Folha de S. Paulo


Crise econômica leva clubes do Brasil a declínio técnico

O mercado de transferências do futebol brasileiro sente profundamente o efeito da crise financeira no país.

Nessa última janela de transações (de janeiro ao início de fevereiro), foram feitas as contratações mais modestas dos últimos anos, o que gerou uma desqualificação técnica nos clubes.

Os times têm perdido os jogadores que vieram em um ciclo positivo que pode ser demarcado, em linhas gerais, no período que vai de 2010 a 2013, anos em que o PIB (Produto Interno Bruto) registrou crescimento repetidamente, com ápice de 7,6% no primeiro ano.

Com o fechamento da janela em alguns dos principais polos europeus entre segunda (1º) e terça (2), como Alemanha, Itália e Inglaterra, quase nenhum jogador renomado foi seduzido pelo Brasil –exceção feita ao zagueiro Henrique, que disputou a Copa de 2014, estava no Napoli (ITA) e desembarcou no Fluminense.

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Em 2015, o dólar subiu 49% ante o real na maior valorização anual registrada desde 2002, ultrapassando o patamar dos R$ 4 nos picos da crise.

Esses números apontam para uma fragilização da economia brasileira e, por tabela, dos clubes do país.

A desvalorização da moeda faz com que os clubes percam competitividade na gestão de jogadores. A maioria dos atletas que atuam no exterior têm contratos em dólar, e os times brasileiros recebem em reais.

"A turbulência na economia chinesa e os passos ainda incertos dos EUA refletem aqui e fazem com que mais dólares saiam do país. Assim, o real se desvaloriza e contratar alguém de fora fica muito mais caro aos clubes brasileiros", afirma Paulo Dutra, coordenador do curso de economia da Faap.

"Somados, os salários dos quatro jogadores que foram para a China igualam a atual folha salarial do time. É difícil para o jogador que está fora do Brasil encontrar atrativos. Um salário de R$ 200 mil atualmente corresponde a US$ 50 mil, um valor baixo para o mercado europeu", avalia Emerson Piovezan, diretor financeiro do Corinthians.

Nos últimos meses, o time alvinegro se transformou em um caso emblemático de um momento em que o futebol brasileiro perde os jogadores que repatriou e não tem poder de compra para trazer do exterior atletas do mesmo nível –que já não era o mais alto.

Tidos como os dois melhores jogadores do Brasileiro de 2015, Jadson e Renato Augusto receberam propostas de clubes chineses e arrumaram as malas. O real desvalorizado ajuda a alçar os ganhos mensais à casa dos R$ 2 milhões, caso de Renato Augusto.

Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
Jadson (esq.) e Renato Augusto, que deixaram o Corinthians para jogar na China
Jadson (esq.) e Renato Augusto, que deixaram o Corinthians para jogar na China

Os meias têm o perfil dos atletas que chegaram ou retornaram ao país antes da crise: não estão entre os grandes expoentes nacionais, que atuam nos grandes da Europa (como Neymar, no Barcelona; Douglas Costa, no Bayern de Munique); têm poucas convocações para a seleção brasileira ou destacam-se em seleções menos tradicionais (Jadson tem oito jogos pelo Brasil, Guerrero é referência no Peru); e estavam em times intermediários ou pequenos da Europa.

Além deles, há exemplos como Vagner Love (do CSKA para o Flamengo, em 2011) e Tardelli, (do Al-Gharafa para o Atlético-MG, em 2013).

Na crise, esses jogadores de reconhecimento internacional médio estão dando lugar a jovens de outros times brasileiros ou latino-americanos. Atletas de idade avançada, como Lugano (35, São Paulo), aparecem como alternativa. No lugar dos jogadores de consagração razoável, os clubes têm recorrido a promessas, desconhecidos e veteranos.

No Corinthians, Marlone (ex-Sport) e Willians (ex-Cruzeiro) estão entre as apostas. No rival Palmeiras, em boa condição financeira, a grande contratação foi o atacante Erik, ex-Goiás, pelo qual pagará cerca de R$ 13 milhões.

Para Dutra e Piovezan, não há tendência de reversão do cenário no curto prazo.

"Na época do retorno do Ronaldo [2009], o dólar estava desvalorizado por aqui e as empresas em pleno crescimento. Agora, a tendência é que os clubes fiquem ainda mais pobres", diz Dutra.

"Hoje, temos que apostar na base e nas revelações, ou seja, nos valores que desenvolvemos internamente", indica Piovezan.

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