Folha de S. Paulo


Após atentados em Paris, autoridades repensam segurança de estádios

Em Trinidad, policiais armados e com equipamentos de choque foram chamados para proteger um jogo de futebol. No Japão, policiais posicionados sobre os telhados de edifícios na rota vigiavam uma maratona. E na Espanha, "um aparato de segurança muito intensivo" está planejado para o duelo entre o Real Madrid e o Barcelona, o que inclui um perímetro com três camadas em torno do famoso estádio Santiago Bernabéu e um aumento de 100% na presença já reforçada de pessoal de segurança, que entre outras coisas inspecionará os sanduíches carregados pelos torcedores.

O ataque terrorista perto do Stade de France –parte de uma onda de mortífera violência que varreu Paris na noite de sexta-feira (13) –e uma ameaça de bomba que resultou no cancelamento de um jogo na Alemanha terça (17) levaram os dirigentes esportivos de todo o planeta a sentir vulnerabilidade renovada.

Se os atentados contra a Maratona de Boston em 2013 mostraram com efeito devastador como um evento esportivo pode se tornar alvo de terroristas, os ataques contra Paris forçaram times e federações a examinarem com ainda mais atenção os protocolos de segurança para eventos esportivos que envolvem menor área e reúnem dezenas de milhares de pessoa em um estádio ou ginásio.

A realidade, de acordo com especialistas em segurança que participam da proteção a eventos esportivos na Europa e Estados Unidos, é que mesmo com as mais agressivas medidas, proteger um grande estádio ou partida continua a ser um desafio monumental.

"Quem quer que lide com esse tipo de evento sempre soube que os grandes jogos e estádios são possíveis alvos para os terroristas", disse John O'Hare, que trabalha em planos de segurança para jogos de futebol importantes na Inglaterra, em sua função como chefe assistente de polícia na região da Grande Manchester.

Ele acrescenta que "isso não significa que não sejamos capazes de proteger as pessoas. Só significa que temos de trabalhar com mais afinco".

As dificuldades na proteção a qualquer instalação esportiva –na Europa, Estados Unidos ou outras regiões– são fáceis de compreender. Imagine pessoas chegando de todas as direções, convergindo em um só local e lotando um espaço confinado por horas. Acrescente a isso a presença de celebridades, astros do esporte e câmeras de televisão, e a combinação se traduz em alvo óbvio.

Joan Carles Molinero, comandante da polícia da Catalunha para a região de Barcelona, diz que as ameaças de bomba em partidas do Barcelona são "situação comum" –ele não chegou a defini-las como acontecimento cotidiano, mas quase–, e acrescentou acreditar que os maiores complexos esportivos talvez tenham de adotar medidas de segurança semelhantes às dos museus e aeroportos.

"A diferença crucial é que em uma partida de futebol controlar as pessoas é muito mais difícil", ele disse, "porque você tem 100 mil pessoas entrando no mesmo espaço por 90 minutos".

O que complica ainda mais as coisas é a natureza singular de cada um desses lugares. Os atentados com bombas contra a maratona de Boston destacam o quanto é complicado vigiar todas as pessoas e todas as bagagens ao longo de um percurso de corrida lotado que se estende por mais de 42 quilômetros.

Os terroristas suicidas que detonaram explosivos perto do Stade de France despertaram novas questões sobre perímetros fortificados e o quanto se pode permitir que uma pessoa se aproxime de um estádio sem ser revistada.

Em Bruxelas, na segunda-feira, as autoridades do futebol belga concordaram em cancelar um amistoso entre Bélgica e Espanha sob orientação de funcionários do governo, que expressaram preocupações quanto à segurança.

Um dia mais tarde, o cancelamento de última hora de uma partida entre Alemanha e Holanda, em Hanover, foi resultado de uma ameaça "concreta", informaram as autoridades alemãs, gerando discussão sobre o entrelaçamento entre as operações de inteligência e os protocolos de proteção.

E, claro, proteger um estádio como o MetLife Stadium, que fica em uma grande área aberta perto de Nova York, é muito diferente de, digamos, proteger o estádio de Old Trafford, no coração de Manchester.

Ainda assim, existem algumas generalidades que parecem ter aplicações universais.

"É necessário bom planejamento, e medir os objetivos da melhor maneira possível", disse Terry Stearns, antigo assessor de segurança da Fifa, a organização que comanda o futebol mundial. "Mas antes que isso tudo aconteça, é preciso identificar ameaças e compreender o que é ser um criminoso".

