Folha de S. Paulo


Punição por doping pode levar Sharapova a encerrar sua carreira

Não é como se o tênis não soubesse de que maneira continuar sem Maria Sharapova. Ela já se afastou do esporte por períodos prolongados, em função de uma cirurgia séria no ombro e de outras lesões, nos últimos nove anos.

E antes que ela revelasse, segunda-feira (7) em Los Angeles, que foi apanhada no teste antidoping por uso de meldonium, uma substância recentemente banida, muita gente no mundo do esporte, e mesmo alguns dos patrocinadores da atleta, já estavam preparando retrospectivas. Eles desconfiavam de que sua recente série de lesões a levaria a deixar a carreira, e que a entrevista coletiva que ela convocou apressadamente serviria para anunciar essa decisão.

Mas não houve nostalgia na segunda-feira, só surpresa –na verdade, choque– e um coquetel mundial de reações conflitantes que variavam de desilusão a alegria pela desgraça alheia e simpatia pela situação da tenista. Sharapova, que sempre polarizou opiniões, deve começar a servir uma suspensão provisória no sábado (12), e o resultado do teste, que ela disse que não contestará, já começa a abalar seu bem sucedido modelo de negócios. Patrocinadores como a Nike e a Porsche suspenderam seu relacionamento com ela.

O novo afastamento do tênis será muito diferente, para Sharapova, dos diversos períodos de inatividade que o precederam.

É possível que ela não volte mais a competir no tênis profissional; Sharapova fará 29 anos no mês que vem, e no passado disse que não gostaria de continuar competindo depois dos 30. A suspensão dela pode ser de até quatro anos, se for constatado que ela ingeriu intencionalmente uma substância cujo objetivo era melhorar seu desempenho em quadra.

O desfecho mais provável, de acordo com especialistas em questões legais consultados na terça-feira (8), é que ela não seja considerada culpada de tentativa intencional de trapaça, o que significaria que ela ficaria exposta a uma suspensão máxima de dois anos.

"Creio que esse deva ser o resultado mais provável, com base naquilo que ouvi durante a entrevista coletiva", disse Paul Greene, advogado norte-americano especializado em esportes e fundador do escritório Global Sports Advocates, que representou atletas, entre os quais o tenista norte-americano Robert Kendrick, em casos de arbitragem envolvendo doping.

Sharapova, como outros jogadores veteranos, tinha planos para que 2016, que inclui a olimpíada do Rio de Janeiro, talvez se tornasse o ponto final de sua carreira. Uma suspensão de dois anos a manteria afastada do esporte até o começo de 2018, o que poderia ser tempo demais para que ela mantivesse o espírito aguerrido, especialmente se considerarmos suas lesões recorrentes.

Mas a equipe de defesa da tenista pretende defender uma suspensão muito mais curta, e a sensação, do lado de Sharapova, na terça-feira, era de que seria possível obter suspensão de um ano ou menos.

Greene também afirmou que existia igualmente a possibilidade de solicitar retroativamente uma licença de uso terapêutico para o meldonium, que poderia tomar por base o uso da substância por Sharapova para fins médicos durante um período prolongado. Caso essa solicitação viesse a ser aprovada, ela seria absolvida.

"Essa seria a primeira coisa que eu aconselharia a ela, solicitar uma isenção retroativa de uso terapêutico", ele disse. "É um padrão difícil de satisfazer, muito mais do que imposto para obter uma isenção para futuro uso terapêutico, mas já participei de um caso em que isso aconteceu, e obtive isenções retroativas que tiraram de campo constatações analíticas negativas. Não é impossível".

John Haggerty, o advogado de Sharapova, foi indagado quanto a essa possibilidade. "Maria e eu estamos estudando todas as opções", ele disse. Haggerty se recusou comentar, mencionando confidencialidade, sobre se Sharapova havia declarado o meldonium, também conhecido como mildronate, em seu formulário de controle de doping, ao fornecer amostras no passado.

A natureza do uso prolongado da substância por Sharapova pode ser crítica para sua argumentação. Se ela for capaz de provar que o uso tinha propósitos médicos legítimos, os argumentos em favor da leniência ganham força. Há também o fato de que ela conta com muita companhia em 2016, com atletas de uma grande gama de esportes –da patinação artística e de velocidade ao atletismo de pista e levantamento de peso– apanhados pelo uso de meldonium em exames antidoping este ano. Há informações de que o uso da substância era generalizado, especialmente na Rússia, antes da proibição.

