governo tinha 80% de aprovação, a taxa de desemprego era perto de zero.

Naquela época, ninguém poderia imaginar que o Brasil fosse andar para trás. Mas isso aconteceu. Algo que ninguém queria que acontecesse, mas contra fatos, não há argumentos. A verdade é que os Jogos são uma grande festa, e o país não está em clima de festa.

Por um lado, é bom ressaltar que esses eventos esportivos são pequenos comparados com a realidade de um país. São festas, não tem a menor condição de mudar a realidade, como muitas vezes a propaganda desses eventos gostam de dizer.

Mas agora as pessoas podem não ter tanta alegria ou predisposição para festejar. Sem falar que o único esporte popular aqui é o futebol. De resto, a grande maioria tem popularidade zero. Futebol empolga, as pessoas respondem. Mas será que vão responder para a esgrima? Tomara que sim e que o humor mude. Mas o apelo de uma Copa é muito maior do que dos Jogos. Mas a Olimpíada vai acontecer independente disso. Ela é feita para o mundo, o Brasil só paga a conta.

Só acho difícil que os Jogos consigam reverter esse quadro de pessimismo e de estagnação econômica. A situação é bem diferente da Copa em 2014. O desemprego é muito maior, o impacto da crise também. Vão ficar as boas lembranças, que é o que fica de uma festa. E o legado das instalações esportivas. Mas de resto, acho que prometeram demais e entregaram de menos. E tomara que nada, além da ciclovia, caia por aí."

Lara Teixeira, atleta do nado sincronizado, que irá disputar sua terceira Olimpíada

"Acho que como atleta, a expectativa é sempre que o público que geralmente não acompanha tanto esteja um pouco mais envolvido, engajado, falando mais de Olimpíada. Lá em 2009, quando a gente ganhou a chance de sediar, eu achava que isso ia aumentar aos poucos, que quando chegasse perto dos Jogos ia se falar mais e mais [sobre eles] –e não é o que está acontecendo.

Mas por estar envolvida 100% no treinamento físico, a gente acaba ficando tão focada, que não dá para pensar muito no resto. A cultura esportiva do país não vai mudar de uma hora para outra. Mas acho que a Olimpíada vai ser um marco e aí a gente pode repensar a política esportiva. Tenho muita esperança de que a gente continue nessa crescente de esportes olímpicos para o país.

Claro que a pressão de jogar em casa é maior. Mas eu pessoalmente adoro competir em casa, vivemos isso em 2007 no Pan-Americano, arquibancada lotada, calorosa. No nado sincronizado, os ingressos acabaram super-rápido, em dias, e está tudo bem cheio e olha que eu estou em um esporte com pouca visibilidade, se comparado a outros. Mas espero que seja assim para todos.

Estou muito otimista com relação ao desempenho esportivo, acredito bastante nessa meta [ficar entre os 10 primeiros na contagem de medalhas.

Rodrigo Tostes, diretor executivo de Operações do Comitê Rio-2016

"Os próximos 100 dias serão muito importantes para nós. Após uma fase de definição de projetos e cronogramas e de eventos-teste, chegamos agora à prontidão operacional, ou seja, temos que ter planos B, C e D para tudo e testar os planos de cada instalação com as coisas acontecendo de forma simultânea.

Um dos nossos maiores desafios vai ser a mobilidade, o transporte dos envolvidos. Teremos 1.100 ônibus e 4 mil veículos para movimentar atletas, imprensa e delegações. Temos que ter muito planejamento, e é uma área que já começa com o maior desafio: levar todos da Vila dos Atletas para o Maracanã e depois trazê-los de volta no dia da cerimônia de abertura.

Quanto à crise, acho que nos forçou a nos reinventarmos e buscar soluções, e também foi possível negociar contratos melhores com empresas que não estavam tendo tantos negócios. Claro que reduziu o nível de receita que esperávamos ter, e sem dúvida não foi fácil, mas estamos com orçamento equilibrado.

É absolutamente normal que na reta final algumas das coisas que nos comprometemos a fazer sete anos atrás saiam melhores do que o planejado, e que outras tenham que ser realinhadas e rediscutidas. A reclamação de algumas federações faz parte do jogo, mas não é verdade que estamos entregando uma qualidade pior do que em outros Jogos.