As respostas, depois dos ataques em Paris, variaram. Um porta-voz da NFL, a liga de futebol americano profissional dos Estados Unidos, que aplica regras de segurança padronizadas a todos os seus estádios, disse que aumentaria a cobertura policial nos estacionamentos em torno dos estádios, e que estava considerando expandir o perímetro de segurança de 30 metros mantido obrigatoriamente pelos times em torno de suas instalações.

As partidas das duas principais ligas francesas de futebol serão disputadas como programado, neste final de semana, mas sem os torcedores visitantes, já que o foco da polícia será a segurança externa e ela não disporá de recursos para manter a separação entre as torcidas, como costuma.

Os ginásios de hóquei e basquete nos Estados Unidos registraram alta considerável na presença de seguranças armados em seus portões. A principal liga de futebol da Holanda anunciou que planejava segurança ampliada para as partidas nas três maiores cidades do país –Amsterdã, Roterdã e Haia.

Em Madri, onde o Barcelona enfrentará o Real Madrid no sábado em uma das partidas mais assistidas na temporada da liga espanhola, o secretário de Estado para a segurança, Francisco Martínez Vázquez, disse a jornalistas que 1,4 mil seguranças privados serão usados para reforçar um efetivo policial de "pelo menos" mil policiais –presença que será o dobro da que costumava existir em partidas semelhantes no passado.

Uma delegada do governo espanhol em Madri, Concepción Dancausa, disse que a decisão de verificar os sanduíches foi tomada porque torcedores do clube português Benfica esconderam fogos em seus sanduíches para passar pela segurança em uma partida da Champions League contra o Atlético Madrid, em setembro.

Molinero, o comandante da polícia catalã, disse que sua organização já se havia reunido com dirigentes do Barcelona por duas vezes nesta semana e que participaria de uma reunião com a Uefa, a organização que comanda o futebol europeu, antes da terça-feira, quando está marcada uma partida entre o Barcelona e o Roma, da Itália, pelo Champions League no Nou Camp, o estádio do time catalão, que fica em um bairro cercado por cafés, apartamentos e uma universidade.

A situação do Camp Nou se assemelha de muitas maneiras à de outros complexos esportivos europeus –um time popular com um grande estádio localizado em área residencial– e Molinero disse que já houve discussão sobre a possibilidade de abrir o estádio mais cedo a fim de facilitar a entrada dos torcedores. Também está sendo considerada uma proibição a qualquer mala maior que uma bolsa de mão.

"Agora temos de nos ajustar a uma organização terrorista cujos alvos são os lugares onde as multidões sejam maiores", ele disse, "Provavelmente usaremos cães para farejar explosivos. Também empregaremos nossas unidades de choque".

Michael O'Neil, antigo comandante da divisão de combate ao terrorismo da polícia de Nova York, disse que os torcedores precisam esperar mudanças no que veem da parte das autoridades de segurança em eventos esportivos, em larga medida porque a polícia precisa se adaptar às capacidades cada vez maiores dos terroristas.

Em referência aos atentados suicidas no Stade de France, ONeil disse que "o ataque em Paris foi bem planejado, mas de baixa tecnologia. É algo com que devemos nos preocupar".

Pat Brosnan, presidente-executivo de uma empresa de consultoria de segurança que trabalha com muitas equipes esportivas e estádios, disse que sua maior área de preocupação é a obtenção de informações. A defesa de estádios e outras áreas vastas é dificultada ainda mais quando existe pouca ou nenhuma informação sobre uma ameaça.

"Não estamos recebendo informações", ele disse, "e por isso a direção de um estádio precisa se reunir e perceber que eles desenvolveram maneiras de nos superar, e é preciso que nos protejamos".

Isso, claro, é o que todo mundo –da Universidade de Madri, que esta semana proibiu mochilas nos jogos de basquete e futebol, a Porto Espanha, no Caribe, onde a presença paramilitar atingiu nível inédito na partida de futebol entre os Estados Unidos e Trinidad Tobago disputada no domingo– está tentando fazer.

"Temos de nos acostumar a isso", disse Molinero. "Não será uma situação resolvida em um dia".

Ele acrescentou que "no momento, um evento esportivo está no topo de nossa lista de prioridades. E não podemos correr o risco de um desempenho medíocre".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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