Folha de S. Paulo


Inocentado após 8 meses suspenso, atleta do taekwondo tenta ir à Rio-16

A última luta de João Miguel Neto em uma competição de taekwondo foi em abril de 2015, na seletiva brasileira que o garantiu no Mundial.

Nos outros oito meses do ano passado, ele lutou nos tribunais, contra suspensão de dois anos por doping que o deixava fora, inclusive, da Olimpíada de 2016. Isso mesmo sem nunca ter sua urina ou seu sangue coletados.

A suspensão ocorreu em razão de uma sequência de erros no Aberto do Egito, em fevereiro. Em Luxor, uma das revelações da seleção foi medalhista de prata.

Sem domínio do inglês, ele lembra que, escolhido para fazer o exame antidoping, não entendeu as orientações e deixou a sala de coleta para ir ao pódio.

"Achei que tinha sido liberado para pegar a medalha e que só o campeão precisaria fazer o teste. Não tive escolta até o pódio. E fui embora", recorda-se João Miguel, de 20 anos, à Folha.

Ele voltou no outro dia ao local de competição, desta vez acompanhado do também lutador da seleção Guilherme Felix, que fala inglês.

Descobriu que havia cometido uma violação das regras antidoping, como se tivesse se recusado a fazer o teste.

Para conseguir provar sua inocência, o lutador, filho de uma manicure e de um eletricista, precisou da ajuda de um advogado especializado no assunto para levar a luta até a CAS (Corte Arbitral do Esporte), na Suíça.

Em 16 de novembro saiu, enfim, a decisão: ele foi absolvido e vai participar da primeira seletiva brasileira que definirá a equipe para os Jogos do Rio-2016. Será no dia 17 de janeiro, em Santos.

Foi um alívio para o garoto nascido em Paranhos (MS), radicado em Pato Branco (PR) e que treina em Londrina (PR) desde 2010.

"Nunca pensei em largar tudo ou desistir. Tenho o sonho de disputar a Olimpíada", afirma o lutador.

'DESESPERO'

O tempo não estava a favor de João Miguel. Mais de dois meses depois do campeonato no Egito, ele foi avisado que estava suspenso provisoriamente pela Federação Mundial de Taekwondo por dois anos. O brasileiro podia receber pena de até quatro caso fosse considerado culpado em última instância.

"Aí veio o desespero", diz. "Dias antes da ida para o Mundial da Rússia [em maio], soube que não poderia mais competir. Um advogado indicado pela Federação Paranaense fez minha defesa. Após mais de três meses, saiu a decisão: não foi aceita".

Foi então que a mãe, Mayza, encontrou Pedro Fida, advogado especialista em direito desportivo e doping.

"Recebi a ligação da mãe dele. Desesperada. Após revisar o caso, vi as irregularidades e não tive dúvidas de levá-lo à Suíça. Abri mão do pagamento pela injustiça que estavam cometendo", diz Fida, que já havia trabalhado na CAS, a última instância da justiça desportiva mundial.

O advogado diz que João Miguel podia, sim, ter sido suspenso "por fugir ou dificultar o exame antidoping". No entanto, além de nem sequer terem coletado a urina do atleta no dia, havia problemas no processo.

"Ele precisava de intérprete, se estava claro que tinha problema com a língua. Tinha que haver um responsável da comissão antidoping com ele o tempo todo, até o fim do processo", explica.

João Miguel também não conhecia os procedimentos. Afinal, apenas uma única vez foi submetido ao controle antidoping. Em 2013, em Londrina, onde treina na academia de Fernando Madureira, ex-técnico da medalhista olímpica de 2008 Natália Falavigna, ele foi submetido a exame surpresa. Deu negativo. E nunca mais foi testado.

Um julgamento foi marcado na Suíça para 10 de dezembro. A preocupação dele e do advogado era ter um parecer antes da convocação para as seletivas olímpicas do Brasil. A decisão do CAS saiu antes.

"A Federação Mundial o absolveu completamente. Recuperou os pontos que tinha no ranking, a medalha de prata do Egito e está com a ficha limpa", diz o advogado.

A defesa ainda pediu indenização, cujo valor não é revelado, pois, ao ficar oito meses suspenso, João Miguel perdeu a Bolsa Atleta do governo e a patente de 3º sargento da Marinha do Brasil.

"Ele vai receber tudo de volta, retroativo. O Ministério do Esporte teve o entendimento que o caso tinha transitado em julgado, o que não aconteceu. No fim, foi uma vitória linda", exalta Fida.

Agora, João Miguel, que estudou a vida toda em escolas públicas, afirma que, além da vaga na Olimpíada do Rio (na categoria até 58 kg, uma das quatro escolhidas pelo Brasil para ter representantes nos Jogos), vai em busca de mais um objetivo neste novo ano: começar um curso para aprender inglês.

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RAIO-X
João Miguel Neto

Nascimento
24.nov.1995 (20 anos), em Paranhos (MS)

Categorias
Até 54 kg e até 58 kg

Principais conquistas
- 4 vezes campeão brasileiro
- 4 vezes campeão da Copa do Brasil
- Vice campeão do Pan-Americano Júnior, em Las Vegas (EUA), em 2011
- Vice campeão do Aberto do Egito, em Luxor, em 2015
- 5º lugar na Copa do Mundo por equipes, em 2013


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