Lamentamos o acidente que deixou dois mortos na Ciclovia Niemeyer e nos solidarizamos com as famílias das vítimas. É uma tragédia sem justificativas e na nossa visão não importa se é obra olímpica ou não, a discussão que deve ser feita é de como evitar fatalidades como essas.

Eu acredito que vamos entregar Jogos de altíssima qualidade e que o brasileiro vai entrar no clima e mostrar que a gente sabe fazer evento, sabe celebrar. Podemos fazer uma caipirinha desse limão e a Olimpíada pode ser um símbolo da nossa virada".

Renato Cosentino, pesquisador de planejamento urbano do IPPUR/UFRJ e membro do Comitê Popular de Copa e Olimpíada

"A 100 dias para os Jogos eu vejo que certamente não se esperava que esse estágio fosse acompanhado de uma crise econômica e política –e que denúncias de corrupção envolvendo obras olímpicas viessem à tona de forma tão explícita, como as feitas pela operação Lava Jato.

Diante da crise estamos tendo cortes em tudo. Universidades, bolsas, e se a Olimpíada pudesse ser cortada com certeza seria. A Prefeitura e o Estado do RJ passaram por um ciclo de muito endividamento na preparação olímpica e com o término dos Jogos o peso dessa dívida será repassado.

Em 2009, eu acreditei que realmente seria uma grande oportunidade para o Rio, mas com as remoções e as arbitrariedades ao se optar por obras não prioritárias sem consultar a população e abrindo espaço para a especulação imobiliária foi ficando claro que não seria o caso. O Museu do Amanhã era necessário? Derrubar o elevado da Perimetral era necessário? Claro que não.

O que houve foi um processo de venda da cidade. Tínhamos uma cidade muito precária e ela continua sendo muito precária mesmo após um ciclo de dez anos de grandes eventos [Jogos Panamericanos, Rio+20, Jornada Mundial da Juventude, Copa e Jogos Olímpicos].

Na minha opinião, o que se pode esperar é que, nesta reta final, a prefeitura vai fazer de tudo para garantir o mínimo necessário para a realização do evento, assim como foi feito na Copa.

A reforma do Maracanã só acabou depois do Mundial. As obras olímpicas devem ficar prontas para os Jogos, mas para o que não for terminado com certeza haverá menos financiamento após a Olimpíada, e tudo vai ficar muito mais difícil.

Tim Vickery, jornalista esportivo britânico baseado no Rio desde 1994

"De 2009 para cá, não houve grande mudança na minha expectativa para o legado dos Jogos. Eu sempre desconfiei que não seria possível solucionar de forma definitiva os problemas da cidade e que muitas opções paliativas seriam colocadas em prática.

É claro que estamos num momento completamente diferente. Mas mesmo que ainda estivéssemos vivendo um boom econômico, a Olimpíada tem complicações muito maiores do que a Copa do Mundo, por exemplo. Na Copa, a mobilidade urbana não é tão crucial, e nos Jogos do Rio isso será decisivo, já que é tudo muito espalhado pela cidade.

Quanto ao clima olímpico entre os cariocas e os brasileiros, eu acho que ainda vai acontecer. Eu cheguei a Londres três semanas antes da Olimpíada em 2012 e tudo era negativo. Terrorismo, segurança, falta de entusiasmo local.

Mas com a passagem da tocha olímpica o clima mudou. Claro que não tem como comparar com a Copa. Mesmo com problemas, o futebol vai na alma do brasileiro, e a Olimpíada não.

Eu acredito que o acidente com a Ciclovia Niemeyer relembra a queda do viaduto em Belo Horizonte durante a Copa e nos faz ter um certo medo das obras construídas recentemente. Há falhas incríveis de construção.

Nesta reta final estamos vendo algo diferente. Quando faltava um ano para os Jogos, o clima era tranquilo e as obras estavam num bom ritmo. A 100 dias, com todas essas crises, quando esperávamos rapidez, parece que as coisas estão mais devagar.

Para mim, a expectativa para a Olimpíada é de que a magia do evento contamine os cariocas e que sejam duas semanas memoráveis, com o sol brilhando e o mundo passando pela praia de Copacabana.


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