Folha de S. Paulo


Times chineses de futebol roubam talentos de clubes sul-coreanos

A liga de futebol da Coreia do Sul é a mais bem sucedida da Ásia, e seus times conquistaram um total combinado de 10 títulos continentais, cinco a mais que qualquer outro país.

Mas o mais recente destes títulos veio em 2012 e, em lugar de vitórias, nos últimos anos surgiu uma tradição nos finais de temporada: assim que o campeonato da K-League termina, os times do país estão se acostumando a enfrentar a concorrência de ricos rivais chineses em busca de novos jogadores.

Os clubes sul-coreanos não são capazes de concorrer financeiramente com os novos ricos que surgiram entre as equipes chinesas. O Guangzhou Evergrande Taobao, controlado pela incorporadora de imóveis Evergrande e pelo fundador do Alibaba, um dos maiores grupos de comércio eletrônico da China, deu origem à onda de gastos, em 2010. De lá para cá, o clube investiu mais de US$ 150 milhões em jogadores e treinadores. A recompensa veio na forma de cinco títulos nacionais consecutivos e, em 21 de novembro, do segundo título da Copa dos Campeões da Ásia em três anos, para a equipe comandada pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari, ganhador da Copa do Mundo de 2002.

Liu Dawei/Xinhua
(151121) -- GUANGZHOU, Nov. 21, 2015 (Xinhua) -- Players of Guangzhou Evergrande lift their head coach Luiz Felipe Scolari (Top) after the awarding ceremony of the AFC Champions League final match between Guangzhou Evergrande and Al Ahli of United Arab Emirates in Guangzhou, China, Nov. 21, 2015. Guangzhou Evergrande won 1-0 and claimed the title.(Xinhua/Liu Dawei)
Jogadores do Guangzhou Evergrande celebram o título asiático com o técnico Luiz Felipe Scolari

Encorajados por um governo que deseja ver a China jogando em alto nível, depois de anos de desempenho pífio no esporte favorito do planeta, outros investidores se envolveram com equipes chinesas e estão gastando pesado em um esforço para recuperar o atraso com relação ao clube de Guangzhou, que domina o esporte. Recrutar jogadores da K-League se tornou um caminho fácil para começar.

"Para os times chineses, os jogadores da Coreia do Sul são valores comprovados", disse Lee Eun-ho, porta-voz do Suwon Samsung Bluewings, um dos maiores times sul-coreanos. "Se eles são coreanos, a diferença cultural é pequena, eles conseguem se adaptar facilmente, e o nível médio dos jogadores da K-League é muito bom".

Os times chineses podem contar com um máximo de cinco futebolistas estrangeiros em seus elencos, e um desses cinco precisa ser asiático. Em 2015, dos 15 entre os 16 times do campeonato chinês que cumpriram com essa "cota asiática", oito contavam com jogadores sul-coreanos. O Guangzhou tem o zagueiro Kim Young-gwon, o Shanghai S. I. P. G. contratou Kim Ju-young, também zagueiro, e o Beijing Guoan tem o meio-campista Ha Dae-sung.

E novos jogadores sul-coreanos devem encontrar lugar na China. Assim que a temporada 2015 da K-League foi concluída, o Yanbian, que acaba de subir para a primeira divisão chinesa, assinou com Kim Seung-dae, do Pohang Steelers, e Yoon Bitgaram, do Jeju United, dois jovens atletas da seleção sul-coreana.

"Quando o assunto é jogadores asiáticos, os sul-coreanos são os melhores em termos de preço e os clubes chineses podem lhes oferecer salários muito mais altos do que ganhavam anteriormente", disse Luo Ming, editor assistente da "Titan Sports Weekly", uma revista esportiva de Pequim. "Os clubes sul-coreanos sempre jogam bem na Liga dos Campeões da Ásia. A liga chinesa é mais física do que técnica, e os jogadores sul-coreanos mostram mais vigor físico que os chineses".

Mas os sul-coreanos não são os únicos a atrair interesse. Equipes chinesas vêm cada vez mais adquirindo jogadores estrangeiros que já provaram seu talento na K-League. "Se eles são estrangeiros e já demonstraram que conseguem se adaptar ao leste da Ásia, representam risco muito menor para os clubes chineses", diz Lee.

Na metade de 2015, o Hebei, então na segunda divisão chinesa, ofereceu tanto dinheiro ao Jeonbuk Hyundai Motors FC pelo atacante brasileiro Eduardo que o campeão sul-coreano não foi capaz de recusar. Estamos falando de uma potência do futebol asiático, ligada à Hyundai Motors - as grandes empresas que controlam os clubes sul-coreanos reduziram seu apoio financeiro ao futebol nos últimos anos -, mas nem mesmo o Jeonbuk foi capaz de manter um de seus jogadores mais importantes, diante do interesse de um time chinês quase desconhecido, e de segunda divisão.

Dejan Damjanovic detém o recorde de artilharia da K-League e era o maior astro do F. C. Seoul em 2013, quando se transferiu para o Beijing Guoan. Damjanovic, integrante da seleção de Montenegro, concluiu a temporada 2015 como terceiro maior artilheiro da Chinese Super League. Aos 34 anos, ele está interessado em retornar à Coreia do Sul, mas os clubes do país enfrentam dificuldades para cobrir nem que metade de seu atual salário.

"Para ser honesto, a China paga muito melhor, e a chance de ganhar mais para a minha família estava lá, era minha oportunidade", disse Damjanovic. "Ainda acredito que os jogadores sul-coreanos são mais vigorosos que os chineses, e é por isso que os times da Coreia do Sul continuam competitivos diante das equipes chinesas na Liga dos Campeões da Ásia".

Até agora, os clubes chineses vêm demonstrando menos interesse por jogadores japoneses. "Os jogadores de ataque do Japão são melhores que os de defesa, mas os clubes chineses compram atacantes da América do Sul ou África", explicou Luo. "Os jogadores de defesa sul-coreanos funcionam melhor para os times chineses". Ele também apontou que o relacionamento político conturbado entre a China e o Japão dificulta transferências.

Embora os torcedores da Coreia do Sul tendam a desdenhar o futebol chinês - em 30 jogos entre as seleções dos dois países, a China venceu só um -, a melhora dos padrões da Chinese Super League significa que transferências para a China são melhores hoje do que no passado, tanto em termos futebolísticos quanto financeiros. O zagueiro central Kim Young-gwon provou seu talento no Guangzhou e há rumores de que em breve se transferirá a uma das grandes ligas europeias.

Damjanovic acredita que, em curto prazo, se os clubes sul-coreanos investirem o dinheiro que estão recebendo da China em jogadores estrangeiros melhores, verão mais facilidade em conquistar títulos asiáticos. "Os jogadores sul-coreanos continuam a ser os melhores da Ásia e é por isso que são populares em outros países. São profissionais e vigorosos. Se os sul-coreanos conseguirem melhorar seus jogadores estrangeiros, tudo ficará bem".

Em longo prazo, Lee, do Samsung Bluewings, espera que o crescimento da China represente tanto oportunidade quanto problema. "Poderia ser bom para a K-League. Precisamos pensar em outros caminhos para o progresso de nosso esporte. Temos de investir mais dinheiro na formação de juvenis e produzir mais jogadores, e jogadores melhores. Se pudermos usar esse dinheiro para estimular o mercado de futebol aqui, seria positivo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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