Dois especialistas afirmaram que essa sequência de testes positivos poderia ajudar Sharapova, na verdade, porque sugeriria que a mudança de regra não foi comunicada com a abrangência devida.

Isso também poderia abrandar a indignação pública. Os patrocinadores da tenista estão nervosos. Mas um membro de sua equipe expressou algum alívio, afirmando que todos os grandes patrocinadores de Sharapova têm em seus contratos cláusulas que permitiriam o cancelamento dos arranjos em vigor, em circunstâncias como as atuais. Por enquanto, os principais patrocinadores optaram por apenas suspender o relacionamento, o que ainda assim poderia representar substancial economia para eles, já que uma suspensão longa não permitirá que Sharapova cumpra as cláusulas de tempo mínimo de jogo incluídas no contrato.

O processo normal de adjudicação coloca Sharapova diante de um tribunal com três integrantes, apontados pela Federação Internacional de Tênis. Haggerty disse que não há data fixada para a audiência ou a reunião oficial que a precederia. Sharapova ou a federação tem o direito de recorrer de qualquer decisão junto ao Tribunal Arbitral do Esporte.

Os dois tenistas mais conhecidos a serem suspensos por violações das normas antidoping, nos últimos anos, Viktor Troicki e Marin Cilic, viram suas suspensões reduzidas pelo Tribunal Arbitral do Esporte depois de recursos, em 2013. Troicki teve sua suspensão reduzida de 18 para 12 meses, e Cilic de nove para quatro meses.

A decisão quanto a Cilic, de acordo com Greene, estabeleceu um precedente para determinar graus de violação, ainda que futuros painéis de arbitragem não tenham obrigação de seguir o padrão estabelecido.

"Há três graus de culpabilidade: se o grau é significativo, a suspensão será de 16 a 24 meses; se o grau é normal, de oito a 16 meses; se for leve, zero a oito meses", disse Greene.

Sharapova não vai contestar o resultado do teste. Ela admite ter usado meldonium, um medicamento desenvolvido para pacientes cardíacos que acelera o fluxo de sangue e foi incluído na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping em 1º de janeiro. Sharapova declarou que não estava ciente de que a substância havia sido proibida, ainda que ela já constasse da lista de monitoração da agência em 2015. A tenista assumiu plena responsabilidade por não se ter informado sobre isso.

Sharapova disse que recebeu um e-mail em 22 de dezembro mas não clicou no link que conduzia à lista atualizada de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping que vigoraria em 2016. Mas o jornal "Times", de Londres, informou na terça-feira que quatro outros comunicados foram enviados aos tenistas em dezembro, todos contendo avisos de que o meldonium estava a ponto de ser proibido.

A equipe que administra a carreira de Sharapova respondeu com um comunicado: "Quer tenha havido uma ou mais de uma notificação de qualquer espécie, Maria já admitiu que ela deveria ter se informado. Ela não está em busca de uma desculpa para o fato de que ignorou o aviso".

Sharapova disse que vinha usando o remédio, que Haggerty disse que ela conhecia sob o nome de meldronate, desde 2006, para tratar de diversas condições médicas, entre as quais resultados irregulares em seus eletrocardiogramas e indicadores de diabetes, doença que ela disse constar do histórico de sua família.

Haggerty rejeitou suposições de alguns médicos conhecidos de que a substância não era boa resposta aos problemas declarados por Sharapova, incluindo o diabetes, e disse que o remédio oferecia "proteção às células".

Haggerty disse que os requisitos de confidencialidade da audiência que está por vir o impediam de identificar o médico que receitou a substância, que não tem venda aprovada nos Estados Unidos mas está amplamente disponível, sem receita, na Rússia e alguns outros países europeus. Haggerty também indicou que esse medicamento foi apenas um entre diversos que foram receitados a Sharapova naquele momento.

"Creio que haja uma percepção errônea de que Maria tomou mildronate e só mildronate, e de que esse medicamento devesse tratar de todos os seus problemas", disse Haggerty. "Ela usou mildronate e diversos outros remédios".

Não importa o que ela tenha usado, o começo de 2016 foi desagradável para o tênis, com o anúncio de uma revisão independente sobre seu programa de combate à corrupção, em meio ao Australian Open, por conta de reportagens que causaram preocupação sobre a possível manipulação dos resultados de partidas, especialmente no masculino.

Agora, uma das maiores estrelas do tênis feminino está enfrentando questões sobre sua integridade. As respostas determinarão se voltaremos a vê-la em quadra jogando em alto nível.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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